Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal "Público", o secretário-geral do PCP salienta que Pedro Nuno Santos esteve "sete anos no mesmo Governo que António Costa" e "depois zangaram-se".
O líder comunista coloca os dois socialistas no mesmo saco, quer "romper" com o atual rumo e questionado se uma segunda geringonça pode no futuro fazer-se com o ex-ministro das Infraestruturas, Raimundo responde que isto "não é propriamente fazer um fretezinho" ou "pôr umas florzinhas na jarra"
Tem dito que a contestação popular face às políticas do PS vai aumentar. A greve dos professores é um sinal de que essa contestação já chegou?
O que eu disse e volto a dizer é que, perante a situação em que estamos, por exemplo, do ponto de vista económico, o Governo enche o peito — e bem, talvez, mas enche o peito —, fazendo referência aos números de crescimento económico do ano passado, 6,5 ou 6,7, ainda não está arrumado em definitivo, mas é um número à volta disso. É importante, só que o problema é que essa riqueza não teve nenhum impacto na vida das pessoas. As pessoas criaram a riqueza, as pessoas trabalham todos os dias, criam a riqueza e depois não é redistribuída. Esse é um problema com o qual nós estamos confrontados. E perante a pressão nos salários, perante a pressão nas pensões, perante o aumento brutal do custo de vida, em particular nos bens essenciais, temos o problema agora com o qual vão ser confrontados, estão ser confrontados milhares de pessoas com os créditos à habitação. O que é que as pessoas vão fazer? Perante isso, o que é que vão fazer? Quando o Governo não dá respostas, não têm alternativa, têm que contestar, têm que exigir, têm que forçar o Governo a dar respostas.
É nesse sentido que é mais que justa a luta de um conjunto de setores da população, inclusive os professores, mas também outros sectores, das juventudes, os reformados, todos aqueles que se sentem apertados neste actual quadro, que têm naturalmente que se manifestar e é justo que o façam. É dessa forma que vão forçar o Governo a dar respostas. O Governo perante isto só tem duas hipóteses. Ou dá respostas e, vamos dizer assim, ganha credibilidade e ganha espaço político, ou se não dá respostas, lá está, a maioria absoluta, por si só, não é garantia para chegar até ao fim. Isso é uma evidência para nós.
Como vê a federação nacional de sindicatos que o Chega anunciou que está a promover? Acha que há uma luta de espaço entre o sindicalismo tradicional e um novo sindicalismo que ainda está indistinto?
As razões fundas para as pessoas virem aos processos de luta, como o caso dos professores são as justas reivindicações que têm e os problemas que sentem.
Não interessa a origem de onde surgem esses movimentos?
Não, porque o que dá corpo é as reivindicações. Ou seja, se é possível termos assistido agora, nesta última semana em particular, mas também antes disso, a este conjunto de participação altíssima dos professores nas greves, nas acções nas capitais distrito por aí fora (como temos visto no caso dos professores, mas há outros casos), não é pelos bonitos olhos do dirigente sindical ao A, B ou C, é pelas justas reivindicações que exigem e os problemas que enfrentam e que precisam de ser resolvidos.
É isso que faz com que as pessoas venham naturalmente à luta, à reivindicação, à justa reivindicação. Essa é uma questão. Depois há outra que é: as pressões de organização e de mobilização do ponto de vista social são muitas e nalguns casos, algumas coisas que são apresentadas hoje como novas, já existiram no passado, em muitos outros momentos, depois desapareceram, voltaram a aparecer, é mesmo assim, não há aqui nenhuma questão com isso. Mas acho que não é positivo, na minha opinião, claro, que se procure encontrar aqui focos de tensão e de confronto, no fundo, entre forças que procuram dar expressão pública às reivindicações e às preocupações de quem defendem. Não é por aí.
Um sindicato como o STOP não assusta ninguém? Por exemplo, a FENPROF.
Não. Naturalmente que não falarei em nome da FENPROF, mas julgo que a preocupação da FENPROF neste momento não é propriamente essa. Acho que é o problema das carreiras, o problema do respeito pelos professores, o problema da mobilização e da exigência desses direitos, que acho que os professores têm razão naquilo que estão a exigir, na luta pela escola pública. Acho que essa é a preocupação central, penso eu, julgo eu, da FENPROF. Pelo menos é isso que tem se demonstrado publicamente.
Ainda acredita que pode haver um acordo entre estes sindicatos de professores e o Ministro da Educação?
