Menos fogos, mas maiores e mais destrutivos. “Território continua profundamente vulnerável”
30-09-2020 - 08:00
 • Celso Paiva Sol

No balanço da época tradicionalmente mais complicada em matéria de incêndios, o presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil lamenta que nada tenha mudado e que Portugal continue a correr o risco de ter grandes incêndios como os de 2017.

Até ao final da fase mais crítica de combate a incêndios, que termina nesta quarta-feira, registaram-se menos ocorrências, mas foram maiores e mais destrutivas do que nos últimos dois anos. No balanço, ainda provisório, destes últimos três meses, há também a lamentar a morte de sete operacionais durante o combate às chamas.

Em termos estatísticos, são números abaixo da média da última década, mas nem por isso deixam de preocupar.

Os 65 mil hectares que já arderam neste ano representam um aumento de 40% face aos dois anos anteriores e o número de incêndios de grandes dimensões também aumentou de forma significativa.

Com mais de 1.000 hectares consumidos, já houve este ano oito incêndios – o maior dos quais o de Proença-a-Nova e Oleiros, onde desapareceram 16 mil hectares – e outros 10 incêndios que consumiram áreas superiores a 500 hectares.

O ano fica igualmente marcado pelas baixas registadas no dispositivo de combate.

Morreram cinco bombeiros, na Lousã, em Leiria, Proença-a-Nova, Castro Verde e Oliveira de Frades, e dois pilotos – os dois ocupantes do Canadair que em agosto se despenhou no Gerês.

“É falso que se reduziu o risco de grandes incêndios”

O balanço até ao final de setembro não surpreende Duarte Caldeira, presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil e membro do Observatório Técnico Independente da Assembleia da República.

Na sua opinião, “as condições não se alteraram desde os graves incêndios de 2017 e é completamente falso que se tenha conseguido reduzir as condições objetivas para que haja grandes incêndios em Portugal”.

Em declarações à Renascença, Duarte Caldeira explica que “o território continua profundamente vulnerável, nomeadamente na disponibilidade do combustível. Basta percorrer as zonas de maior risco, para facilmente percebermos que não é visível qualquer alteração estrutural que nos permita concluir que o risco diminuiu”.

Este antigo presidente da Liga dos Bombeiros, e também da Escola Nacional de Bombeiros, considera que os resultados deste ano mostram que é preciso evitar as falsas expectativas e critica o discurso político que tem sido usado desde o ano trágico de 2017.

“Infelizmente continuamos a verificar que, em vez do rigor analítico, da humildade, e da transparência em função dos resultados disponíveis, às vezes há lógicas discursivas que conduzem a sociedade a uma expectativa errada de que afinal as coisas estão a caminho de se resolver. Dados como os deste ano, dizem-nos que temos que se mais cuidadosos na análise”, argumenta.

Reforma tem três anos. Avaliação precisa-se

Duarte Caldeira reconhece avanços na organização do sistema, sobretudo ao nível municipal, mas face aos dados deste ano defende que “é tempo de refletir sobre o projeto e a missão atribuída à Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF)”.

“É tempo de fazer uma avaliação do custo-benefício e dos resultados de todas as estratégias, programas e investimentos, de modo que, em tempo útil, seja possível corrigir trajetórias, mudar metodologias e reequacionar estratégias”, diz Caldeira.

O presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil elogia a criação da AGIF enquanto patamar de supervisão de todo o sistema, mas nota que “as várias entidades envolvidas continuam a ter, cada uma delas, a sua visão do problema e muitas vezes a assumir medidas contraditórias em relação às estratégias alinhadas como comuns”.

Como se isso não bastasse, acrescenta Duarte Caldeira, estão agora a ser dados sinais confusos no capítulo da vigilância das florestas, um dos principais pilares do sistema de prevenção de incêndios.

“A introdução das Forças Armadas num nível mais interventivo neste domínio, através da definição de zonas prioritárias atribuídas aos três ramos e geridos pelo Centro de Comando de Operações Militares, vem aumentar ainda mais o número de forças a quem já está atribuída essa missão. Importa esclarecer como é que essa articulação irá acontecer”, explica.

Sistema soube contornar o obstáculo pandemia

Já no que diz respeito aos efeitos que a pandemia teve nesta época de incêndios, Duarte Caldeira mostra-se “positivamente surpreendido”, porque “apesar de todas as limitações, houve capacidade de mobilização para manter o dispositivo a um nível de resposta, como se não tivesse havido Covid”.

“O volume de situações deste tipo não comprometeu em momento algum a capacidade de resposta e a operacionalização do dispositivo”, remata este especialista.