Tempos estranhos
25-01-2023 - 06:30
 • Francisco Sarsfield Cabral

O maior risco para o futuro da nossa democracia está no populismo, que lucra com a multiplicação de casos. Mas ao canto das sereias populistas saberemos opor os valores da democracia.

Vivemos tempos estranhos. Um governo que dispõe de maioria absoluta no parlamento e tem uma “bazuca” de dinheiro de Bruxelas para distribuir, atravessa uma crise grave ainda antes de completar um ano. O PS desce nas sondagens, mas o PSD não sobe e não oferece ainda uma alternativa credível ao governo do PS. Por sua vez, a Iniciativa Liberal, na convenção que elegeu a sua nova liderança, parece mais ocupada a discutir divergências internas do que a falar de soluções para os muitos problemas nacionais.

O maior risco para o futuro da nossa democracia está no populismo. Numa sondagem da Aximage o Chega alcança 12,9%, mais quatro pontos do que em setembro. E o líder do PSD continua a evitar traçar uma linha vermelha quando lhe perguntam se encara a possibilidade de vir a governar com o apoio do Chega.

A séria crise política que aí está representa uma oportunidade para os populistas bramarem contra “eles”, os políticos, cuja ética e competência não se mostram famosas, contrapondo as excelsas qualidades que atribuem ao povo, “nós”, pessoas de bem. Há quem não acredite que a democracia possa funcionar e oferecer soluções para os problemas que nos afligem, desde a alta do custo de vida até à falta de habitações a preço acessível, passando pela crise no Serviço Nacional de Saúde.

O 25 de Abril aconteceu há quase meio século e são cada vez menos as pessoas que viveram a falta de democracia que vigorou entre nós antes de 1974. Por isso o discurso populista acentua o risco de conduzir a uma qualquer ditadura.

A avalanche atual de casos é inédita. Agora ultrapassa as fronteiras do governo, abrange também autarquias e outras instituições. E cada vez mais se descobrem problemas que já eram conhecidos de jornalistas há anos. Perante a multiplicação de denúncias o Ministério Público e o restante sistema de justiça revelam dificuldades, o que se traduz em processos que se arrastam por longos anos.

Mas não pretendo ser demasiado pessimista. Ao canto das sereias populistas saberemos opor os valores da democracia.