Jubileu assinala “Santo António de Coimbra para o mundo”
12-01-2020 - 10:14
 • Olímpia Mairos

O jubileu arranca neste domingo, com a celebração de abertura da Porta Santa na igreja de Santa Cruz, e estende-se até janeiro do próximo ano. Contempla, além de celebrações religiosas, diversas iniciativas de caráter científico e cultural.

A Diocese de Coimbra vive, a partir deste domingo, o Jubileu dos Mártires de Marrocos e de Santo António, assinalando os 800 anos do martírio dos primeiros frades franciscanos e a sua importância na vocação de Santo António.

Em entrevista à Renascença, o padre Francisco Claro, vigário paroquial de Santa Cruz e membro da Comissão Organizadora do Ano Jubilar, aborda o significado do jubileu, concedido pelo Papa Francisco à diocese de Coimbra, e fala do programa comemorativo que envolve várias instituições.

Coimbra vai viver um Ano Santo que celebra os 800 anos dos Mártires de Marrocos e de Santo António. Este será um marco único para Coimbra, que vai ligar a cidade ao mundo.

É verdade. Este dom do ano santo, que nos é oferecido pelo Papa Francisco, a pedido do nosso bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, é, de verdade, como o nosso lema de ano santo indica, Santo António de Coimbra para o mundo. Portanto, é um jubileu que convida a Igreja de Coimbra, a cidade de Coimbra, a diocese, mas também Portugal e o mundo a pôr os olhos no carisma, na luz de santidade de Santo António, que, desde Coimbra, procurou formar-se, consolidar-se e redescobrir-se para ser um dom oferecido à Igreja, a todo o mundo.

É, por assim dizer, uma oportunidade de excelência para celebrar a vocação e a missão cristã…

Sem dúvida. Este jubileu tem estes dois pulmões. Olhamos para o testemunho de vida dos Mártires de Marrocos, os primeiros cinco franciscanos que a convite de São Francisco de Assis foram enviados para o Norte de África e que, por isso, testemunharam a sua fé, até ao derramamento de sangue e como este ideal missionário, esta paixão pela evangelização, trouxe ao coração do então Fernando Martins de Bulhões, que aqui em Coimbra há cinco anos vivia, nesse ano de 1220 e tinha acabado de ser ordenado sacerdote, um chamamento a um ideal evangelizador missionário. Era a vez, agora, de Fernando render estes Mártires que tinham partido para Marrocos. E, por isso, o nome António nasce aqui, em Coimbra, nestes claustros de Santa Cruz, nesta vocação, neste encontro com o testemunho dos Mártires de Marrocos e daqui parte para Santo António dos Olivais, na altura Santo Antão Abade, faz-se franciscano e parte para o mundo em missão, a evangelizar.

E este ano jubilar pretende, então, ser um acordar para a identidade do cristão?

A grande vocação que celebramos é a vocação universal à santidade. Deus não nos criou para outra coisa, se não para nos fazer participantes da sua vida. Mas, quando vemos a heroicidade da fé nos Mártires de Marrocos e quando vemos o entusiasmo e a paixão pelo reino de Santo António, claro que nos sentimos confrontados, como de resto, confrontados nos sentimos com os sucessivos convites do Papa Francisco, a redescobrir uma identidade missionária, de discípulos missionários que somos. E, por isso, o ano jubilar, este ano santo, pretende precisamente, fazer com que cada cristão, cada fiel, assuma, com os olhos postos nos Mártires e em Santo António, a sua identidade, enquanto discípulo missionário e aí, está claro, a resposta à sua vocação.

A figura de Santo António, também jovem português, pode ser um “ícone” para todos os jovens, numa altura que estamos a preparar a JMJ de Lisboa?

