Trigueira, o guarda-redes que nunca quis ser famoso
22-10-2021 - 13:00
 • Sílvio Vieira

Aos 33 anos, Pedro Trigueira tem plano para a reforma, que só será ativado no dia em que deixar de ser feliz na baliza. Numa breve revisão de uma carreira que começou sob enormes expetativas, o guarda-redes do Tondela aborda de forma desassombrada um percurso de "altos e baixos". Entre os objetivos que tem pela frente, mantém preservado o sonho de jogar pela seleção portuguesa.

Quando terminou a formação no Boavista, Pedro Trigueira era guarda-redes de seleção e um dos nomes mais promissores das balizas nacionais. Curvas e contracurvas de um percurso que o próprio define de "altos e baixos" acabaram por não o levar até ao destino projetado.

"Nunca pensei em ser um jogador muito conhecido", diz, tranquilamente, o outrora jogador explosivo, que não gostava que lhe "batessem o pé".

Foi na sombra dos holofotes da fama, que dispensa, que se foi fixando como guarda-redes de I Liga. Hoje o Tondela, antes Moreirense, Vitória de Setúbal, Académica e Rio Ave. Subiu com o União da Madeira e ainda esteve no Boavista, no Trofense, no Cinfães e no Ribeirão.

Em entrevista à Renascença. Trigueira, além de visitar o passado, revela o projeto que tem para o futuro, quando deixar de ser feliz a jogar. Prolongará a carreira até ao momento em que o futebol passar a ser um fardo e, ao longo do tempo, consciente dos tais "altos e baixos", preparou-se.

Uma loja de roupa, com marca a ser criada, e uma metalúrgica são os negócios de um guarda-redes que, aos 33 anos, continua a investir tudo na baliza e mantém o sonho de ainda poder jogar pela seleção nacional.

Está pela segunda época em Tondela e pela segunda época num sistema de rotação na baliza, com o Babacar Niasse. Como é que lida com esta opção que não é muito comum no futebol?

Pelo meu passado, pela minha experiência, já lido de forma diferente da forma como lidava com estas situações, quando era mais novo. Eu não posso fazer muito. Estou cá para ajudar a equipa e fazer aquilo que me pedem. Tudo depende do treinador. Se o treinador entende que deve mudar, eu só tenho de ajudar o meu colega, neste caso o Babacar Niasse. Se ele me mete a mim, espero que o Baba me ajude a mim e é isso que tem acontecido. O nosso trabalho é esse, ajudar-nos uns aos outros, porque o nosso objetivo principal é ajudar o Tondela a cumprir o objetivo o mais rápido possível.

Consegue extrair algo de positivo nessa rotação?

Se me pergunta se é o melhor para mim, eu diria que não, porque o meu objetivo é jogar sempre e dar sempre o meu melhor. Mas quem escolhe é o treinador e se o treinador entende que deve trocar só temos de aceitar, continuar a trabalhar e nunca baixar os braços.

Querer jogar sempre é algo que, naturalmente, todos os jogadores pretendem. Há, no entanto, casos de jogadores que optam por passos na carreira que lhes retiram a preponderância. Um exemplo é o seu antecessor, o Cláudio Ramos, que deixou o Tondela para jogar no Porto, onde não tem tido grandes possibilidades de jogar. O Pedro tomou sempre opção de escolher clubes, independentemente da sua grandeza, em que sentia que tinha mais hipóteses de ser titular?

Sinceramente, eu optei por ir para clubes onde sentia que as pessoas acreditavam em mim. O meu objetivo era jogar, mas isso nem sempre foi possível. Uma vezes jogava, outras não, mas sentia que as pessoas acreditavam no meu trabalho. Não optei tanto por pensar que iria jogar sempre, mas porque entender que as pessoas acreditavam no meu valor.

Havia grandes esperanças depositadas em si no início da sua carreira, sendo mesmo apontado como um dos potenciais guarda-redes da seleção nacional. Foi um pressão adicional?

Na altura, na seleção eu, o Rui Patrício e o Ventura estávamos em pé de igualdade, a nível de qualidade. Sabíamos que havia alguns que teriam sempre mais força dentro da seleção, mas eu, nessa altura, só pensava a curto prazo, queria aproveitar o momento e jogar. Nunca pensei muito no futuro, nunca pensei em ser um jogador muito conhecido. Eu queria fazer o meu percurso aos poucos e ver o que poderia dar.

Acha que foi penalizado por não estar num clube grande?

Naquela altura, achava que sim e notava-se. Havia outros colegas, de clubes inferiores, com mais qualidade do que certos jogadores que estavam nos três grandes [e não eram chamados], mas é a lei da vida. Não sei se agora será assim, mas acredito que continue igual.

