O diretor da Faculdade de Ciências e Tecnoleogia da Universidade Nova de Lisboa, José Júlio Alferes, defende, em entrevista à Renascença, que as empresas estão a aproveitar-se do aumento da oferta de licenciados para não pagar as remunerações que poderiam oferecer.
Aos 57 anos, José Júlio Alferes está a cumprir o segundo ano de mandato no maior campus universitário do país, com cerca de 8.500 estudantes, 420 docentes, 300 investigadores, 1033 projetos e 200 funcionários.
Além dos 15 hectares construídos, a faculdade vai expandir-se para os 17 hectares restantes, uma demonstração de que a FCT não acredita que o ensino não presencial na área da Ciência e da Tecnologia seja uma realidade nas próximas décadas.
José Júlio Alferes defende que em Portugal há cursos a mais que emanam de uma "cultura de quintas" que floresce nas universidades. E anuncia que no próximo ano a faculdade que dirige vai emagrecer no número de mestrados.
Em 30 anos, segundo os dados do INE, o número de estudantes a frequentar o ensino superior duplicou. O resto da sociedade, da economia, das empresas, do trabalho, conseguiram acompanhar essa evolução?
Conseguiram. A nossa sociedade hoje é completamente diferente da sociedade de há 30 anos. E o emprego também.
Eu julgo que a sociedade, o mercado de trabalho estão a absorver bem as qualificações dos estudantes que estão a ser formados nas universidades. Claro que podia ser sempre melhor. Temos ainda alguma emigração de jovens talentos que vão para outras partes do mundo, mas isso faz parte do processo de crescimento.
Temos hoje um emprego mais qualificado, o que é possível porque as universidades formaram.
Isso que está a dizer parece ser contraditório com o facto de só um terço das empresas portuguesas terem gestores com formação superior. Porque é que isto continua a ser assim?
Não são só os gestores. Nos cargos de topo existe esse problema, mas isso reflete um pouco aquilo que era a formação há alguns anos, porque as pessoas que chegaram aos cargos de topo não são aquelas que se estão a formar agora.
Um estudo recente da Fundação José Neves revelou que nos últimos dez anos o ganho de concluir um curso superior em relação ao secundário passou de 51% para 27% e o salário nominal, no mesmo período, caiu 15%. Acha uma situação normal como alguns argumentaram que resulta do aumento de licenciados, ou considera que é anormal e preocupante?
É verdade que quanto mais pessoas tiverem o ensino superior, isso aumenta bastante a oferta e, portanto, o preço, o prémio [salarial] acaba por diminuir.
Eu não diria que é preocupante, mas não é desejável, certamente. E aliás, pode dar indicações erradas aos jovens que se questionam se devem ou não ter mais formação.
Mas eu julgo que esse prémio poderia ser um pouco maior e as empresas portuguesas talvez se estejam a aproveitar de haver essa oferta maior para não darem um prémio tão grande aos jovens licenciados, mestres e doutores, embora isso se coloque mais nas licenciaturas e mestrados do que nos doutoramentos, em que é um bocado diferente.
Passemos agora as questões relacionadas com inteligência artificial. Miguel Herdade, diretor associado do Ambition Institute, disse recentemente na Web Summit que as escolas e as universidades, não devem ostracizar o ChatGPT, acrescentando “que seria um erro, se tentassem proibir este tipo de ferramentas porque é o mesmo que tentar parar o vento com as mãos, não vai a lado nenhum”. Concorda com a ideia?
Diria que "sim, mas". Já agora, eu não estou aqui nessa qualidade, mas inteligência artificial é a minha área de formação. Fiz um doutoramento em inteligência artificial em 1993, numa altura em que, quando eu dizia que me tinha doutorado em inteligência artificial, era tema de piada. “Inteligência artificial, mas porquê, não tens natural?” Era a piada normal.
"É verdade que quanto mais pessoas tiverem o ensino superior, aumenta bastante a oferta e, portanto, o preço, o prémio salarial acaba por diminuir."
E habituei-me a viver com isso durante muitos anos. Até que de repente, quando eu dizia que era da área de inteligência artificial, em vez de ser motivo de chacota, toda a gente passou a dizer: "Ei espetacular inteligência artificial". Eu sou mesmo e estou a fazer as mesmas coisas.