Quero dizer com toda a franqueza que acho que o Governo não tem alternativa se não encontrar soluções. Sinceramente não estou a ver que o Governo tenha outra alternativa que não seja encontrar soluções para este problema.
E o Presidente da República devia meter-se aqui ao barulho?
A ideia que tenho, daquilo que tenho assistido, aliás, como todos nós, é que por parte do senhor Presidente este problema não lhe tem passado ao lado. E já fez uma ou outra intervenção pública onde torna isso claro, não lhe tem passado ao lado, numa procura também de encontrar soluções que sejam razoáveis desse ponto de vista.
Há aqui uma ameaça de radicalização de posições, como alertou o Presidente da República em relação ao parecer pedido à PGR pelo Governo?
Acho que o Governo foi por um mau caminho desse ponto de vista, na minha opinião. Acho que foi por um mau caminho e espero estar completamente enganado mas vamos lá ver se esta situação dos professores não é propriamente um protesto para alteração, um objectivo de alterar a lei da greve. Mas isso é outro assunto.
Acha que há esse perigo de haver uma alteração à lei da greve?
Acho que se se vai por aí, por onde o Ministério de Educação entendeu ir, pode abrir esse caminho. Pode abrir esse caminho. Mas acho que o Governo fez mal em ir por aí e acho que fez mal em ter dito de uma forma tão peremtória que nas questões de fundo não tinha disponibilidade para negociar. Estão sempre a tempo de rever esse posicionamento. Aliás, acho que é inevitável que o reveja.
Ainda não o ouvimos falar em objetivos eleitorais. Numas legislativas, seja em que altura for, o que seria um bom resultado para o PCP? Ter mais dos seis deputados que tem agora?
Aquilo que nos preocupa neste momento é fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para resolver o problema das pessoas, com o que as pessoas se confrontam. Temos uma situação económica desastrosa. Há poucos dias, conhecemos aquele relatório, penso que do INE se não estou em erro, sobre a situação da pobreza no ano 2021. Já tinha diminuído face a 2020, mas a situação de hoje, 2022, não é essa. É uma situação completamente diferente. Até porque os valores de referência para apurar esse valor hoje, os 551 euros que é a referência para esse elemento, valiam em 2021, hoje não valem o mesmo. Com esse valor temos muito menos capacidade de aquisição. É aquilo que nós estamos a procurar focar e centrar a nossa prioridade nos problemas das pessoas e em forçar que haja respostas a esses problemas. É claro que não passamos ao lado das eleições, mas, à partida, estarão distantes. Sendo que as primeiras que temos aí são este ano já, na Madeira, e portanto nós estamos muito convictos de que estamos em condições e achamos que é uma necessidade do povo madeirense que haja um reforço do ponto de vista da CDU na região autónoma da Madeira. O reforço implica mais votos, mais percentagem e mais eleitos. É para aqui que estamos.
A semana passada Hugo Soares, o secretário-geral do PSD, estava certo de uma maioria absoluta do PSD na Madeira.
Se calhar esse dirigente do PSD tem informações que eu não tenho se já sabe o resultado que vai haver numas eleições que ainda não existiram. Mas, independentemente desse otimismo desse dirigente do PSD, a nossa aposta é esta. E estamos convictos que vamos reforçar, fazer tudo para reforçar e essa é a primeira batalha. Depois temos ainda a batalha do Parlamento Europeu. E se o calendário correr normalmente, depois é que virão as legislativas.
A sua primeira prova eleitoral enquanto secretário-geral será na Madeira.
É na Madeira. Estava escrito nas estrelas que a minha primeira prova eleitoral é na Madeira. É o primeiro espaço eleitoral onde nós vamos concorrer depois desta nova alteração, e, portanto, esse será o primeiro pelo qual também darei o rosto e participação. Espero participar ativamente na campanha na Madeira, tanto quanto for possível.
E será possível ainda vermos o PCP ir a umas eleições sozinho, sem a sigla da CDU, seja agora na Madeira ou no ciclo eleitoral que se vai prolongar até 2026?
