O que fazer com a versão adulta dos nossos filhos?
24-09-2021 - 08:15

E se descobrirmos que os nossos filhos, já adultos, são pessoas indecentes? Fazemos o quê? Protegemos a indecência, porque amamos os nossos filhos? Atacamos os nossos filhos em nome da decência?

Vi a série “Mildred Pierce” com bastante ansiedade, talvez até com uma espécie sub-reptícia de terror. Não, não há aqui zombies e cabeças cortadas, só há filhos. Mildred é uma mulher de classe média dos anos 30 que luta para educar duas filhas após o divórcio.

Filmada por Todd Haynes e protagonizada por Kate Winslet, “Mildred Pierce” é sobre as prisões mentais criadas pela classe social, mas é sobretudo sobre o mal e sobre essa pergunta angustiante para qualquer mãe ou pai: fazemos o quê quando os nossos filhos, já adultos, se revelam pessoas imorais ou amorais, apesar do amor e da educação que receberam?

Ao longo da narrativa, a bondade de Mildred é parodiada e usada pela própria filha, Veda (Evan Rachel Wood), uma miúda arrivista que quer desesperadamente atingir a alta sociedade, deixando para trás a vida de classe média anónima da mãe, deixando para trás o mundo daqueles que têm de trabalhar com as mãos. O desprezo pelo “trabalho vil e mecânico” é evidente, até porque Mildred, para ganhar a vida, abre um restaurante.

Há sempre uma guerra civil entre mãe e filha, ou melhor, há sempre uma guerra que o capricho imoral ou amoral da filha lança sobre a ingenuidade da mãe, que vai cedendo aqui e ali. Neste ponto, podemos fazer a seguinte pergunta: se Mildred fosse mais dura e menos ingénua, se não tivesse comprado o piano, Veda não se teria tornado naquele monstro quase luciférico? Talvez. Mas esta pergunta está a jusante.

A montante, está o ponto central: o mistério do mal. Fosse qual fosse a reação de Mildred à maldade de Veda, resta sempre esta pergunta: de onde vem este mal tão cruel e frio? Há pessoas que nascem assim cruéis? Há pessoas que têm desde a concepção uma relação mais íntima com o mal? Se assim for, se esta crueldade fria e sociopata tiver mesmo uma base genética, então como é que pode vir de duas pessoas adoráveis como Mildred e o seu ex-marido, Bert? Se a fonte deste mal não for a genética e, ao invés, for o ambiente e o contexto, então, mais uma vez resta-nos uma perplexidade: nada nesta casa tem a carga da violência e da brutalidade. Como é que duas pessoas bondosas - na natureza e na educação - podem gerar e criar um adulto tão cruel, egoísta e caprichoso?

Não quero dar respostas, cada um terá a sua. E, seja qual for a verdade, resta depois a outra pergunta: como reagir? E se descobrirmos mesmo que os nossos filhos, já adultos, são pessoas indecentes? Fazemos o quê? Protegemos a indecência, fingindo que não é indecência porque amamos os nossos filhos? Atacamos os nossos filhos em nome da decência e porque amamos os nossos filhos, porque queremos que eles voltem a um caminho decente? Negação ou confronto?