Atualmente estão a falar de inteligência artificial pessoas que já não têm de ser desta área porque se tornou ‘mainstream’. Mas estamos numa fase em que ainda é tudo muito novo.
Vejo muita gente a falar da inteligência artificial sem saber o que é, sem saber as hipóteses, o que é verdade e o que é ficção científica pura. Ás vezes dizem, e sendo muito franco, muita asneira.
O ChatGPT é uma ferramenta que pode ser bem aproveitada pelas pessoas, pelo ensino em geral e também pelo ensino superior.
É uma ferramenta que escreve textos bonitos. Não são necessariamente verdadeiros, não são necessariamente cientificamente corretos, mas são textos bonitos.
Se eu tiver uma pessoa que sabe exatamente o que está a dizer, o que quer dizer num texto, e o passar pelo ChatGPT para tornar o texto mais bonito, mais legível, mais conciso, isso é quase como um corretor de texto, mas muito mais sofisticado. Esse uso e o da tradução são vantagens, especialmente para quem depois tem que ler os textos.
Já para a partir de uma frase dizer “cria-me um texto sobre qualquer coisa” é um péssimo uso.
"As empresas portuguesas talvez se estejam a aproveitar de haver essa oferta maior [de licenciados] para não darem um prémio tão grande [na remuneração]"
Mas quem vai avaliar esses textos, se for da área científica para qual o texto está a ser escrito, conseguirá perceber que quem está a escrever é uma pessoa ou não.
Mas aumenta, na sua opinião, o risco de fraude?
Aumenta o risco de fraude. O que quer dizer que as coisas têm de ser vistas, avaliadas com mais cuidado...
Ou seja, se o professor ou o responsável por aquela cadeira fizer o seu trabalho competentemente, não se deixará enganar....
Exatamente. E depois isso tem de ser complementado com a avaliação que não é cega. É uma avaliação em que o professor tem contacto com o estudante, o que é bom. Tem de o conhecer. Tem de saber se aquele estudante fez mesmo aquilo ou não. Tem de discutir o trabalho com o estudante.
Mas qual tem sido o tipo de utilização mais comum na FCT?
É o mau, é capaz de ser o mau. Mas eu concordo com a ideia de que o ChatGPT não deve ser ostracizado.
Então não o vai proibir?
Não é proibido.
"O ChatGPT é uma ferramenta que pode ser bem aproveitada pelas pessoas, pelo ensino em geral e também pelo ensino superior."
A universidade viu-se obrigada a criar algum regulamento para enquadrar o uso destas ferramentas de inteligência artificial no âmbito de trabalhos de académicos?
Ainda não, ainda não foi criado. Veremos se será necessário.
Há muitos casos registados de uso abusivo?
Não são muitos. A ideia que eu tenho é que não serão muitos. Pelo menos, não serão muitos os que sejam graves. Serão muitos os que estão a usar, mas não serão muitos aqueles em que o estudante está a fazer um trabalho do qual não sabe...
Centenas de especialistas em tecnologia de várias partes do mundo deixaram um alerta para o facto de a tecnologia de inteligência artificial dever ser considerada um risco para a sociedade, comparável à ameaça que representa uma pandemia ou guerra nuclear. Acha que faz sentido ou é uma posição alarmista?
Eu acho que são um pouco alarmistas. Mas acho que faz sentido chamar à atenção para os perigos do uso da tecnologia, da inteligência artificial, como faz sentido, em geral, chamar a atenção para os perigos de qualquer nova tecnologia. Há uma série de coisas e que é preciso ter muito cuidado com o uso da inteligência artificial.
A inteligência artificial começa a ser usada para tomar decisões e, muitas vezes, as decisões tomadas pela inteligência artificial, se se medir o grau de acerto, estatisticamente, são melhores do que quando são tomadas por humanos. Aí a tendência é pensar “então vamos deixar isso completamente à inteligência artificial”.
Mas isso cria, desde logo, muitos problemas. Atualmente grande parte dessas decisões, a forma como são tomadas é, no fundo, uma caixa negra.
