O "tempo novo" foi-se. "Começamos a sentir um vazio"
25-01-2016 - 03:01
 • Catarina Santos , Ricardo Fortunato (fotos e vídeo)

Começou cheia de sorrisos, terminou em resignação. Na sede de campanha de Sampaio da Nóvoa, dezenas de apoiantes tiveram de aceitar que o tão celebrado "tempo novo" não tinha, afinal, chegado. O derrotado prometeu regressar "à vida normal", mas parecia hesitante em abandonar a sua quase festa. Aquele tinha sido "um tempo que não trocaria por nada nesta vida", admitiria

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Na escuridão dos armazéns de Santos, em Lisboa, os holofotes das televisões iluminam a fotografia gigante de um homem de cabelos brancos e sorriso sereno. Lá dentro há traves de ferro amarelas e telhas à vista. Arrumam-se cadeiras, arrastam-se cabos, desfaz-se o cenário. Dos bastidores, onde se resguarda a equipa de campanha, solta-se um sonoro "F.R.A.". O clima não é de derrota: é de fim de festa e está para durar.

Sampaio da Nóvoa regressa ao palco já com a sala quase vazia, tira fotografias com os jovens que o acompanharam na estrada, posa sorridente e sem pressa. Tinha garantido há pouco mais de meia hora, no discurso de derrota, que voltaria agora à "vida universitária"; que a incursão pela política – uma experiência que "não trocaria por nada" – tinha chegado ao fim.

Quem o visse ali, a passear-se pela sede nacional de campanha e a distribuir palmadas pelas costas dos que restavam, diria que o atacava alguma antecipação de saudade.

João Moutinho não reteve o momento em que Sampaio da Nóvoa reconheceu Marcelo Rebelo de Sousa como seu Presidente "e de todos os portugueses", em que assumir que "o pouco que faltou" para forçar uma segunda volta era da sua "inteira responsabilidade", em que declarou o seu "orgulho" pela "maturidade da democracia".

Tem nome de jogador da bola, mas este João Moutinho é um empresário de 68 anos. E estava ali, entre as dezenas de apoiantes que encheram a sede da campanha SNAP (Sampaio da Nóvoa A Presidente), mas não apreendeu uma só palavra. "Nós estamos a ficar… não é emocionados… Começamos a sentir um vazio. Eu não ouvi o professor. Ouvi as palavras dele, mas não sei o que ele disse".

Está a tentar recompor-se, obriga-se a sorrir, mas assim a quente não consegue parar de pensar que "quem perdeu foi o país." Não é questão de mau perder. "Marcelo foi eleito com os votos, não estou a contestar, mas tenho pena que Portugal não tenha um presidente como é Sampaio da Nóvoa, um humanista."

É a vida, é a democracia

Rebobinamos duas horas. Ainda João Baião prometia carros no ecrã e já João Moutinho marcava lugar estratégico junto às televisões, acompanhado pela mulher. Pouco faltava para as primeiras projecções e estava cheio de esperança numa segunda volta, porque sentiu que, nas últimas semanas, "houve uma arrancada, houve um despertar".

Militante socialista desde 1975, João Moutinho admitia que o partido ficou sem opções perante uma "campanha de ressabiados, que apareceu para pressionar o secretário-geral" e antevia para a sua "camarada" Maria de Belém uma queda "abaixo dos 5%". Acertou. Para Nóvoa antevia que ficasse "pelos 22%". Acertou. Só falhou na previsão que guardava para o candidato que "fingiu de morto, brincou aos cabeleireiros e aos cozinhados".

Dois segundos antes das 20h00, o brilho no rosto de João Moutinho ainda era o mesmo que traziam dezenas de outros, novos e velhos, coloridos e cinzentos, animados e festivos. Tudo isso congelou quando duas televisões projectaram uma vitória de Marcelo. Parecia que os músculos de todos aqueles rostos não sabiam bem que posição assumir.

O mandatário nacional Correia de Campos ainda havia de aparecer para recomendar "esperança", uma apoiante ainda havia de gritar que "até ao lavar dos cestos é vindima", ainda haviam de se passear pelo espaço com expressões moderadamente confiantes figuras socialistas como Gabriela Canavilhas, Ana Gomes, Edite Estrela, Edmundo Pedro ou Inês de Medeiros, o músico Rui Vieira Nery, o antropólogo Miguel Vale de Almeida, o capitão de Abril Vasco Lourenço ou a mandatária da candidatura e cantora Teresa Salgueiro.

Ainda haviam de se servir dezenas de cafés e cervejas ao fundo da sala e ainda haviam de se esfumar muitos cigarros debaixo da ventania que fustigava a entrada. Quatro estudantes universitários ainda haviam de se agarrar às "337 freguesias por apurar" para alimentar a confiança numa segunda volta, enquanto lamentavam a elevada abstenção.

Mas o tempo passava e a actualização dos resultados não deixava lugar para dúvidas. Os sorrisos trémulos e os olhares confusos deram inevitavelmente lugar a uma expressão de desânimo geral. Afinal, o "tempo novo" não era para já. "É a democracia, é assim", resignava-se Maria João Silva, na primeira fila dos atentos às televisões.

A professora de 53 anos tinha chegado à sede de campanha "com esperança, mas sem certezas". Apesar de ter visto "uma fantástica campanha" de Nóvoa, admite que era difícil bater a popularidade de Marcelo Rebelo de Sousa. "Há uma grande desigualdade na forma como as televisões trataram os candidatos. Ainda hoje apareceu o candidato a votar e no rodapé lia-se 'há dez anos no Conselho de Estado'… É algo que influencia as pessoas", lamentava.

Ali perto, a cineasta Raquel Freire concordava que "era muito mais difícil" o caminho do ex-reitor da Universidade de Lisboa. "As coisas já estão a mudar, a Constituição já está a ser respeitada, estamos a repor todos os direitos que perdemos.” Por isso, trazia "grande expectativa".

Mas não se assume como desapontada. "Fundamental é as pessoas perceberem que há uma nova forma de fazer política, não dirigida pelos grandes grupos económicos", diz. "Estamos num ciclo de mudança e de esperança, seja qual for o resultado hoje".

Raquel Freire lembra que "em Portugal sempre fomos lentos, o 25 de Abril demorou muito tempo". Termina com uma frase de cariz motivacional: "Nós vamos devagar porque queremos chegar longe."

Pouco depois, Sampaio da Nóvoa mal conseguiria falar por cima de um coro que gritava o seu nome. "Encontram-me aqui com uma enorme felicidade e alegria", diria. "Foi um tempo que não trocaria por nada nesta vida", acrescentaria. Mas, por agora, o "tempo novo" acabou.