Secretário-geral da UGT diz que “não temos de ter medo de eleições”
05-10-2024 - 08:00
 • Sandra Afonso , Arsénio Reis , Ricardo Fortunato (vídeo)

Em entrevista à Renascença, Mário Mourão admite que, se o Orçamento de Estado chumbar, algumas das medidas do acordo tripartido caem. O aumento do salário mínimo está garantido, embora não seja suficiente para reverter os baixos salários. Mourão acredita que Pedro Nuno Santos assinaria o novo Acordo de Rendimentos, que inclui a descida do IRC e o IRS Jovem, mas de forma “inócua”, sem detalhes. Ainda assim, o secretário-geral da UGT garante que não passou uma carta em branco ao Governo e defende que a contestação é hoje menor mas, se necessário, voltam às ruas.

Na semana em que os parceiros sociais assinaram uma nova versão do Acordo de Rendimentos, negociada até ao último dia, o Secretário-geral da UGT garante à Renascença que até o líder do PS, Pedro Nuno Santos, assinaria este acordo.

A nova versão do acordo tripartido de valorização salarial e crescimento económico para 2025-2028 inclui duas das medidas que dividem PS e PSD e ameaçam a aprovação do próximo Orçamento do Estado: o IRS Jovem e a descida do IRC.

Mário Mourão admite, nesta entrevista ao Dúvidas Públicas, que as duas medidas polémicas estão inscritas no acordo de forma “inócua”, sem detalhes sobre como vão ser aplicadas e qual o seu impacto. Não passam de um processo de intenções.

“O que se depreende do que está no texto, relativamente ao IRC e ao IRS Jovem? Pouco. E a intenção foi essa mesmo”, explica.

Os parceiros não queriam “contaminar o que se estava a passar nas reuniões entre o governo e o principal partido da oposição”, que ainda procuravam um entendimento que permitisse a aprovação do Orçamento do Estado. Por isso o texto vago sobre medidas que, assumem, não sabem que impacto vão ter.

Ainda assim, o Secretário-geral da UGT rejeita que tenha passado uma carta em branco ao Governo, “que não pode fazer o que quiser, tem que respeitar os acordos anteriores, isso é uma garantia”, segundo Mário Mourão.

Mário Mourão rejeita ainda que a concertação social tenha perdido peso ou credibilidade, por ter acordado medidas sem verdadeiramente as conhecer. Remete para a Assembleia da República, a quem caberá na prática o escrutínio, o que já aconteceu recentemente com a Agenda do Trabalho Digno, em que os parceiros não conseguiram entender-se sobre as alterações à Lei Laboral e a decisão passou para os deputados.

“Não tem dúvidas” que Pedro Nuno Santos também assinaria o novo acordo de rendimentos

Questionado sobre se o líder do PS assinaria esta versão do Acordo de Rendimentos, Mário Mourão diz que sim sem vacilar. “Se ele estivesse no meu lugar, como secretário-geral da UGT, não tenho dúvidas que ele não ia decidir em contrário das decisões dos sindicatos, porque a UGT são os sindicatos”.

Faz ainda questão de sublinhar que, apesar de socialista e de ter votado em Pedro Nuno Santos, a UGT tem sindicatos de diferentes forças partidárias.

Admite que fala com o secretário-geral do PS sobre questões de trabalho, mas a UGT nem sempre está de acordo com o que o PS defende. Diz que, enquanto militante, não deixará de “dar a opinião e tentar influenciar o partido em questões de trabalho”, mas também promete fazer pontes, “sempre que entender”.

“Não temos de ter medo de eleições”

Apesar dos parceiros sociais terem chegado a acordo sobre a valorização salarial no próximo ano, ainda que sem a assinatura da CGTP, não há garantias sobre a aprovação do Orçamento do Estado para 2025.

Mário Mourão lembra que, do ponto de vista dos trabalhadores e das empresas, é sempre preferível a estabilidade. No entanto, “vivemos numa democracia e não temos que ter medo de eleições”.

Sobre qual o melhor cenário, diz que “não virá mal ao mundo qualquer dessas situações”: o chumbo do Orçamento do Estado para 2025, um cenário de gestão por duodécimos ou a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições.

Se os deputados não aprovarem as contas do Estado para o próximo ano, “há medidas que têm impacto orçamental, que poderão não entrar em vigor”. Ainda assim, o Acordo de Rendimentos “não fica em causa”, garante Mário Mourão. Medidas como a atualização do salário mínimo, de 820 para 870 euros, “tem que ser aplicado”.

“A UGT não assinou nenhum acordo em que conste o 15º mês”

Uma das novidades da nova versão do acordo de rendimentos, assinado esta semana pelo governo, as quatro confederações patronais e a UGT, é a introdução de isenções fiscais para prémios de produtividade, em linha com o 15º mês que tinha sido apresentado pela CIP.

No entanto, Mário Mourão garante nesta entrevista que são medidas diferentes: “a UGT não assinou nenhum acordo em que conste o 15º mês”. Lembra que as empresas já atribuíam prémios, aceitaram inscrever agora a medida no acordo para que “estes prémios não substituam os aumentos de salários”.

Porque é que esta medida é diferente do 15º mês? “A CIP quer dar prémios à custa de alguns impostos, desde logo a TSU”, explica.

No entanto, o acordo assinado prevê a isenção de IRS e TSU nos prémios, lucros e gratificações, até 6% da remuneração base anual, pagos de forma voluntária, desde que as empresas cumpram o aumento mínimo de 4,7%.

Ainda nesta nova versão do acordo, o salário mínimo é atualizado em 50 euros por ano. Um valor que Mário Mourão admite que não chega para combater os baixos salários. A UGT continua a defender que seja atualizado este ano para 890 euros, em vez de 870 euros, e garante que muitas empresas podem fazê-lo.

No salário médio, o Governo antecipou a meta e quer chegar em 2030 quase nos 1.900 euros. Mas, o secretário-geral da UGT lembra que “quando falamos em reter os jovens, muitos estão no salário médio. Não é com o salário médio que se ganha em Portugal que se retêm”, defende.

O novo acordo de rendimentos mantem o incentivo fiscal às empresas que aumentem a massa salarial e os trabalhadores, em pelo menos 4,7%, contra os anteriores 5%. Apesar de pouco mais de 500 empresas terem beneficiado da medida no último ano, apenas o referencial foi atualizado. Ainda assim, Mário Mourão acredita que as empresas vão aumentar as remunerações.

“Se a negociação e o diálogo falharem, só nos resta a rua”

Segundo Mário Mourão, a contestação diminuiu mas nunca irá desaparecer. O sindicalista garante que a UGT “estará na rua” quando e se o diálogo e a negociação falharem.

O Secretário-geral da UGT defende também que o sindicalismo tem de se modernizar. A central sindical já está a debater a adaptação aos novos trabalhadores e ao governo de direita.

Não entende os movimentos espontâneos como uma ameaça, mas explica que o trabalho tem agora novas realidades, como o teletrabalho, e os sindicatos não vão a casa dos trabalhadores. É preciso encontrar novas formas de chegar aos filiados e a “UGT nem sempre sabe comunicar”.

Os sindicatos têm ainda de dar retorno das cotas que recebem, com a diversificação de serviços. Não basta negociarem contratos coletivos, têm de disponibilizar formações ou tempos livres para os filhos dos trabalhadores.

Pode ouvir e ver a entrevista do Secretário-geral da UGT aqui ou seguir em podcast. O Programa Dúvidas Públicas é transmitido aos sábados, a partir do meio-dia.