Não é possível de explicar. Se forem questões jurídicas, questões de direitos, quem decide tem de explicar porque é que decide. Porque esse sistema de explicações é que garante que a tomada de decisão não é manipulada.
"Atualmente grande parte dessas decisões [feitas através de inteligência artificial], a forma como são tomadas é, no fundo, uma caixa negra."
Isso também é um perigo. É tudo muito bonito, mas e se alguém fizer hacking de um sistema de inteligência artificial, como é que eu garanto que isso não está a acontecer?
Que problemas estão já a surgir?
Os dados são recolhidos em bases de dados têm um viés. Às vezes, é difícil perceber esse viés. O que se está a estudar é como é que se consegue limpar os dados desse viés.
Há um exemplo de há vários anos, que nem é de diretamente relacionado com inteligência artificial, mas que talvez seja fácil para perceber como é que os dados existentes criam más decisões.
Não sei se conhece os “three black teenagers”? Alguém processou a Google porque estaria a ser racista quando se pesquisava esta expressão nas imagens. Na primeira página apareciam, essencialmente, fotografias de cadastrados. E quando se procurava "three white teenagers", apareciam fotografias de jovens frescos, divertidos, a fazer desporto.
É o algoritmo que tem culpa? É o algoritmo que está a ser racista? Não, aquilo é simplesmente baseado nas coisas mais frequentes que pesquisamos, e infelizmente o que aparece mais vezes em notícias que têm aquelas palavras está relacionado com crimes.
Temos de saber mais sobre essa caixa negra?
Temos de saber mais sobre a caixa negra e temos que saber escolher muito bem os dados nas quais os algoritmos se baseiam para aprender.
Porque se nós temos um passado com "bias" e com viés, se vamos aprender com esse passado para tomar decisões, as nossas decisões vão amplificar esse viés.
Deixe-me dizer outra coisa, um dos perigos da inteligência artificial é aumentar o fosso entre quem a consegue utilizar e quem não a pode utilizar. Isso vê-se não só a nível das pessoas, mas de países e regiões do mundo.
Agora em relação à situação social do país e de como ela se vive nas universidades. Como é que a crise na habitação se está a refletir na FCT. O simples arrendamento de um quarto está a valores impraticáveis para a maioria das famílias portuguesas. Há cada vez menos alunos que sejam de fora da Grande Lisboa?
Já se começou a notar um decréscimo nestes últimos um, dois anos pós-pandemia. Não é muito acentuado, mas é uma coisa que nos preocupa porque a faculdade recruta estudantes em todo em todo país e é bom que assim seja.
"[...]um dos perigos da inteligência artificial é aumentar o fosso entre quem a consegue utilizar e quem não a pode utilizar. Isso vê-se não só a nível das pessoas, mas de países e regiões do mundo."
Nós queremos criar uma excelente universidade e queremos pô-la ao serviço de todo o país. E os problemas da habitação começam a sentir-se.
Não temos problemas em ter estudantes porque a região de Lisboa tem muitos jovens ainda.
O facto da Faculdade de Ciência e Tecnologia ser na Caparica e não em Lisboa, ainda nos dá uma folga, porque apesar de tudo junto à faculdade o preço do aluguer de quartos possa ficar é mais barato do que em Lisboa.
Estamos numa fase ou poderemos caminhar para uma situação em que é mais fácil, e economicamente mais aliciante, para um jovem de Berlim vir estudar para Lisboa do que um jovem que que vive em Trás os Montes ou no Alentejo?
Eu esperaria que não, porque quem nos paga é o contribuinte português e temos que prestar um serviço à sociedade global, mas em primeiro lugar a Portugal. E é lamentável que assim fosse.
Mas mesmo para os estudantes internacionais começa a ser caro vir estudar para Lisboa t endo em conta os preços da habitação.
A forma que o ensino superior tem para responder a isso é não tentar olhar para o problema da habitação como um todo, nesta região, mas ter residências em massa para estudantes que nos permitam continuar a prestar um serviço nacional a todo o país.
Preocupa-o então?
