O entusiasmo de estar com outros e o olhar do Papa. O que leva os jovens à JMJ?
27-07-2023 - 07:10
 • João Pedro Quesado

A ligação dos jovens à Igreja pode estar em queda, mas esse não é o caso de Alexandra ou de Fernando. "Ser jovem no mundo de hoje e ser jovem cristão no mundo de hoje não podem ser coisas assim tão distintas."

A semana da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é, para centenas de milhares de jovens, o culminar de uma preparação de meses – pelo menos. Alexandra Dias faz parte desse número.

A jovem barcelense, de 21 anos, começou a ter formações sobre a JMJ de Lisboa em novembro de 2022, em conjunto com a comunidade de Santo António, onde tem feito todo o seu percurso de fé.

“Depois da catequese, acabamos por ter várias opções de continuação de caminho” na comunidade ligada aos Franciscanos Capuchinhos, conta Alexandra. “Eu quis entrar num dos grupos de jovens, o que na verdade não se proporcionou logo naquele ano, e então acabei por ir para catequista durante um ano”. Em setembro de 2018, entrou mesmo no Grupo Adonai, que junta jovens na Igreja de Santo António desde o final de 1976.

Poucos meses depois, no início de 2019, a realização da JMJ em Portugal era oficialmente anunciada. “Eu acho que nem soube processar muito bem a informação,” relembra a jovem. Foram as preparações no seio do grupo, “uns tempos mais tarde” que fizeram a ficha cair, com Alexandra a aperceber-se da dimensão do evento – em vários sentidos.

Considerando que a noção de “jovem cristão” é “um bocadinho tabu”, a estudante de Psicologia diz que o evento é “muito importante”, e não há “assuntos que não se pode falar e que são proibidos, porque ser jovem no mundo de hoje e ser jovem cristão no mundo de hoje não podem ser coisas assim tão distintas”.

Um caminho que começa na Jornada anterior

A preparação espiritual para a semana da Jornada foi feita de formações. Conversas, no fundo. Falaram do tema da Jornada - “Maria levantou-se e partiu apressadamente” - e da sua razão de ser, “do que é ser jovem cristão no mundo de hoje”. Pelo caminho, “algumas formações acabaram por fugir ao tema da Jornada”, mas isso é natural - “quais são as que não fogem”, ressalta a jovem.

O Comité Organizador Local da JMJ Lisboa 2023 começou a lançar, em novembro de 2020, as catequeses de preparação da Jornada. No total, foram 25 as catequeses lançadas para os jovens, e foram preparados nove encontros para adultos.

Como catequista de jovens no oitavo ano, Fernando Lopes não acompanhou profundamente as catequeses para a Jornada em Lisboa, mas tentou estar próximo. E conseguiu perceber que “varia muito de Jornada para Jornada”.

Agora com 37 anos e também barcelense, Fernando já fez parte do Grupo Adonai, onde está Alexandra. E foi com esse grupo que participou na Jornada Mundial de 2011, em Madrid.

“Tivemos à vontade mais de um ano, talvez perto de dois anos, a preparar a Jornada”, explica. “Tentamos arranjar formadores para nos ir falando sobre aqueles temas, para que pudéssemos crescer um bocadinho dentro daqueles temas e não irmos completamente em branco.”

A preparação permite “chegar com outros olhos” à JMJ. Fernando conheceu o conceito de uma Jornada Mundial da Juventude quando o evento teve lugar em Toronto, no Canadá, no ano de 2002 – o mesmo ano em que entrou no grupo de jovens.

Em 2002, com 16 anos, era “impensável” ir a Toronto, e em 2005, como ainda não trabalhava, não foi possível estar em Colónia. Ir a Sydney em 2008 “não foi sequer uma hipótese real”. Mas quando a JMJ de 2011 foi anunciada para Madrid, participar “tornou-se uma inevitabilidade”, um pouco como agora, “é aqui, não há como não ir”.

Na altura, o grupo reuniu-se para perceber quem tinha intenção de participar. O processo não foi “muito simples, porque nem toda a gente tinha possibilidade financeira de ir”. Contudo, isso criou “um exercício interessante” para o grupo, que organizou atividades para angariar dinheiro.

“Até esse foi um processo engraçado, de estarmos todos a trabalhar para aquele objetivo”, descreve Fernando. “As Jornadas começam muito por aí”, acrescenta. “Começam a acontecer a partir do momento em que o Papa anuncia a próxima”, dado que, “no dia a seguir”, muitos jovens já estão a pensar no que fazer para ir, conta o técnico financeiro.

A experiência de uma Igreja “viva e alegre”

Para Fernando Lopes, a preparação permite chegar à JMJ e “procurar outras coisas”, como “o Deus que não se vê” e que “guia a nossa vida de uma forma inacreditável”, sem termos “capacidade de perceber como é que Ele nos guia”.

Ao chegar à Jornada em Madrid, a primeira sensação que Fernando teve foi “de uma Igreja viva e alegre”. “Chegamos, vemos malta a cantar, a rir, a dançar no meio da rua e a envolver-nos", destaca, recordando a “alegria imensa” e a “universalidade” que junta jovens de todo o mundo “a viver a mesma fé e a fazer exatamente o mesmo”.

Depois de perceberem como funcionavam os eventos, os jovens de Barcelos tiveram que escolher onde queriam estar em cada momento, ora participando mais em catequeses, orações e eventos culturais, ou simplesmente convivendo com outros jovens – encaixando, no meio de tudo, os desafios de viver passar a conviver “24 horas sobre 24 horas”, uma dificuldade que permitiu haver “uma partilha extraordinária entre todos, de forma que ainda hoje, esses 13 estão ligados de uma forma única”.

