“Somos uns privilegiados, a maioria das pessoas nem pensa em desinfetante”
08-04-2020 - 07:01
 • Mark Watson*

Mark Watson escreve-nos de Jacarta, onde vive com a sua família e onde decidiu permanecer apesar da pandemia. Traz-nos a visão assumidamente privilegiada de uma sociedade que não está preparada para enfrentar esta crise do coronavírus.

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Para dizer a verdade não sabemos bem o que se vai passar na Indonésia. Sabemos que não tem havido testes em larga escala, por isso o número oficial de infetados deve ser bastante inferior ao real, mais até do que se passa na maioria dos países. Dada a proximidade com a China, a comunidade etnicamente chinesa e a frequência com que os seus membros viajam de e para a China, o facto de termos tido zero casos confirmados já muito depois de outros países no sudeste asiático terem centenas parece pouco realista.

Agora começaram a fazer mais testes e os casos confirmados têm, naturalmente, subido em conformidade. Na mesma medida a taxa de mortalidade tem descido, uma vez que provavelmente só os casos mais extremos é que estavam a ser diagnosticados.

Nós gozamos de um estilo de vida privilegiado aqui e não temos as mesmas preocupações que a maioria da população. O Presidente rejeitou os pedidos de impor uma quarentena, que vinham na sua maioria da classe média, dos mais ricos e influentes. Ele terá noção de que cerca de 80% da população não pode, realisticamente, passar mais do que um dia sem rendimento e embora haja apoios do Governo, os sistemas necessários para que estes cheguem a quem verdadeiramente precisa são incertos.

Quando a situação começou a apertar tivemos de tomar uma decisão sobre se ficaríamos, como fizeram alguns expatriados, ou se faríamos como a maioria e saíamos. Sendo os dois professores, temos de continuar a dar aulas online durante o horário letivo de Jacarta e não nos pareceu viável ter de voltar para um dos nossos países de origem e trabalhar durante a noite, depois tomar conta dos nossos próprios filhos e apoiá-los nas suas aulas durante o dia.

Por enquanto as autoridades estão a encorajar o distanciamento social, mas claramente não é viável impô-lo. De tal forma que representantes das autarquias andam pelas ruas dos kampungs em carros com altifalantes, pedindo às pessoas que fiquem em casa e que lavem as mãos. Mas lavar as mãos repetidamente com água e sabão não é possível para muitas das pessoas de cá. Muitas pessoas apenas têm acesso limitado a água limpa e potável. A ideia de usar gel desinfetante, então, nem lhes passa pela cabeça, por cá só é usada por pessoas como nós quando vamos para o trabalho ou aos centros comerciais, antes de fecharem. O nosso centro comercial, onde íamos ao supermercado, fechou no domingo. Sempre que lá íamos mediam-nos a temperatura e davam-nos desinfetante à entrada e depois, passados vinte metros, mais uma medição de temperatura e desinfetante à entrada do supermercado.

Nesta altura, viver num condomínio é um enorme luxo. A maioria dos outros residentes já partiram para os seus países de origem e por isso podemos usar a piscina e os campos de ténis à vontade, ou andar de bicicleta pelas ruas para nos mantermos ativos e ao ar livre. Somos, de facto, uns privilegiados neste país. Eu só tenho de sair uma vez por semana para comprar comida. Quando volto um segurança vê-me novamente a temperatura. Se for acima de 37,5 serei escoltado até casa e depois levado para um hospital, para ser visto. Mesmo quando nos estamos a sentir bem, existe sempre um segundo de paranoia e de pânico quando nos tiram a temperatura, não vá ela estar demasiado alta. Temos perfeita noção de que os sistemas de saúde locais não estão a conseguir lidar e por isso dificilmente poderão ajudar-nos se houver um acidente ou uma emergência. Para além disso não nos apetece muito sermos colocados numa instalação de quarentena indonésia, longe das famílias. Por isso mesmo, os nossos governos têm-nos aconselhado a sair do país, a não ser que sintamos mesmo que temos de permanecer.

Agora estamos na época do 'Mudik'. Trata-se de um grande êxodo anual, em que cerca de 20 milhões de pessoas saem da metrópole de Jacarta para as suas aldeias e vilas na Indonésia, para passar o feríado islâmico de Eid com as suas famílias. Havia boatos de que iria ser cancelado este ano, mas afinal não. O Presidente pediu aos líderes das comunidades para estarem atentos e isolarem as pessoas quando chegarem. Estão a desencorajar as viagens, mas não as proibiram. Tendo em conta que Jacarta é o epicentro da pandemia por cá, a medida é questionável, mas a proibição teria sido extremamente impopular e difícil de fazer cumprir.


*Mark Watson é natural da Irlanda do Norte. É casado com Teresa, dos Estados Unidos e têm três filhos. São os dois professores numa escola internacional em Jacarta, na Indonésia.