​E agora, Europa?
30-05-2017 - 06:39

A antecipada saída do Reino Unido e a previsibilidade de uma liderança norte-americana disposta a renegar compromissos internacionais assumidos e a fixar-se em novos eixos de alianças alteraram a topografia global.

“O tempo em que podíamos depender completamente de outros acabou” – a frase da chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel, proferida durante o fim de semana, pode ser lida como um exagero de linguagem próprio de uma campanha eleitoral em curso mas pode, igualmente, ser entendida como sinal de uma viragem relevante na gestão política da UE.

Discursando na sequência de uma série de encontros cimeiros da NATO e dos G7 – e, certamente, incorporando o que ali se discutiu mas, também, a forma como um aliado específico se posicionou – a chanceler alemã disse ainda: “Nós, europeus, precisamos mesmo de assumir o nosso destino (...) de lutar sozinhos pelo nosso futuro”.

A antecipada saída do Reino Unido da UE e a previsibilidade de uma liderança norte-americana disposta a renegar compromissos internacionais assumidos e a fixar-se em novos eixos de alianças (nomeadamente com a Rússia) alteraram de forma significativa a topografia global. E, perante tão grande abanão, a Europa teria sempre duas opções – uma, porventura mais prudente, que aconselharia a ‘navegar à vista’ estas águas turbulentas protegendo, da melhor forma possível, os acordos comerciais; uma outra, talvez mais arriscada, envolvendo a afirmação do bloco europeu como uma entidade mais autónoma mas igualmente mais coesa.

Ora, a postura de Merkel – sobretudo se a combinarmos com o apoio inequívoco que parece ter dado a Macron, num esforço para revitalizar a parceria Franco-Alemã – sugere que o caminho a seguir pode muito bem ser o segundo. Acontece que isso envolve não apenas um realinhamento da Europa em negociações com parceiros externos (aqui incluindo as negociações do Brexit) mas também uma profunda alteração da gestão política, económica, financeira e de coesão social da união.

A UE que Merkel agora parece anunciar como uma efectiva potência autónoma no teatro das relações internacionais (“a Alemanha só estará bem se a Europa estiver bem”) não pode ser a de uma centralização administrativa que trata com desrespeito (e mesmo desdém) os mais frágeis, não pode ser a de uma união monetária sem união fiscal e bancária, não pode ser a de concorrência desleal entre membros, não pode ser a de implantação de uma visão totalitária que encara toda a actividade dos seus cidadãos como um negócio.
Merkel quer mais Europa. É uma possibilidade. Mas só valerá a pena se for, antes de mais, melhor Europa.