Curdos, povo sem Estado
30-09-2017 - 09:30

Os curdos vivem no Iraque, Irão, Síria e sobretudo na Turquia. Tentam um Estado curdo no Norte do Iraque.

Numa altura em que o controverso referendo sobre a independência da Catalunha concentra, e com razão, as atenções gerais, importa não esquecer um outro referendo, também visando a independência, no Norte do Iraque.

O referendo na Catalunha contraria a Constituição espanhola. O referendo curdo no Iraque foi considerado ilegal por Bagdad, que, no entanto, não teve meios para o impedir. Mas os países vizinhos do Norte do Iraque e vários países ocidentais também estão contra este referendo, que aliás não tinha carácter vinculativo.

O Iraque nasceu, um tanto artificialmente, após a I Guerra Mundial, que desmembrou o Império Otomano. É um país com fraca consciência nacional; os curdos ocupam a parte Norte e gozam de apreciável autonomia. São ali perto de 5 milhões, cerca de um quinto da população do Iraque. Não professam a religião xiita nem a sunita – são muçulmanos, mas de observância não muito rigorosa.

Um ditador tirânico como Saddam Hussein, que mandou no Iraque entre 1979 e 2013, conseguiu, pela força, manter uma certa unidade no Iraque. Saddam favoreceu os sunitas contra os xiitas, apesar de estes serem mais numerosos no país.

Agora, os xiitas predominam no governo de Bagdad, mas não conseguem entender-se com os sunitas nem com os curdos do Norte. Por exemplo, quanto à distribuição dos lucros do petróleo.

Votação maciça

O Curdistão iraquiano tem petróleo, exportado através da Turquia (o que é um problema, como adiante se verá). As reservas petrolíferas situam-se sobretudo na zona de Kirkuk, cidade de cerca de 1 milhão e 200 mil habitantes.

O governo autónomo do Curdistão iraquiano resolveu avançar com um referendo visando a independência da região. Na segunda-feira passada, 93% dos 3,3 milhões de votantes apoiaram o “sim” à independência. O governo central, em Bagdad, não aceita essa independência. Quer manter a unidade do Iraque e, entre outras medidas, suspendeu os voos para e de Irbil, a capital do Curdistão iraquiano. Outras companhias aéreas da região, como as do Egipto e do Líbano, também suspenderam os voos.

Oposição de vários lados

Cerca de 14 milhões de curdos vivem na Turquia; no Irão serão por volta de 7 milhões e na Síria um milhão. Não admira que Erdogan, o Presidente turco, se oponha vivamente a uma independência curda no Norte do Iraque, pois 20% da população turca são curdos que querem tornar-se independentes de Ankara.

Um partido curdo independentista realiza frequentes atentados terroristas na Turquia e trava uma guerra civil de baixa intensidade com o Exército turco. Erdogan poderá impedir exportações petrolíferas vindas do Norte do Iraque que passam num “pipeline” pelo território turco.

Os Estados Unidos reconhecem o importante papel dos curdos no combate ao “Estado Islâmico”. Os militares do Curdistão, os “peshmerga”, revelaram grande coragem e eficácia nesse combate. Mas Washington também se opõe à independência do Norte do Iraque, que poderá levar à desintegração do país, bem como ao fim da coligação militar contra o “Estado Islâmico”, que já reduziu consideravelmente o território deste.

Apesar de gozarem no Norte do Iraque de considerável autonomia – maior do que a de outras e mais populosas comunidades curdas, nomeadamente a da Turquia – os curdos daquela região querem a independência. É que a luta dos curdos por um Estado dura há pelo menos um século e meio. É o maior povo do mundo sem Estado.