Uma coisa que eu vejo todos os anos e que me dói particularmente, mas só consigo detetar à posteriori, é olhar para os dados de estudantes que entraram na primeira opção num curso, às vezes com notas muito altas, mas que depois não se vêm matricular.
"Mesmo para os estudantes internacionais começa a ser caro vir estudar para Lisboa pelos preços da habitação".
São normalmente estudantes de fora da região de Lisboa e, muitas vezes, acabam por entrar na segunda fase em cursos no Politécnico junto à região onde moram.
Uma sondagem sobre os jovens a residir em Portugal revela que 54% admite viver fora do país. Os que ponderam emigrar são sobretudo os que têm menos de 25 anos e os que concluíram o Ensino Secundário ou Superior. Estamos a formar uma geração para ir enriquecer outros países?
Espero que não. Mas há um aspeto positivo nisso, mostra que estamos a formar uma geração que se encara como cidadão do mundo. Revela algo sobre a abertura ao mundo e a mentalidade dos nossos jovens.
A parte negativa é que, de facto, é o país que está a apostar e a investir nesses estudantes. E que se emigrarem em massa, acaba por não aproveitar o talento que está a criar.
"São normalmente estudantes de fora da região de Lisboa, por vezes com notas altas e, muitas vezes, acabam por entrar na segunda fase em cursos no Politécnico junto à região onde moram."
O mal não é eles saírem, o mal é depois não voltarem.
E a dimensão não preocupa?
Só se resolve tendo uma oferta em Portugal que lhes dê perspetivas de futuro, porque há o jovem que sai, que sai durante um ano para ter uma experiência, e depois volta.
Em momentos de crise isso é pior e é pior porque não há em Portugal uma oferta que seja aliciante para esses jovens qualificados.
Não tenho uma varinha mágica. E às universidades compete formar cada vez mais jovens e melhor. É lamentável que eles depois saiam.
A universidade nada pode fazer?
Pode. Pode aumentar a ligação ao mundo à sua volta, às empresas, e estamos a fazê-lo na faculdade. Isso permite que os estudantes conheçam melhor essas empresas e as suas hipóteses de trabalho. E que as empresas saibam, também, muito melhor que estudantes temos e como é que eles as podem melhorá-las.
"O mal não é os jovens saírem, o mal é depois não voltarem."
Se os alunos virem durante o percurso académico essa realidade, podem perceber o quão aliciante pode ser ficarem nessas empresas.
Há um trabalho a ser feito entre as universidades e as empresas para mostrar aos jovens o quão atrativo pode ser ficar em Portugal. Muitas vezes, não é só o dinheiro que os faz moverem-se para o estrangeiro, é também o quão aliciante é o projeto que lhes estão a oferecer.
Há já quem escolha o trabalho pela possibilidade de o fazer de forma remota e não ter de ir para um escritório. Também já há quem escolha faculdades por prevalecer o e-learning em relação ao ensino presencial? Como se posiciona a FCT?
A experiência universitária não é uma experiência só de aulas, é de aprendizagens, de conteúdos técnicos, e conteúdos científicos.
A laboral também não.
A laboral, também não. É verdade. Mas a universidade é uma altura de formação das pessoas e é minha convicção profunda que o desígnio da FCT não é transformar-se numa faculdade que tem ensino essencialmente à distância. Aquele campus presta-se a que o ensino que se faz ali tenha uma componente presencial muito forte. Isso também tem a ver com as áreas científicas. Naquela faculdade ensinam-se ciências e engenharias.
O cunho da faculdade, ao longo dos tempos, foi ter um ensino muito próximo da investigação. Não só da prática, mas da bancada do laboratório. Nós temos orgulho que os nossos estudantes tenham experiência de aproximação à investigação, experiência de mexer mesmo nas coisas. Isso não se faz da mesma forma, faz-se de forma bastante deficiente, em ensino não-presencial.
O investimento que estão a fazer é bastante significativo em instalações, sendo que aquilo que percecionamos do mundo, de uma forma geral, é um caminho cada mais estreito para esse tipo de solução. Não há aqui um risco?
Há o risco. É capaz de haver um risco, mas é preciso olhar para estas áreas. Há uma série de empregos que podem ser feitos à distância, mas a Autoeuropa não faz carros à distância. As pessoas têm de ter de estar lá.
