Legionella. Justiça contraria critérios médicos em caso de Vila Franca de Xira
23-11-2019 - 08:28
 • Marina Pimentel

Centenas de pessoas foram afastadas do processo, ficando assim sem direito a indemnização, por não terem feito uma análise que os próprios médicos não recomendavam.

As vítimas do surto de legionella de Vila Franca de Xira “estão a ser duplamente penalizados”, acusa o médico Filipe Froes.

De acordo com o pneumologista que tratou no hospital Pulido Valente alguns dos doentes “as vítimas não só foram penalizadas pela doença mas agora estão a passar pela injustiça de os tribunais lhes exigirem uma análise que não era recomendada pelas autoridades de saúde para confirmar a legionella”.

Filipe Froes explica que “no caso dos doentes mais graves”, alguns dos quais foram tratados por ele no Hospital Pulido Valente, “a realização do exame podia até agravar o seu estado de saúde, pondo-lhes a vida em risco”.

O médico pneumologista diz que não entende os critérios da Justiça e alerta que “pode até abrir um precedente grave porque no futuro todas as pessoas que contraiam a bactéria vão exigir que lhes seja feito o exame que foi exigido às vítimas do surto de Vila Franca de Xira”.

As vítimas do surto de legionella de novembro de 2014 estão fartas de esperar por uma Justiça que não chega. Joaquim Ramos, fundador da Associação de Apoio às Vítimas e também ele uma vítima, quer que as autoridades que o excluíram do processo criminal por não ter provas suficientemente fortes de que era uma vítima da fuga da torre de refrigeração da Adubos de Portugal, lhe expliquem então como é que foi contaminado.

Algumas das mais de 400 vítimas ficaram doentes para a vida, outras perderam o emprego, outras foram reformados por invalidez. No entanto, denuncia Joaquim Ramos, “o Estado obriga-as a pagar taxas de Justiça e mesmo taxas moderadoras. Estas últimas só deixaram de lhes ser exigidas a partir de 2017, por causa da intervenção que a Associação de Apoio às Vítimas do Surto de Legionella teve junto dos deputados”.

Os registos médicos comprovam que na sequência do surto de legionella de Vila Franca de Xira, 403 pessoas foram contaminadas, tendo catorze acabado por morrer. Foi o caso do marido de Maria Otílio Pinto. A bactéria matou-o mas como os médicos não lhe fizeram o exame que é exigido pela Justiça, não tem como provar que o marido foi uma das vítimas da fábrica Adubos de Portugal.

Maria Otília Pinto teve de enfrentar sozinha a morte do marido e tudo o que veio a seguir. Nunca teve apoio de nenhuma natureza, da parte do Estado central ou da autarquia. Pediu apoio psicológico à Junta de Freguesia mas teve de o pagar do seu bolso.

Ana Severino é a advogada que interpôs a ação popular contra o Estado português, em nome da Associação de Apoio às Vítimas do Surto de Legionella e também a advogada de quatro dos lesados. Admite que está “em negociações com os advogados da parte contrária, para fixarem uma indemnização”. Fala-se em pouco mais de oito mil euros. A advogada admite que o valor é baixo. “Mas as pessoas estão descrentes na Justiça e muito cansadas. E por isso aceitam a proposta das duas empresas que estão no banco dos réus, a Adubos de Portugal e General Electric (hoje SUEZ).

Paulo do Carmo, o Presidente da Quercus, fala numa dupla responsabilidade de Estado. “Não só devia ter criado um mecanismo para antecipar as indemnizações às vítimas, como aconteceu noutros casos, nomeadamente nos incêndios de Pedrogão, mas também falhou porque devia ter tido preocupações reforçadas de fiscalização, quando estão causa instalações fabris altamente poluentes que se localizam junto de povoações”, como acontece em Vila Franca de Xira. Paulo do Carmo diz que “é urgente o Governo avançar para a reforma do Código Penal, no sentido de agravar as penas para os crimes ambientais”.

O tratamento das vítimas do surto de Vila Franca de Xira é o tema do programa de informação da Renascença Em Nome da Lei, que é transmitido este sábado depois do noticiário das 12h. Um caso que ocorreu há já cinco anos e cujo debate instrutório foi aberto esta semana, com a larga maioria das mais de 400 vítimas a serem excluídas do processo, por não conseguirem provar que a doença que os afetou teve origem na bactéria encontrada nas torres da fábrica de Vila Franca de Xira da empresa Adubos de Portugal.