Nós temos uma opção no plano eleitoral do qual nos orgulhamos muito,
que é a opção de concorremos numa coligação que vai para lá do PCP. E talvez com uma das questões mais negativas das últimas eleições legislativas, para além do resultado que tivemos, que não é um resultado satisfatório, como é evidência — perdemos votos, perdemos deputados, perdemos percentagem, portanto, isso não é bom, para nós não é bom, mas não é bom como se está a demonstrar agora para a batalha política que temos pela frente, em particular para responder aos problemas das pessoas —, mas o outro elemento que também não foi positivo foi o facto dos nossos aliados deixarem de ter representação parlamentar, o Partido Ecologista Os Verdes. E tanta falta faziam no momento em que estamos. Nós estamos muito confortáveis com a coligação pela qual disputamos as eleições, que envolve o Partido Ecologista Os Verdes, que envolve a Intervenção Democrática, e que tem uma outra particularidade que é que envolve um conjunto de gente sem filiação partidária, mas que encontram na CDU essa plataforma eleitoral para poderem participar e dar o seu contributo.
Nunca foi ponderada a hipótese de o partido ir a votos sozinho?
Não posso dizer que nunca foi ponderada. Não tenho condições de afirmar isso. Se tivesse que descartar, estaria a faltar ao rigor.
Não haveria vantagem?
Não, não. A vantagem da CDU é exactamente essa, é que é um espaço de batalha eleitoral onde nós vamos mais longe com outros numa plataforma comum. Ora, uma plataforma comum também tem em conta os nossos objectivos, as propostas, os nossos aliados com quem concorremos. Isso acrescenta, não diminui, isso acrescenta. Do ponto de vista eleitoral, acho que acrescenta.
O PCP tem apresentado sempre as mesmas caras às eleições, como João Ferreira. Considera que há uma falta de protagonistas e que é preciso renovar os candidatos nos próximos actos eleitorais?
Talvez a minha presença aqui hoje seja exactamente contra aquilo que afirmou porque se havia protagonista que certamente não seria esperado, era o próprio papel que estou a ter hoje. Portanto, acho que não é por aí, acho que nós temos tido uma capacidade de renovação desde logo de dirigentes, do ponto de vista de responsáveis do partido. Talvez não haja muitos partidos com esta capacidade.
Aliás, uma das indicações do projecto de resolução da Conferência Nacional era essa, a de reforçar [o PCP] com outros nomes e com juventude.
Sim, e estamos muito apostados nisso e fazemos isso com muita naturalidade. Talvez um dia alguém que queira perder um bocadinho de tempo com isso possa fazer até um estudo sobre isso para perceber que há uma parte das coisas que dizem sobre nós que não têm nenhuma ligação à realidade. Nós estamos muito confortáveis com todos aqueles que lançamos para essas batalhas eleitorais. É o caso do camarada João Ferreira, do camarada João Oliveira e outros que assumiram diferentes responsabilidades, que assumiram diferentes protagonismos em diferentes batalhas e posso garantir com toda a certeza que não dispensaremos nenhum desse conjunto de quadros muito valiosos que temos para qualquer uma das batalhas que tivermos pela frente no futuro, independentemente das vezes que já foram. Se isso é uma mais-valia para o nosso trabalho, se é um reforço para a nossa batalha, contaremos com eles.
Numa entrevista recente à TSF, Paulo Raimundo admitiu integrar um Governo, mas em que condições é que o PCP aceitaria integrar esse governo? Que critérios é que teriam de ser seguidos? A saída do Euro, por exemplo? Ou a saída da Nato?
A essa afirmação depois até foi acrescentada uma outra, que foi: nós admitimos integrar um governo como temos a ambição de formar um Governo. E partindo de uma ideia: de que ao integrar ou formar um governo não contamos só connosco para essa batalha. Contamos com outros também. Agora é claro que nós não podemos integrar um Governo nem formar um Governo que seja um Governo para manter o caminho que está a ser seguido. Isso é uma evidência e é preciso romper com esse caminho.
E que critérios, se puder dar exemplos?
Um Governo que nós integremos ou formemos é um Governo que tem de dar resposta a uma emergência nacional com que nos confrontamos, que é o aumento dos salários. É um Governo que não pode passar ao lado, como se não se passasse nada, destes milhares de milhões que se vão lucrando sem que haja uma beliscadela nesses seus lucros. Isso não é possível. É um governo que, ao contrário daquilo que o PS optou e que é apoiado pelo PSD, pelo Chega e IL, olha para o Serviço Nacional de Saúde como um prejuízo. Tem que ser um Governo que invista no Serviço Nacional de Saúde. Tem que ser um Governo que coloca as questões da produção nacional e das capacidades que temos ao dispor do país e do desenvolvimento.
