Testemunho contraditório leva juiz a confrontar segurança com imagens de videovigilância
26-02-2021 - 13:02
 • Liliana Monteiro

Segurança diz não se lembrar do que viu na sala onde estava o cidadão ucraniano. Perante o juiz, relatou que Ihor gritou bastante e ouviu o inspetor dizer "está quieto". Arguido Luís Silva pediu para não registar nomes dos inspetores na folha de entradas.

Cátia Branco, segurança no Centro de Instalação do aeroporto de Lisboa (CIT), foi a primeira testemunha a ser ouvida na 6ª sessão do julgamento da morte do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk.

A segurança referiu diversas vezes que Ihor estava bem, “sempre na brincadeira, falava alto”. Explicou ter admitido no CIT o passageiro ucraniano, que lhe deu a medicação que tinha sido prescrita e que, de madrugada, ofereceu-lhe leite e bolachas. Quanto ao resto do depoimento e envolvimento na morte, Cátia afirmou estar “sempre ao balcão de entrada”, ou seja, fora do sítio onde Ihor foi encontrado morto.

Perante tais palavras o juiz recorreu aos fotogramas das imagens das câmaras de videovigilância que mostram que a testemunha esteve e permaneceu pelo menos 10 minutos junto da sala onde se encontrava Ihor, durante a madrugada do dia 12 de março 2020.

“A imagem mostra, antes das 4h manhã, que você está parada no corredor de braços cruzados. Vai até à receção e regressa ao corredor e à porta da sala. Tudo isto antes dos inspetores que lá foram 4h40”, disse o juiz Rui Coelho.

A testemunha referiu não se lembrar de nada e o juiz, em tom mais assertivo, disse-lhe: “Está lá (nas imagens) está a ver. Não se lembra de nada do que aconteceu? São 10 minutos”. A resposta da testemunha voltou a ser “não me lembro de nada, se está na imagem é porque lá fui”.

“Gritou bastante não sei quanto tempo”

Cátia Branco, segurança no Centro de Instalação do aeroporto de Lisboa (CIT), contou ao tribunal o que se lembrava: “Ouvi o Ihor gritar, mas gritou bastante não sei quanto tempo. Gritos espaçados. Mas eram maiores os momentos em que gritava do que os que estava em silêncio. Dizia ai, ai! E ouvia o inspetor a dizer ‘está quieto!’”.

A segurança relatou ainda que o arguido Luís Silva lhe terá dito que “os nossos nomes não são para por aí”.

A testemunha descreveu que fez a admissão por duas vezes de Ihor Homeniuk no CIT. Inicialmente, viu-o como um homem calmo (quando regressou depois de assistência no hospital após um ataque epilético ainda no aeroporto), mas depois ficou nervoso.

“O meu colega Marcelo disse que ele estava a entrar na camarata das crianças. O pai de uma criança estava a esbracejar. Um passageiro disse que ele tinha estado a mexer nos colchões”, contou. Após este momento, Ihor terá sido levado para uma sala de isolamento.

Cátia referiu ter estado durante duas horas a ligar para o SEF para que viessem ver o passageiro que, entretanto, tinha sido atado nos pés com fita adesiva pelos colegas seguranças. Segundo a segurança, os colegas contaram-lhe que Ihor tinha mesmo batido com a cabeça nas paredes, o que motivou a chamada da cruz vermelha.

“O meu colega Manuel pediu um copo de leite e um pacote de bolachas para dar ao passageiro. Ele estava bem. Ele falava muito. Quando levei o leite, riu-se para mim e falava muito na língua dele”, disse.

Questionada sobre se lhe tinha sido pedida fita adesiva, confessou que sim. “Fui buscar uma vez fita adesiva, porque a minha colega Ana Lobo pediu. Não sabia para o que era. Não saí da receção.”

“Ihor tinha uns vergões nos braços.”

Na mesma sessão do julgamento, Jorge Pimenta, segurança do CIT, descreveu como encontrou Ihor Homeniuk após a intervenção dos três inspetores arguidos no processo.

“O Ihor estava algemado com mãos atrás das costas e os pés com fita adesiva, deitado de lado. Tinha uma marca na cara que estava avermelhada e inchada. Nos braços tinha uns vergões, uns riscos”, disse.

Foi ele que com a colega Roxana deu o pequeno-almoço a Ihor e a medicação. Ao juiz, garantiu que a vitima “não gritou, não mostrou dor”, mas mais tarde confrontando com declarações prestadas à Policia Judiciaria, admitiu que Ihor nessa altura gemia.

Pouco depois do meio dia, Jorge Pimenta ainda admitiu ter perguntado ao passageiro se queria almoçar, fazendo a pergunta por gestos, ao que lhe terá respondido com a cabeça que não.

Durante mais de três horas a vítima ficou sozinha, algemada atrás das costas e deitada num colchão no chão de uma sala isolada, “estava calmo e a dormir”.

Às 4 horas da tarde, do dia 12 de março de 2020, percebeu que Ihor tinha as mãos “esbranquiçadas”, pediu aos inspetores que iam levá-lo para embarque para aliviarem as algemas.

Mais tarde, diz ter assistido à aflição de dois inspetores do SEF - que não os arguidos do processo. “O inspetor Gabriel chegou à receção aflito a dizer que o senhor estava morto”.

Arguido Luís Silva disse à segurança “não é preciso dar nomes”

Sónia Antunes fez parte da equipa de segurança que rendeu os colegas da noite e que lhe disseram que Ihor “esteve toda a noite exaltado”.

Garante ter visto Ihor por volta das 8 da manha, de dia 12 março 2020, e que este estava calmo.

Quando os inspetores arguidos chegaram, afirmou que “deixaram armas e luvas na receção” e acrescentou: “Perguntei os nomes dos inspetores para colocar no relatório, quando saíram Luís Silva disse que não era preciso dar nomes”.

Perante a descrição de que tinha visto a vitima apenas com fita adesiva nos pés, o juiz Rui Coelho recorreu às declarações prestada pela testemunha em março do ano passado à Judiciaria: “Quando falou à Policia, tinha dito que sabia que lhe tinham amarrado as mãos durante a noite com fita cola.”

A isto, Sónia Antunes respondeu: “Não me lembro”.

A segurança admitiu que nunca tinha visto ninguém atado com fita adesiva antes desta situação.