E se a deixassem trabalhar?
21-01-2015 - 13:12
 • José Luís Ramos Pinheiro

Com violações grosseiras do segredo de justiça e com pressões ilegítimas sobre os agentes da justiça corremos o risco de assistir, em qualquer caso, à derrota da verdade.

O que já uma vez escrevi mantém-se. Sou incapaz de dizer se José Sócrates é absolutamente culpado de tudo quanto dizem, de alguma parte do que se diz ou se de nenhuma das coisas que já se disseram.

Fazem-me tanta impressão as aparentes violações do segredo de justiça, como o cortejo dos que protestam inocência e pressionam a investigação sem conhecerem, penso eu, factos, provas e diligências.

Quem viola o segredo de justiça parece ansiar por uma vitória na opinião pública; mas quem pressiona a justiça permite pensar que se pretende ganhar o processo na secretaria.

As violações do segredo de justiça são condenáveis, por intoxicarem a opinião pública e por reduzirem os direitos de defesa de um arguido que se deve presumir inocente até ao trânsito em julgado de uma decisão judicial.

Mas em democracia, confia-se na actuação dos tribunais e discute-se nos tribunais o que aos tribunais pertence. E por haver confiança nos tribunais não é necessário pressionar juízes, magistrados ou polícias.

Pressões sobre tribunais são necessárias em ditadura, mas incompreensíveis em democracia.

Em democracia, pressões continuadas sobre o poder judicial a propósito de um caso específico, ainda em investigação, podem levantar as maiores dúvidas.
Pretende-se o quê? Que as suspeitas não sejam investigadas, de modo cabal e esclarecedor? Que as investigações sejam arquivadas, com eventual prejuízo da verdade? Que o nome de alguém e dos seus amigos seja suficiente para anular toda e qualquer investigação? Que os nossos desejos sejam a medida da verdade?

Personalidades que já desempenharam, desempenham ou podem vir a desempenhar as mais altas funções no país devem sujeitar o poder judicial a este tipo de tratamento?

O que dirá o cidadão comum sem conhecimentos, relações ou dinheiro para aceder a este tipo de justiça, que parece aspirar a um regime especial, e de favor?

Nada me desagradaria mais do que ver em Portugal uma espécie de ‘governo de juízes’ que efectuasse, por sua conta e risco, também uma espécie de limpeza no país. Mas fico igualmente incomodado se uma faixa da classe política portuguesa parte do princípio de que está acima da lei, para lá da lei ou, no mínimo, se se deixa instrumentalizar nesse sentido.

Com violações grosseiras do segredo de justiça e com pressões ilegítimas sobre os agentes da justiça corremos o risco de assistir, em qualquer caso, à derrota da verdade.