Vou dar um exemplo concreto. Há duas semanas fizemos uma iniciativa em Elvas sobre as questões da produção alimentar. Um Governo que o PCP integre ou que forme é um Governo que olha para o problema da produção, em particular dos cereais, como um problema a resolver. Nós temos 3%, nós produzimos 3% de todo o trigo que consumimos. Ora, um país como o nosso tem que caminhar para um aumento brutal da sua produção, desse ponto de vista, para diminuir a dependência externa do trigo. Não estamos a falar de bens supérfluos.
Um Governo que nós formemos ou que integremos tem que olhar para o problema demográfico, que é uma questão muito badalada nesses últimos dias, atacando onde é preciso atacar. Ora, e para atacar o problema demográfico é preciso atacar as condições que os pais, jovens ou menos jovens, não interessa, têm, condições de trabalho, salários, para poderem optar por ter filhos. E é preciso que os filhos também tenham respostas públicas.
E política de nacionalizações?
Claro, é uma evidência. Talvez haja dois exemplos muito evidentes. Vamos começar pela Galp, pela Petrogal. Nós decidimos entregar a Petrogal de mão beijada. E está aí a evidência do que significou do ponto de vista da incapacidade do Estado de ter nas suas mãos um instrumento que neste momento tinha sido decisivo. Porque os os 680 milhões de euros que a Galp teve de lucros nos primeiros nove meses do ano passado, davam muito jeito à nossa gestão pública.
Por exemplo, a EDP, a REN. Nós temos um país onde a empresa que faz a distribuição da rede eléctrica está nas mãos privadas. Voltando ao aeroporto, o problema da ANA. A ANA é um caso típico de entregar a gestão dos aeroportos, a gestão do tráfego aéreo aos privados. Ora, isto não é possível. Podemos dizer assim: mas se chegassem amanhã nacionalizavam tudo? Ora, isso sabemos que não é possível. Mas há um conjunto de sectores, estes que referimos agora, por exemplo, que são fundamentais para a gestão do país. Ora, isso não pode estar entregue nas mãos dos interesses privados que tanto compram as electricidades como amanhã vendem sapatos. É essa a experiência que temos.
Caso o PCP viesse a integrar ou a formar Governo, uma das medidas que tomaria seria a ilegalização de um partido como o Chega?
Não me parece que isso seja a principal preocupação a que fosse preciso dar resposta no dia seguinte. Sinceramente, o nosso povo tratará bem desse problema. Se nós chegássemos amanhã ao Governo, de certeza que essa não era a nossa principal prioridade.
E como é que se resolveria aquilo que diz ser um problema?
Desde logo, a partir do momento em que havendo um Governo que dá respostas no plano político, no plano social e no plano económico aos problemas que as pessoas enfrentam, todo esse espectro perde espaço. É isso que é preciso fazer. Tudo o que seja não dar resposta aos problemas das pessoas é alimentar esse espectro político. E, portanto, lá está, a primeira prioridade era que linhas se tomam para responder aos problemas das pessoas.
Eleitoralmente não é partido que lhe faça sombra ou que o preocupe em demasia?
É claro que um partido com os princípios que tem, com os objectivos que defende, não é uma coisa que nos fique indiferente, como é lógico. Estaria a mentir se não o dissesse. Mas a questão que se coloca é que, se chegássemos amanhã ao poder, e esperemos que cheguemos o mais perto possível, era preciso dar resposta aos problemas das pessoas porque é isso que faz com que se retire espaço político a essas formas e a esses projectos.
Seria mais fácil integrar um governo do PS com António Costa primeiro-ministro ou um PS que tivesse à frente Pedro Nuno Santos, da ala mais à esquerda?
O que sabemos na prática é que os nomes que referiu, um ainda é primeiro-ministro e o outro é ex-ministro, mas estiveram juntos no Governo durante sete anos.
Mas um é da ala mais à esquerda do PS, reconhecidamente.