Sem dúvida. Celebrar este jubileu é celebrar a audácia, a coragem e o entusiasmo dos jovens. Alguns dos Mártires eram jovens e o próprio António era jovem quando aqui estudou em Coimbra, com cerca de 20 anos, e daqui partiu para o mundo. E por isso, aproveitando esta onda da preparação da jornada mundial da juventude, este ano santo procura ver este modelo de juventude que se confronta, que se deixa confrontar com estes sinais que Deus oferece e que, de alguma forma, manifesta bem aquilo que é mais próprio de um coração jovem, que é um coração inquieto, um coração à procura, um coração que não se deixa pesar, mas que está num dinamismo de escuta, de perscrutação daquilo que é a vontade de Deus. E quando vemos Santo António e a sua passagem neste ano de 1220, de Coimbra, do mosteiro de Santa Cruz, para Santo António dos Olivais, de crúzio para franciscano, nesta busca de fidelidade à vontade de Deus que o desafiava, nós conseguimos precisamente ver um coração jovem, um coração inquieto, em busca de dar respostas aos seus ideais e, sobretudo, à vontade de Deus.

As celebrações do ano jubilar arrancam este domingo, com a abertura da Porta Santa, na igreja de Santa Cruz. O que significa a Porta Santa e a sua abertura?

Jesus, no seu evangelho, diz-nos “Eu sou a porta”. Portanto, quando nós, na forma tradicional de convocar um jubileu, criamos uma porta, estamos, no fundo, a colocar Jesus no centro. Este ano santo é a santidade de Deus espelhada nos cinco rostos dos Mártires de Marrocos e em Santo António, mas essa santidade de Deus é obra de Cristo em nós, a obra da graça em cada um de nós e, por isso, a porta oferece-nos a possibilidade de tornar como ponto de referência, meta e destino da nossa peregrinação o próprio Cristo. No fundo, estamos aqui, neste ano santo, com a abertura da porta santa a significar, a tornar presente uma parábola sobre toda a nossa vida, que é um caminho para Cristo, para atravessar essa porta que é o Senhor. E, por isso, neste dia 12 de janeiro, a Igreja de Coimbra, pelo bispo, vai abrir esta porta santa como uma porta de graça e misericórdia, como meta da peregrinação a estes lugares santos, onde cada peregrino pode encontrar, através de um itinerário que é oferecido, uma caminhada espiritual para bem viver este ano santo e, claro, lucrar a indulgência plenária que lhe está associada e que é um dom inestimável que o Santo Padre ofereceu à nossa Igreja.

O jubileu termina a 17 de janeiro do próximo ano, com o encerramento do Ano Santo. Foi preparado um intenso e vasto programa pastoral e cultural…

Procuramos diversificar. Falámos há instantes da porta. E uma porta é uma porta aberta a todos e, portanto, procuramos também chegar a vários públicos e sensibilidades, num esforço de procurar com que este ano santo fale várias línguas e, por isso, postos os olhos no carisma de António, que soube falar várias línguas, que soube chegar a vários públicos, que soube abarcar, através de um salutar diálogo entre a fé e razão, várias correntes de pensamento, assim também nós quisemos que este Ano Santo pudesse falar várias línguas e, por isso, o programa, para além das iniciativas pastorais, como sejam as peregrinações das comunidades paroquiais ou individualmente, levando cada fiel aos lugares santos, tem também um programa celebrativo com celebrações cuidadas e preparadas para ajudar a celebrar este carisma e este dom, mas oferece uma possibilidade muito vasta no âmbito da cultura.

Estamos em Coimbra, cidade referência no panorama cultural português e, por isso, do programa cultural faz parte um conjunto de concertos de música, descoberta do património musical de Santa Cruz, etc. Faz também parte um conjunto de colóquios e conferências, onde destaco um conjunto referente, no âmbito da sociedade, da cultura, da política, da economia e das artes em Portugal, que vão traduzir o carisma de Santo António para os nossos dias, num ciclo que chamamos "Diálogos com António", e que acontece no primeiro semestre do ano jubilar em cada um dos domingos jubilares, primeiros domingos do mês. Esse painel intervém atualizando uma ou outra dimensão da vida de Santo António e do seu carisma.

O âmbito cultural tem ainda especial ênfase com a chamada exposição jubilar no mosteiro. No claustro do mosteiro de Santa Cruz teremos uma exposição com peças do tesouro nacional que procuram contar a história deste encontro entre Santo António e os Mártires de Marrocos. Esta exposição é feita em colaboração com o Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa, e o Museu Nacional de Machado de Castro, de Coimbra, e é um núcleo de uma exposição maior, temporária, que estará patente no Museu de Arte Antiga, de maio a setembro, e depois no Museu de Machado de Castro, de outubro a janeiro de 2021. O núcleo permanente desta exposição é inaugurado a 2 de fevereiro, no Mosteiro de Santa Cruz, e acompanhará todo o ano jubilar com um acervo significativo, peças de primeira água, para nos mostrar este cruzamento, este encontro extraordinário entre o carisma dos Mártires de Marrocos e de Santo António.