Aqui é um pouco a mesma coisa. Não se forma um bioquímico à distância. Pode ter os conhecimentos teóricos de bioquímica, mas não é um bioquímico. Quem diz um bioquímico, diz um engenheiro mecânico ou engenheiro civil.
Não teme uma menor atratividade da FCT por causa disto?
Pode é haver uma menor atratividade destas áreas por essa circunstância.
"[Ensino à distância?]Não se forma um bioquímico à distância."
Há de facto uma menor capacidade de atração de algumas engenharias, mas não creio que seja por essa razão.
Considera que são satisfatórios os números de apoio da FCT a investigadores. 737 projetos em 2022, 14% do total, num valor pouco maior do que 80 milhões? É suficiente?
Não é. Tem de haver um processo de avaliação difícil, deve ser difícil obter um financiamento para um projeto.
Mas abaixo de certos valores não basta o projeto ser excelente para ser financiado, tem de ser excelente e ter sorte de alguma maneira, porque estamos a discutir coisas tão, tão próximas, que quem avalia os projetos não consegue exatamente distinguir porque é difícil. Numa proposta de um projeto,qual é que é melhor?E isso começa a criar uma sensação de injustiça, que depois dificulta ainda mais o bem-estar social dos investigadores.
Esses valores claramente não são suficientes. Embora os projetos europeus e os projetos de ligação com a indústria tenham, apesar tudo, taxas de aceitação e financiamentos melhores do que os da Fundação.
Isso é mais o apoio à investigação, mas depois existe o problema dos apoios aos investigadores. O outro é o problema da estabilidade, do desemprego, dos investigadores, que é grave e que também me preocupa bastante dentro da faculdade.
O país ganharia em ter uma classe de investigadores mais robusta e mais dedicada em exclusivo à investigação ou é preferível este modelo em que os profissionais se dividem entre docência e investigação?
O que eu vou dizer agora pode ser polémico na minha faculdade, mas para mim, claramente a segunda. Ou seja, o que eu defendo nas universidades é o modelo de investigadores que são professores.
Porquê?
Porque eu não consigo conceber um professor universitário que não é um investigador. Na universidade ao contrário de outros níveis, o ensino é feito por pessoas que produzem, que contribuem para a produção do conhecimento.
Só assim é que se pode ensinar em áreas científicas de ponta. Mas se o professor é um investigador, porque é que eu preciso de pessoas que são só investigadores?
E isso para mim é estranho, porque por um lado fica ali uma situação de "mas então estes que estão a investigar porque é que não contribuem também para os estudantes que estão dentro de uma universidade".
Por outro, conhecendo a carreira dos professores e dos investigadores ao longo dos anos, estas coisas da investigação, não há sempre a mesma produtividade ao longo dos anos.
"O que eu defendo nas universidades é o modelo de investigadores que são professores."
As pessoas, por vezes, fazem descobertas científicas e dedicam-se muito mais à investigação e falta-lhes tempo para o ensino. Por vezes, há certas coisas que não funcionam e a investigação tem que ser refeita.
Portanto, esta permeabilidade entre mais atividade docente, mais atividade de investigação científica ao longo da vida da pessoa, e olhando para as várias pessoas, é para mim, aquilo que faz sentido dentro de uma universidade.
Isso não quer dizer que todos os investigadores que nós temos agora connosco não sejam necessários para o desenvolvimento da universidade. Esses investigadores fazem-nos falta, mas fazem-nos falta como docentes.
Em certas áreas específicas, em coisas muito específicas, faz sentido ter algumas pessoas só dedicadas à investigação. Mas deve ser exceção e não a regra. Entendo que isto é polémico até dentro da minha casa.
Há em Portugal 4.400 cursos superiores. Espanha, cinco vezes maior em termos de população, tem 3.700 cursos e perto de 70 instituições de ensino superior, entre público e privado. Isto diz que o Ensino Superior em Portugal está transformado num negócio que tem como critério maior o ganhar dinheiro?
Se fosse um negócio já não era mau, mas eu acho que nem sequer é isso. Eu acho que não faz sentido termos tantos cursos.