Isso pode ser tudo verdade, mas o que vou dizer também é verdade. Estiveram sete anos no mesmo Governo. Não foi dois meses. Depois zangaram-se. Foram sete anos. Ora, as opções de fundo do PS que nós condenamos têm o dedo e a marca, entre outros, desses dois dirigentes que referiu do PS. Aquilo com que estamos confrontados no momento em que estamos é um confronto político e ideológico de grande dimensão, onde há uma opção de atacar tudo o que é público, a TAP, o SNS, que [o PS] quer abocanhar, no nosso entender, e a opção de uma necessidade de ruptura política com este caminho. E nós temos esse projecto, que é a alternativa patriótica e de esquerda, assente naqueles princípios de que ainda há pouco falámos. No fundamental, são esses princípios. E, no nosso entender, o caminho da alternância que se está a procurar impor, é um caminho de acentuar este rumo que está em curso. Ora, o que nós precisamos é de romper com este rumo. E, para isso, precisamos de todos os que o quiserem.
Sim, mas com Pedro Nuno Santos seria mais fácil negociar para o PCP uma nova geringonça.
Não, está-me a pôr uma pergunta, na minha opinião, ao contrário daquilo que nós pusemos. Porque a pergunta é em função de qual é a solução de direção do PS e quais são os caminhos, eventualmente, que o PS tome e, depois vocês [PCP] ajeitam-se a isso ou não se ajeitam? E eu estou a colocar uma coisa diferente, a colocar que, perante a situação que temos, no nosso entender, é preciso haver uma ruptura com este caminho. Caminho esse, com que esses dois protagonistas estão de acordo. E que é preciso haver uma alternativa e não uma alternância. E é, para a política patriótica de esquerda que nós estamos abertos a que venham todos aqueles que quiserem. Não é propriamente fazer um fretezinho, deixa-me lá passar a expressão, ou pôr umas florzinhas na jarra.
Mas Pedro Nuno Santos era um defensor da geringonça. Não admite vir a formar uma nova geringonça com os putativos sucessores do PS e BE, Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua?
A situação de 2015 é uma situação muito particular. Talvez seja irrepetível. Nas circunstâncias onde se realizaram, mesmo nessa altura, como sabem, não integrámos Governo nenhum. E não integrámos porquê? Porque nas questões de fundo não estávamos de acordo com o caminho que o Governo ia seguir. Não tínhamos nenhuma ilusão sobre isso. E sabíamos que havia de chegar um momento, mais cedo ou mais tarde, em que essas contradições e esse rumo tinha que ser clarificado. E o PS decidiu chantagear e clarificou. E fez as opções que fez. E olhe, os resultados estão à vista.
Em entrevista à Lusa, disse que uma parte dos militantes que saíram do PCP em 2000 “fazem muita falta”. Desde então, já houve algum ex-militante renovador a regressar?
Sinceramente, não sei. Não sei no concreto. Queria apenas acrescentar
a essa afirmação a ideia, que é uma convicção que tenho, de que por várias razões, razões diversas, a partir de assuntos diversos, [há] um conjunto de gente que se afastou do partido, com razões que respeitamos, mas que olha para o partido, apesar de tudo, como um partido confiável. Um partido que não é de troca-tintas, um partido que, independentemente do que custe a verdade, diz a verdade. Olhando para o partido dessa forma, aquilo que dissemos é que a gente que reconhece isso no PCP, tem todo o espaço para intervir com o PCP. Uns ao lado, outros dentro, e outros nem ao lado nem dentro, mas alinhando nas grandes questões que são precisas colocar. E perante a situação em que estamos, do ponto de vista social e económico, é preciso que toda essa gente venha para a resposta política e social.
Estavam proscritos e agora já podem regressar?
Não, porque estamos a falar de pessoas que no fundamental tomaram, voltando a dizer, respeitando essas opções, tomaram individualmente essa opção. Decidiram sair por razões várias.
Mas alguns foram expulsos ou suspensos…
Sim, isso é outra coisa. Os que foram expulsos incumpriram as regras que todos aceitaram.
Mas passado este tempo todo que passos efectivos está disposto a dar para que esses ex-militantes regressem? Admite anular as penas de suspensão e de expulsão?
Não, vamos lá ver, a gente tem um debate feito há 20 anos atrás. Estive nele também, foi muito intenso. E o PCP decidiu seguir o caminho que seguiu. E o PCP é o quê? É este, não é outro. E, portanto, não se peça ao PCP para alterar agora o que é. Não, isso é uma evidência, não é por aí. Agora, nós, desde Janeiro do ano passado até agora temos mais de 2.400 novos militantes no partido. Gente muito diversa, eventualmente alguns que por esta ou por aquela razão se afastaram, eventualmente, não tenho nenhum nome em concreto para lhe dizer, também acho que não é importante. E, portanto, temos o espaço para isso, para integração, para envolvimento, e precisamos que essa gente toda venha, e cada vez venha mais gente ao partido, para assumirem nas suas mãos a construção do partido, que, lá está, queremos que seja mais forte, que tome a iniciativa, a partir das conclusões também da conferência, que era uma das questões que estava colocada do ponto de vista dessa intervenção social.
