​Ética aplicada e a falta que ela nos faz
20-07-2018 - 18:54
 • Graça Franco

Quão fácil é jogar com a falta de ética e rigor cientifico de muitos agentes e divulgar “fake news”, com danos difíceis de calcular para a própria credibilidade da investigação cientifica.

Passou-se esta semana na Alemanha com um jornal científico embora, convenhamos, pouco conhecido. A troco de dinheiro este publicou a notícia totalmente falsa de um pretenso ensaio clínico provando que um produto natural fabricado por abelhas (extrato de própolis) tinha efeitos terapêuticos mais eficazes, em casos de cancro do colorretal, do que a quimioterapia convencional. A mentira não é naturalmente inócua para os doentes e respetivas famílias e mostra bem a gravidade do erro.

Os falsos autores do estudo eram dois jornalistas de um grande diário (“Suddeutsche Zeitung”) e da rádio pública alemã (NDR). Queriam, e conseguiram, mostrar a vulnerabilidade da ciência e da sua divulgação e os danos provocados por publicações pseudocientíficas que, por dinheiro, são incapazes de detetar um texto baseado numa pura invenção: investigadores falsos de um instituto cientifico inexistente, baseados num ensaio clinico não realizado e sem um único paciente envolvido. Total ficção, sem cuidar sequer das aparências. Desta forma ficou evidente quão fácil é jogar com a falta de ética e rigor cientifico de muitos agentes e divulgar “fake news”, com danos difíceis de calcular para a própria credibilidade da investigação cientifica.

A notícia conhecida esta semana é um bom exemplo da atualidade do tema tratado numa série de volumes da coleção de livros editado, ao longo dos últimos meses pelas edições 70 (do grupo Almedina), sobre ética aplicada.

Ontem foi exatamente apresentado ao público o sétimo volume “sobre ética aplicada às tecnologias”. O livro reúne a colaboração de mais de uma dezena de autores, tem prefácio de Maria do Céu Patrão Neves que, com Maria da Graça Carvalho, coordenam a coleção, onde pontuam nomes como os de Elvira Fortunato, José Manuel Viegas, e tantos outros. No texto introdutório recorda-se que nenhuma investigação é neutra do ponto de vista ético/moral e, consequentemente, nenhuma tecnologia o é. Daí a importância do debate alargado na própria comunidade cientifica, mas também junto dos cidadãos em geral, de forma a que cada novo passo no seu desenvolvimento continue a ser feito em termos de avaliação finalidade/benefício para a vida em sociedade do ser humano e para a qualidade da democracia.

Na mesma linha pronunciou-se o comissário Carlos Moedas, na conversa com a Renascença e o Expresso que serviu de pretexto ao lançamento do volume. Aí, sem se citar o nome do professor universitário acusado de ter escrito parcialmente a tese de mestrado de José Sócrates, foi analisada a responsabilidade da Academia em não penalizar as carreiras dos seus quadros e investigadores (e incluindo as promover), sem cuidar de analisar o comportamento ético dos seus membros.

A questão judicial não pode ser a única a levar em conta. O desrespeito pelas normas éticas não pode - defendeu Carlos Moedas - “continuar a ser visto como algo da responsabilidade exclusivamente individual do investigador”. A instituição que o acolhe deve ser “corresponsabilizada” e penalizada na mesma medida pelos pares e pela sociedade em geral.

O comissário, do qual dependem neste momento mais de 100 mil milhões de euros a atribuir a projetos de investimento em investigação ciência e tecnologia, garantiu que isto já acontece na atribuição de financiamentos europeus, onde as instituições que não cuidem da probidade ética dos seus colaboradores ficam automaticamente fora da aprovação de qualquer investimento. Propôs, também, que a nível nacional a malha fosse devidamente apertada.

O episódio desta semana na Alemanha prova que não somos o único país onde a falta de rigor ético ameaça proliferar, nem os únicos vulneráveis ao facto de que o dinheiro e o poder parecem ter cada vez menos filtros a travar o caminho indecoroso ao serviço das “fake news”. No entanto, depois do vergonhoso espetáculo da audição do ex-ministro Manuel Pinho no Parlamento, que constituiu um verdadeiro insulto a todos nós feito na casa da democracia, resta desejar que toda a classe politica leve para férias os livrinhos desta preciosa coleção de ética aplicada que, em boa hora surge. Os volumes são pequeninos, cabem nos sacos de praia, e leem-se muito bem. Boas férias.