Prescrição na Operação Marquês? A cada arguido será aplicado o regime mais favorável
09-04-2021 - 06:30
 • Liliana Monteiro

A investigação começou há mais de sete anos e os crimes remontam a 2006. Ou seja, começaram segundo a acusação a ser cometidos há 15 anos.

A Operação Marquês, que esta sexta-feira conclui a fase de instrução, conta com crimes de corrupção, passiva e ativa, branqueamento de capitais, fraude fiscal, falsificação de documento e abuso de confiança. A investigação começou em 2013. A pergunta que se impõe num processo tão pesado, com muitos anos, muitos arguidos e um mar de factos é: pode prescrever? A questão impõe-se, mas a resposta não é fácil, nem óbvia de dar, mas tentamos aqui explicar.

As leis não são estáticas e vão sofrendo atualizações, foi o que aconteceu com o Regime de Prescrição. Em 2006, altura dos primeiros crimes relatados no processo, a prescrição do crime de corrupção apontava para 10 anos, hoje esse regime mudou e aponta para 15 anos.

Os prazos não são corridos e podem sofrer paragens. Por exemplo: a constituição de um arguido no processo interrompe a contagem do tempo de prescrição, o mesmo acontece quando é comunicada a acusação. Em alguns casos, o prazo é suspenso, noutros interrompido. Em certas situações é retomada a contagem, noutros volta mesmo ao seu início, o que eleva o tempo real da prescrição.

Uma coisa é certa, a cada arguido da Operação Marquês será aplicado o regime mais favorável (seja ele o de 2006 ou o de 2010), assim diz a lei.

Ouvido pela Renascença, o advogado e penalista Miguel Matias lembra que, “para evitar que as delongas da justiça deixem impunes crimes na primeira linha do combate a criminalidade, foi estendida a prescrição para 15 anos, o que normalmente seria de 10 anos. 15 anos de tempo de prescrição, desde a data da ocorrência dos factos. Se foi ato isolado desde esse dia, se foi ato contínuo desde a prática do último ato”.

Mas os prazos de prescrição acabam por ter limites superiores. “Entende a lei que, em caso de crimes com prazo de prescrição de 15 anos, se deve juntar mais metade desse tempo, ou seja, sete anos e meio acrescentando, por fim, mais o período máximo de suspensão (férias, pandemia, etc…) que são seis meses. Ou seja, 23 anos”.

No caso do crime de fraude fiscal este prescreve em 15 anos e meio e a falsificação de documentos sensivelmente em oito anos.

Miguel Matias sublinha que, “estatisticamente, a decorrência de arquivamentos por prescrição neste tipo de crimes (corrupção e branqueamento) tem sido reduzida ao longo dos últimos anos. Sensivelmente, em 400 crimes, quatro são prescritos. Não é uma percentagem grande. O sistema tem sido garantístico no sentido de evitar que as delongas do processo penalizem a ação da justiça”.

Provar a corrupção com prova indireta e algum senso-comum

Não basta dizer que José Sócrates ou outro arguido da Operação Marquês receberam dinheiro. A maioria da prova é indireta, uma vez que não há contas com o nome do antigo primeiro-ministro, pelo que não é óbvio o circuito seguido pelo dinheiro, que ele foi ilegal, etc…

Há várias questões que o juiz de instrução Ivo Rosa tem de avaliar assim como o juiz de julgamento, caso o processo assim tome esse rumo.

As avultadas quantias em dinheiro (34 milhões de euros) eram mesmo de José Sócrates ou do amigo Carlos Santo Silva? Se eram de Sócrates, a que título, que negócios resultaram no dinheiro, que heranças, como e porque lhe foi pago? É preciso identificar todas estas respostas e só indícios muito fortes fazem o processo passar à fase seguinte.

O depoimento direto é chave de ouro no inquérito e ainda mais no julgamento, como foi o caso de Helder Bataglia. A investigação identificou-o como sendo um dos intermediários para realização de pagamento ilícitos. O depoimento do arguido permitiu esclarecer que fez um favor a Ricardo Salgado, recebeu dinheiro nas suas contas para depois o depositar em contas alegadamente de Carlos Santos Silva, levando a investigação a juntar peças e a concluir que o destinatário final seria o ex-primeiro ministro.

Mas a maioria da prova sustenta-se na dedução de factos. A investigação vasculhou negócios, as datas desses negócios, de despachos governamentais e de empresas, avaliou contas bancárias em determinadas janelas temporais coincidentes com essas operações, fez escutas, vigilâncias e desenhou um esquema que junta 28 arguidos.


A corrupção obriga à prova de cada ato corruptivo, já o enriquecimento ilícito ajudaria em casos como este a facilitar o trabalho da investigação, aqui o acréscimo de património teria de ser justificado no seu todo.

Fonte judicial explica ainda à Renascença que a tese de que o amigo Carlos Santos Silva emprestava grandes quantias de dinheiro e que tudo era dele não colhe na regra da experiência comum, importante também na avaliação de factos. É muito suspeita a teoria de que um amigo deixa dinheiro avultado em testamento a um outro amigo e não deixa nada à família. Esta será uma tese indefensável.

São muitas as apostas que se fazem sobre o desfecho desta fase da Operação Marquês, até porque, diz o penalista Miguel Matias, “se o processo vai para o “juiz de instrução A” já se sabe que não vale a pena porque ele acaba por confirmar o que diz o Ministério Público e a investigação. Se for o outro juiz, já se sabe que é mais garantístico dos arguidos, embora depois o Tribunal da Relação acabe muitas vezes por anular as suas decisões”.

O advogado lamenta o arrastar da decisão instrutória, “num caso comum e até no caso de Tancos, mesmo em pandemia, os juízes foram à sala ler a decisão e os advogados notificados dessas decisões. Acontece em dezenas, centenas de processos por isso não se compreende esta delonga”.