Certo é que um guarda-redes do Tondela, o Cláudio Ramos, já foi chamado à seleção nacional. O Pedro tem 33 anos, ainda acredita na possibilidade de jogar pela seleção?

É um objetivo que terei sempre até acabar a carreira. É um sonho, se calhar não é um objetivo, mas um sonho. O meu objetivo é dar sempre o máximo e manter a esperança. Com os meus 33 anos, olhando para os outros clubes, sei que há muitos jovens com valor e, não sendo chamado, fico contente quando eles são chamados.

Diogo Costa é o mais recente guarda-redes estreado na seleção principal. Vê Diogo Costa como sucessor natural de Rui Patrício?

Vejo o Diogo Costa com um potencial muito grande, com muitas qualidades. Ainda é cedo para dizer se será o sucessor do Rui Patrício, mas tem o potencial para tal e está no caminho certo para o conseguir.

Em relação à sua carreira, 33 anos não é uma idade pesada para um guarda-redes. Quais são as suas perspetivas de carreira?

Continuar a jogar enquanto for feliz a jogar futebol. No momento em que deixar de ser feliz irei ponderar aquilo que vou fazer à minha vida. Enquanto for feliz quero continuar o máximo possível.

Colocar as coisas nesse ponto dá-lhe tranquilidade?

Sim. Eu vejo muitos colegas por causa do dinheiro, porque não sabem fazer mais nada e eu posso dizer que, felizmente, se tivesse de deixar o futebol agora teria alternativas. E isso dá-me a tranquilidade de pensar dessa forma: continuar a jogar até não conseguir mais.

Preparou-se ao longo do tempo para o pós-carreira? Apostou em alguma área em específico?

Como a minha carreira foi de altos e baixos, eu fui-me preparando para o caso de um dia as coisas não correrem bem no futebol. Tenho negócios meus, pequeninos, porque o futebol, infelizmente, nunca me deu grandes ajudar a nível financeiro. São negócios pequeninos, mas que me fazem abrir outras portas.

Em que investiu?

Tenho uma loja de roupa, estou a pensar criar uma marca de roupa e tenho uma metalúrgica.

Ser treinador de guarda-redes é algo que contempla?

Eu já falei sobre isso com a minha família e gostava de tirar o curso. Mas, depois de deixar o futebol quero seguir os negócios que estou a criar. Se puder ser treinador de guarda-redes, enquanto faço a gestão dos meus negócios, ótimo.

É de forma desassombrada que fala do pós-carreira e dos "altos e baixos" do seu percurso. Lidou sempre desta forma com as coisas?

Quando era mais novo eu era mais explosivo. Não gostava que ninguém "batesse de frente comigo" e respondia logo. Com a idade fui ficando mais cuidadoso a falar, mais concentrado no que podia fazer para as coisas correrem bem. Isso chama-se maturidade, não é? Fui reagindo de forma diferente, até sentir que fiquei uma pessoa mais tranquila. E foi o melhor que me aconteceu, caso contrário teria explodido em muitas ocasiões da minha carreira. Isto aconteceu devido a um conjunto de situações que me aconteceram ao longo da minha carreira que me abriram os olhos.

Ao longo deste seu percurso, sentiu uma margem de tolerância mais apertada para os guarda-redes portugueses, em comparação com os que são contratados no estrangeiro?

Por sermos da casa, eu acho que é mais fácil tirar fora, do que alguém que vem de fora e que é contratado para estar cá. Não lhe sei explicar porquê, porque sou jogador e não sei explicar.

Tem negócios para lá do futebol, mas para já o seu negócio é o futebol. Cumpre a segunda época em Tondela, um clube consolidado na I Liga - é o único, além dos três grandes, que nunca desceu. Que projeto é este do Tondela?

Quando cheguei não conhecia a estrutura do Tondela. Sabia que vinha para uma cidade pequena e fiquei bastante surpreendido, porque é um clube muito organizado. As pessoas gostam muito do clube e apoiam o clube. Sinto o carinho das pessoas no acolhimento a todos os jogadores e isso é uma mais-valia para o clube. Os jogadores sentem-se logo em casa.

E na sua opinião, até onde pode chegar o Tondela?

Isto é a base para conseguirmos alcançar objetivos o mais rápido possível. Temos estabilidade e condições para que isso aconteça.

O objetivo do clube é permanecer na I Liga, mas crê que já é possível sonhar mais alto?

O nosso principal objetivo é a manutenção, mas depende da forma como o conseguirmos fazer. Enquanto não conseguirmos o objetivo principal, não pensamos em mais nada.