Um dos pontos altos da experiência de Fernando foi o encontro final, no aeroporto de Cuatro Vientos, em que, num dia de muito calor, era preciso “ponderar muito bem” sair do sítio - estima-se que dois milhões de jovens estiveram presentes naquele dia.

Depois, o dia de calor transformou-se em noite de tempestade, com “chuva torrencial, trovões e vento” - um cenário “digno de um filme” que não demoveu os jovens presentes, que continuaram a fazer a festa enquanto Bento XVI era aconselhado a sair.

Com um sorriso no rosto, Fernando Lopes lembra-se bem desse momento. “Ouvia-se o Papa a dizer ‘se os jovens ficam, eu também fico’, o que provocou ainda mais festa no recinto” quando todos sentiram que Bento XVI estava a “validar que estávamos muito bem a festejar a nossa fé”.

Outra experiência marcante é a chegada do Santo Padre de então. Agora pai de duas filhas, Fernando recorda vivamente a passagem do Papa, aguardada durante horas debaixo do sol, junto às grades. “É incrível a sensação com que ficas que o Papa olhou para ti”, diz. “Parece mesmo que ele estava ali à tua procura, e isso é uma sensação extraordinária”, garante, recordando uma experiência “tão simples e tão bonita”.

Alexandra Dias já ouviu essa história “espetacular”, e foi “essa coisa de sentir que está do outro lado verdadeiramente uma pessoa que representa Deus e que é assim, humana”, e a “alegria” dos que contaram a experiência, que fez com que não tivesse “dúvidas nenhumas” que quer estar na Jornada e sentir essa “bolha de paz e amor”.

Espiritualidade: “desafiante”, mas dá “estabilidade”

O frei Hermano Filipe também ouviu essa história e, como Alexandra, também vai a uma JMJ pela primeira vez. Natural do Porto, fez a profissão religiosa pela Ordem dos Frades Menores Capuchinhos em 2003, foi ordenado sacerdote em 2010 e é, ainda, guardião da comunidade de Santo António - apesar de faltar pouco tempo para partir “para outra missão”.

Foram essas missões que tornaram impossível participar noutras edições de Jornadas. Apesar de ter estado por várias vezes em Barcelos, quando os jovens da comunidade, como os do Grupo Adonai, participaram na JMJ de Madrid, o frei Filipe - como é conhecido - estava, pela terceira vez, em Timor-Leste, de onde apenas voltou em 2017.

Para Hermano, que trabalha com crianças e jovens desde cedo, a espiritualidade é “importante para todos”, mas “a religiosidade e a experiência religiosa” dá aos mais novos “alguma estabilidade e alguma identidade”, num momento em que estão “à procura de um sentido para a vida” e de “experiências que enriqueçam”.

Essa busca, explica o frei Filipe, é muitas vezes “marcada por sinais, por perguntas, por questões sobre o porquê e sobre a existência de Deus, questões sobre o real significado do amor e da vida”, ligando-se tudo à espiritualidade.

A espiritualidade, avisa o frei, não torna a vida necessariamente mais leve. “Viver segundo os valores do Evangelho é desafiante”, já que a vida “é complexa”. “É leve com certeza em sentido, porque nos dá aquela sensação de vivermos de forma coerente, em verdade, com aquilo em que acreditamos. Mas não deixa de ser pesado, no sentido em que é muito desafiante”, reforça.

A JMJ pode, ainda, ter o efeito de ajudar alguns jovens “a deixar de ter vergonha de afirmar a sua identidade como católicos”, porque “vão ver que não estão sós”. “Somos muitos, somos alegres e, apesar de línguas diferentes, entendemo-nos e somos capazes de dar passos para ultrapassar aquilo que nos divide, porque aquilo que nos une é muito mais e muito melhor”, declara Hermano Filipe, que vai acompanhar os cerca de 40 jovens de Santo António em alguns momentos da Jornada.

Uma fé para viver com os outros

Entusiasmada com o que se aproxima, Alexandra espera “conhecer muita gente”, inclusive pessoas com quem não vai conseguir falar. Como catequista de crianças do quarto ano, a jovem abordou a Jornada por entre as conversas sobre o Pentecostes, e procura sentir, durante o evento, o que é entender-se com alguém sem conseguir falar uma língua comum, e essa língua comum ser “a língua do amor”.

Esse desejo não é estranho a Fernando Lopes, que recorda o “entusiasmo natural de estar com outros jovens”, porque querer estar e partilhar com outros é “a forma mais simples de celebrar a nossa fé”, católica.

Entre tanto convívio com jovens de diferentes realidades, “a JMJ é uma boa oportunidade para abrir os nossos horizontes”, assegura Fernando. Hoje em dia, o desafio está em “passarmos da ciência para a espiritualidade”, em “abrirmos um pouco o nosso horizonte e a nossa mente àquilo que se calhar não percebemos”.

“Cada um encontra a espiritualidade que encontrar e, se isso lhe fizer bem, está tudo bem”, complementa. Mas o importante é encontrar “alguma coisa”, porque acha “muito difícil” viver “sem qualquer tipo de espiritualidade” - “se achamos que estamos a viver para coisa nenhuma, então porque é que o fazemos?”, questiona.

Para Alexandra Dias, estar perto do Papa Francisco também é importante, referindo o caminho feito ao longo do pontificado para “trazer os jovens para a Igreja e de os jovens serem Igreja em mudança”, para que a Igreja “não morra”.

A jovem Alexandra deseja ver “jovens motivados a levar uma igreja não-conservadora ao mundo”. “Estes eventos também nos fazem perceber que qualquer pessoa se pode juntar”, que não há “tabus” e, sublinha, que “o valor mais importante é amar a Deus e amar o próximo”.