Extrema-direita. O perigo adormecido permanece
24-05-2016 - 18:47

Na Hungria e na Polónia já ninguém ousa contestar a legitimidade de quem quer calar a imprensa. Na Áustria, a extrema-direita fica agora mais forte do que nunca. Dá que pensar.

Um homem que precisa de andar armado para se sentir em segurança, na Viena do século XXI, diz tudo sobre si. Mesmo assim mais de metade dos eleitores austríacos consideravam-no a melhor opção para representar o seu país na comunidade internacional e estavam dispostos a colocar, nas mãos do jovem e “inseguro” Norbert Hofer, potencialmente perigoso, a possibilidade de dissolver o Parlamento e destituir o respectivo Governo. O mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa pode fazer por cá.

O risco de chegada à Presidência da República de um líder da extrema-direita populista num dos 28 Estados-membros da União acabou afastado, à última hora, pelo candidato dos Verdes. Mas isso não impediu Norbert Hofer de saborear a derrota como se de uma vitória se tratasse. Intitulando-se como o verdadeiro representante do povo contra os interesses da elite e anunciando, desde logo, que a luta pela chegada ao poder do seu Partido da Liberdade não vai esmorecer.

O pior é que ele tem mesmo razão quando clama vitória, embora tenha perdido a Presidência por uns providenciais 31 mil votos ( meio estádio de futebol!) . Recebeu a confiança de muito mais de dois milhões de eleitores num país com uma população muito próxima da portuguesa.

O vencedor acabou por ser encontrado no extremo oposto do leque partidário. Desaparecido o centro, logo na primeira volta, o candidato mais votado surgiu à esquerda da esquerda, recaindo a escolha final do Presidente num ex-social-democrata que esteve uma dúzia de anos ao leme do Partido Ecologista e se retirou há pouquíssimo tempo da respectiva liderança.

Por mais radical que nos possa parecer o seu discurso ecologista todos lhe estamos gratos. Alexander van der Bellen fez toda a Europa suspirar de alívio e é claramente merecedor da nossa gratidão. Com ele a história não vai andar para trás tão cedo.

Mas o alívio não chega para baixar a guarda. O perigo adormecido permanece. Hofer, o jovem de pouco mais de 40 anos que dá ares ao “special one”, tem a mesma ambição de vencedor de Mourinho quando tinha a sua idade. Mesmo vencido já conseguiu captar a confiança de mais de 80% do operariado, mais de 60% do voto masculino e a maioria do voto rural e menos escolarizado. Além disso anunciou que vai continuar a trabalhar para chegar ao poder em 2018, ou seja, nas próximas legislativas. Já esteve mais longe.

Temos de reconhecer-lhe a competência. Como fizera Marinne Le Pen em França, também ele soube branquear o programa partidário. Expurgou-o de qualquer referência explicitamente xenófoba, limou-lhe as arestas neo-nazis e teve o cuidado de a nível internacional evitar as más companhias. Não quer ter nada a ver com a Aurora Dourada grega. Ainda bem.

Mesmo assim não escondeu os tiques populistas nem o discurso anti-refugiados ( 90 mil nos últimos meses ou seja pouco mais de um por cento da população) é como manda o cardápio destas novas forças emergentes contra o chamado centro politico além de eurocéptico q.b, proteccionista assumido , nacionalista e obcecado com a segurança. Nada que não se veja na Dinamarca, na Finlândia, na Suécia na Alemanha (com a chamada Alternativa) e na velha Frente Nacional francesa. Farinha do mesmo saco.

Um discurso radicalizado à direita que não é sequer apanágio exclusivo do continente europeu. Trump que também tem consigo o lobby das armas prova que o populismo é um fenómeno em ascensão em todo o mundo.

Filho de refugiados em fuga do regime estalinista russo, nascido antes da segunda guerra acabar, Alexander van der Bellen dá provas de não querer que a velha história se repita, mas é sintomático que não tenha conseguido sequer a indicação de voto dos dois partidos de centro que desde a II Guerra Mundial governaram a Áustria e, que desta vez, ficaram excluídos logo na primeira volta das presidenciais. Implodindo com estrondo, afogados em acusações de repartirem há demasiado tempo o leque dos empregos de Estado.

Onde já vimos isto? O que ser passa aqui ao lado em Espanha com o pendulo a deslocar-se perigosamente à esquerda depois dos escândalos permanentes onde se afogam o PSOE e o PP.

No caso austríaco o novo Presidente fez face à ameaça de regresso ao poder da extrema-direita apenas com o apoio do seu partido e de quatro mil personalidades da elite austríaca de todas as áreas. Nem sociais-democratas nem conservadores lhe deram aval, o que diz muito sobre a forma como os dois partidos foram varridos do mapa sem grandeza.

A história decide-se agora entre dois extremos assumidamente “anti-sistema”. E no caso dos libertários de Hofer vale a pena lembrar que não é sequer a primeira vez que chegam ao poder. Na viragem do milénio os seus antecessores no partido já tinham servido de muleta ao Governo dos conservadores. Nessa altura deixaram a Europa de tal modo em choque que a França (a braços internamente com a passagem à segunda volta das presidenciais do velho Le Pen) forçou a aplicação de sanções a Viena colocando o país em quarentena democrática. Não chegou.

Passados 15 anos já ninguém se espanta. Já não há força para lhes impor sanções. Na Hungria e na Polónia já ninguém ousa contestar a legitimidade de quem quer calar a imprensa. Na Áustria, a extrema-direita fica agora mais forte do que nunca. Dá que pensar. Nos anos 30 também foi assim. Escalando na crise económica, com o apoio do “povo” e legitimados pelo voto. Faz medo, muito medo.