Leituras das eleições legislativas
16-10-2019 - 06:24

A bondade da conjuntura internacional ajudou António Costa nos últimos quatro anos. Mas tudo indica que da política de juros baixos do BCE ao comportamento das exportações, do boom do turismo à própria coesão europeia pós-Brexit, as coisas vão mudar para pior.

Das eleições legislativas de há dez dias resultou uma paisagem política nova… ou nem tanto. Há novidades, sem dúvida, porque, à exceção do Partido Socialista, todos os demais partidos com assento parlamentar terão de realizar, de forma pacífica ou tumultuosa, uma introspeção identitária. O Livre, a Iniciativa Liberal e o Chega! precisam de densificar o discurso, agora que transitam da infância das ideias para a ribalta parlamentar. O PAN e o PEV, um a subir, outro a descer, precisam de refinar o discurso e de redefinir que espaço e interlocutores querem ter, ou ser, na Assembleia da República. O BE e o PCP, que pouco ganharam, afinal, com os quatro anos da “geringonça”, terão de equacionar como podem voltar à oposição sem arriscar deitar abaixo António Costa, preservando a solidariedade das esquerdas e evitando oferecer ao PS a vitimização que lhe terá faltado para a maioria absoluta. O PSD e o CDS, finalmente, vão ter de clarificar ou de escolher novas lideranças e depois, mas só depois, começar a trabalhar para um rumo que no futuro lhes permita, em geometria variável, o número mágico de 116 deputados, tornado a única coisa que verdadeiramente interessa na política portuguesa. Só o PS não precisa de se mexer muito: obteve o poder em 2015, manteve-o em 2019, quer continuá-lo até 2023.

Estas novidades vão desenrolar-se numa paisagem também nova. A bondade da conjuntura internacional ajudou António Costa nos últimos quatro anos. Mas tudo indica que da política de juros baixos do BCE ao comportamento das exportações, do boom do turismo à própria coesão europeia pós-Brexit, as coisas vão mudar para pior.

Sem menosprezar o que ficou escrito, as legislativas de 2019 foram, no entanto, a repetição de velhos traços da política portuguesa - ou da política à portuguesa. Vêm desde o liberalismo do século XIX duas máximas que nem a I República (o Estado Novo não conta), nem a democracia, nem a integração europeia puderam mudar: a primeira é que não são as oposições que ganham eleições, mas os governos que, por vezes, as perdem; a segunda é que no espetro partidário a verdadeira clivagem não é entre direita ou esquerda, democracia-cristã, liberalismo, social-democracia, socialismo ou comunismo, mas entre o “partido do governo” e o(s) partido(s) que, estando fora dele o quer(em) conquistar. António Costa fez o suficiente para não perder (e poderia ter feito mais, para ganhar mais folgado), e não perdeu porque o PS tem a máquina do Estado, isto é, do governo e das prebendas e recursos de que aquele dispõe para distribuir. Podem os politólogos e estrategas partidários pensar se um partido “x” deve estar mais à direita, ao centro ou à esquerda. A posição ideológica, que deveria ser o mais importante numa sociedade que soubesse discutir e escolher entre alternativas, desaparece perante o óbvio: o eleitorado vota em nomes, ou seja, e no fundo, não elege um parlamento; antes escolhe um primeiro-ministro. É por isso que quem vence, vence recolhendo aquele milhão de votos que alternadamente dão vitórias ao PS ou ao PSD, maioritárias (Cavaco ou Sócrates) quando o personalismo se acentua, minoritárias as mais das vezes. Não é de crer que esses eleitores pendulem, a cada quatro anos, de forma consciente, do centro-direita para o centro-esquerda e vice-versa. Eles, os votantes, há muito (desde a década de 1980, com a Europa) que são os mesmos e estão no mesmo lugar, algo indiferentes aos cambiantes das ideologias que se inscrevem no “centrão”. Os líderes é que foram mudando, e foram vencendo aqueles que a cada eleição pareceram ser, para a maior fatia do eleitorado, o ideal, o melhor possível ou, às vezes, o existente que ninguém conseguiu desalojar.