Mas quando diz que esses ex-militantes podem regressar ao partido desde que não queiram mudar as regras do PCP, isso significa que rejeita alterar o modo de funcionamento do partido, por exemplo, em relação à eleição do secretário-geral, que muitas vezes é vista de fora como um pouco democrática?
Quando nos inserimos num espaço colectivo, seja qual for, temos que estar disponíveis para estar de acordo com as regras ou pelo menos praticar as regras que estão aí em cima da mesa. A nossa discussão há 20 anos foi muito clara desse ponto de vista, o partido decidiu o rumo que decidiu, os sucessivos congressos têm decidido os princípios de funcionamento do PCP, os militantes que cá estão respeitam esse modo de funcionamento, e a ideia que tenho é que não somos menos democráticos do que outro espaço, outro partido qualquer, pelo contrário. Já disse isso várias vezes, e gastamos horas e horas a construir a opinião colectiva, e o nosso modo de funcionamento é este. A eleição do secretário-geral é um exemplo disso, o mesmo comité central que decidiu este secretário-geral, é o mesmo comité central que decidirá quando entender que haverá outro ou não haverá nenhum.
O PCP, aconteça o que acontecer, não vai mudar o perfil ideológico? A aproximação ao PS em 2015 e a uma esquerda mais ao centro durante a geringonça, serviu de emenda ao partido para não se descentrar daquilo que é a origem do PCP? É dos que acham que esse foi um erro que não pode voltar a ser cometido?
Estou muito confortável com a decisão que tomámos em 2015, é uma decisão extraordinária, e que não teve, pegando nas suas palavras, nenhum caminho de aproximação ao PS. Em 2015 tínhamos uma situação, como sabemos, do fim de um Governo PSD e CDS, um Governo altamente destrutivo do ponto de vista económico e social do nosso país, um Governo que tinha um plano de continuar esse caminho de destruição — era acabar com o resto, — e o que fizemos em 2015 foi travar esse Governo. Havia condições objectivas que permitiam acabar com esse Governo. Foi o que aconteceu. Havia uma maioria parlamentar que por si só conseguia acabar com esse Governo e foi o que fizemos. Sem nenhuma ilusão de que o PS tinha mudado a sua natureza, e os seus objectivos, mas aproveitámos a oportunidade, primeiro, de travar o Governo PSD e CDS, e de forçar o PS, do ponto de vista económico e social, tendo em conta as circunstâncias políticas onde tinha ido para o Governo, de não ir tão longe como aquilo que iria se fosse noutras circunstâncias. E foi isso que aconteceu.
O que é que foi possível fazer? Reverter um conjunto de malfeitorias que tinham sido feitas pelo PSD e CDS e permitiu que se fosse um bocadinho mais longe do que aquilo que o PS alguma vez gostaria de ter ido, aliás, processo esse tão importante, que rapidamente o PS na primeira oportunidade que teve, acabou com ele. Foi isso que aconteceu. Não só não estamos arrependidos do que fizemos em 2015, como não estamos arrependidos em nada da forma como votámos o Orçamento de Estado que levou à antecipação das eleições. Aliás, a realidade demonstra a razão que temos.
Quem quiser regressar, aqueles que foram excluídos, nada mudará no PCP para que essa receção seja, de facto, confortável?
Não, não somos imutáveis, nem estamos parados no tempo, ao contrário do que às vezes se pode dizer. Aliás, fizemos uma conferência nacional onde apontámos 20 linhas de trabalho de reforço no plano político, no plano orgânico, no plano da inserção na sociedade. Se fizemos a conferência e se apontámos essas linhas de trabalho é porque achámos que pelo menos nessas 20 questões precisávamos de ir mais longe. Não estávamos bem. Isso é uma constatação de facto. E, portanto, esse é um caminho. Agora, se me disser assim, do ponto de vista dos princípios ideológicos a que me referi, vamos mudar alguma coisa? Estou convencido de que não só não vamos mudar, como precisamos de aprofundar porque o que a situação nos revela no país e no mundo é que aquilo que defendemos está cada vez mais actual.