Uma coisa que a faculdade pretende fazer é diminuir o número de cursos que oferece a nível de mestrados.
Acho que não faz sentido. Começaram-se a criar cursos tão finos na sua área científica, coisas que deviam ser especializações de cursos mais gerais.
Temos claramente cursos a mais, não há volta a dar. Se fosse porque são um negócio, pelo menos eu conseguia perceber a razão. Mas eu acho que nem isso é.
Então qual é?
Tem a ver com quintas, com armazenar as coisas em silos. Há um grupo de pessoas que tem uma área de especialização e cria o seu próprio curso, para desenvolver o seu próprio grupo dentro da sua universidade.
Essa é má razão. A outra é uma perceção errada, que a certa altura houve, de que se o curso tiver um nome mais chamativo, porque é feito através de uma especialização, pode atrair mais estudantes, numa fase em que há muita, muita concorrência.
Mas depois nada disso se verifica e, portanto, temos uma oferta muito dispersa que não cria massa crítica dentro dos cursos.
Vai então reduzir a oferta num futuro próximo?
Sim.
No próximo ano letivo?
Este ano letivo é feita a discussão de como é que vamos reduzir. E vamos começar pelos mestrados, porque apesar de tudo, as licenciaturas correspondem a coisas bem definidas. As nossas, pelo menos.
A minha intenção é a de que se reduza substancialmente o número de cursos de mestrado que estamos a oferecer, sem reduzir a oferta científica daquilo que são os mestrados na nossa casa.
João Guerreiro presidente da A3ES - Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior disse não haver meios para controlar isto. Como é possível não conseguir regular isto?
Pois essa é uma questão que tem de ser colocada ao João Carreira. É ele que regula.
"Uma coisa que a faculdade pretende fazer é diminuir o número de cursos que oferece a nível de mestrados."
Isto cria problemas internos, cria problemas até de organização. Quando começamos a ter muitos mestrados pequeninos, é difícil até de gerir depois os recursos humanos, as salas, os recursos materiais para dar os cursos.
Nós temos os meios, para de alguma maneira regular isso porque temos os conselhos científicos, temos as direções, os departamentos, que são quem propõe os cursos.
Uma das coisas que raramente acontece é encerramento de cursos e devia acontecer. Agora não tem estado a ser usado por um erro de percepção e houve uma deriva de aumento de cursos.
Um estudo recente do ISCTE sobre o perfil dos jovens desempregados refere que 20% têm curso superior. O presidente do ISEG, João Duque, em declarações à Renascença, num comentário a este estudo refere que isto indica que a oferta formativa em Portugal não está alinhada com o mercado de trabalho. Concorda? O que é que seria preciso fazer?
Concordo em parte. Mas não vejo mal tão grande em não estar completamente alinhada com o mercado. O meu entendimento é que as universidades, pelo menos as públicas, não estão ao serviço do mercado, estão a serviço da sociedade, o que é uma coisa diferente.
"Temos claramente cursos a mais, não há volta a dar. Se fosse porque estão num negócio, pelo menos eu conseguia perceber a razão. Mas eu acho que nem isso é."
As universidades servem também para projetar.
Para projetar o futuro....
Exatamente e para criar um corpo de conhecimento que pode não ser imediatamente aproveitado no mercado. Isto é tudo muito bonito, tirando as pessoas que saem de cursos e depois não têm empregos.
Devem então ter uma conexão próxima com o mercado, mas não ser o alfa e o ómega.
Não deve ser o alfa e o ómega. As universidades não devem ter como objetivo formar pessoas para aquilo que é o mercado português hoje.
Devem formar pessoas para a sociedade.
"As universidades não devem ter como objetivo formar pessoas para aquilo que é o mercado português hoje."
Mas é um número muito elevado de desempregados?
Vinte por cento é um valor muito alto que deve preocupar. De qualquer maneira, uma pessoa com formação superior, e pode ser frustrante não trabalhar naquilo que estudou, mas será, acredito, muito melhor trabalhador.
As universidades devem olhar para o futuro e para a manutenção de todas as áreas de saber no país e não apenas aquilo que está a dar no mercado.