Está também prevista a estreia a nível mundial da missa de São Francisco e de Santo António, da autoria do maestro António Vitorino de Almeida...

O maestro Vitorino de Almeida aceitou, com muito agrado da nossa parte e também da sua, fazer a estreia da missa de São Francisco de Assis e da missa de Santo António, da qual o mesmo maestro, no verão de 2019, ofereceu em mãos a partitura original ao Papa Francisco, em Roma. E, por isso, é com agrado que nós vemos que esta peça, esta missa, será inaugurada, será feito o seu concerto de estreia em Coimbra, no Convento de São Francisco, no dia 19 de julho de 2020.

Um outro grande concerto inédito será no encerramento do jubileu, com uma cantata aos Mártires e a Santo António, com o título "de Fernão se fez António", com um belíssimo texto da autoria do professor doutor José Carlos Miranda e composição de Sílvio Vicente.

Duas peças inéditas em dois concertos, também eles inéditos aqui, em Coimbra, no Convento de São Francisco.

Além da Diocese de Coimbra, há outras instituições envolvidas na realização e promoção do programa jubilar?

Graças a Deus tivemos, desde o início, a grande colaboração das instituições locais de Coimbra, que uniram esforços para poder conferir maior brilho a este ano santo. É o caso da Câmara Municipal de Coimbra, mas também do Turismo Centro de Portugal e um conjunto de outras entidades culturais diferentes que se associaram.

A Câmara Municipal e o Turismo do Centro prestaram-se a que diversas iniciativas que fazem já parte do programa cultural da cidade, como seja a Festa da Flor, que enche a baixa de Coimbra de bonitos tapetes de flores, ou a Feira de Doçaria Conventual, possam, este ano, ter como tema a devoção a Santo António. Será também feita uma recriação histórica, etnográfica, da chegada das relíquias dos Mártires a Coimbra e várias outras exposições temporárias nos claustros de Santa Cruz e iniciativas com diversas entidades que se associaram.

O Turismo Centro de Portugal vai ainda lançar por altura do Santo António, 13 de junho, um roteiro antoniano para a cidade de Coimbra. Esse roteiro procurará trazer de Lisboa até Coimbra os fiéis que quiserem conhecer mais de perto os passos, os caminhos, com referências a Santo António e aos Mártires de Marrocos.

Destacaria ainda a Universidade de Coimbra, através de vários dos seus núcleos, dos seus centros de estudos, que estão a preparar um congresso internacional sobre os Mártires de Marrocos e Santo António, que vai ter lugar no final do ano jubilar, em janeiro de 2021, e que é apresentado agora, já neste dia 16 de janeiro, num colóquio que evoca os 800 anos dos Mártires de Marrocos e onde os professores de Coimbra irão analisar sobre diversos ângulos este acontecimento histórico.

Em síntese, podemos dizer que é um jubileu da Igreja para o país, para o mundo.

Sem dúvida alguma. É um jubileu da Igreja para o mundo. Nós, quando olhamos para a sagrada escritura, vemos como um ano jubilar é um tempo de graça, um tempo de respirar fundo, de começar de novo, um convite à conversão, um convite a ir às fontes da nossa fé e renovar essa aliança e esse entusiasmo, essa paixão pelo Reino. Ora, em várias línguas, com várias notas, penso que este ano santo será, de facto, uma melodia que nos convida a alargar horizontes, como, de resto, foi o coração de Santo António, um coração cheio, de rasgados de horizontes, apaixonado pelo reino e, por isso, alguém que hoje, 800 anos depois, nos desafia, à Igreja que somos, a buscar caminhos novos de evangelização.

As celebrações do Jubileu dos Mártires de Marrocos e de Santo António são promovidas pela Diocese de Coimbra, Igreja de Santo António dos Olivais e Mosteiro de Santa Cruz e contam com a união de várias entidades e instituições da cidade, como a Câmara Municipal de Coimbra, o Turismo Centro de Portugal (TCP) e a Universidade de Coimbra.