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A tradição já não é o que era. Em Portugal, como no resto da Península Ibérica, o "Pão por Deus" vai sendo substituído pelas festas de Halloween. Mas, enquanto o Dia de Todos os Santos, que a Igreja assinala a 1 de novembro, festeja sobretudo a vida, a celebração importada, de raízes pagãs, faz o “culto da morte”, recorda à Renascença o padre Tiago Esteves.
”O Dia de Todos os Santos celebra a vida, o Halloween celebra sobretudo a morte, e até o terror. Não é por acaso que muitas vezes os cinemas têm os filmes de terror nesta altura”, começa por sublinhar.
Para o professor de Teologia da Universidade Católica (UCP), e formador do Seminário dos Olivais, “há um paradoxo no próprio termo Halloween, porque significa 'All Hallows Eve' - véspera de todos os Santos. Mas, a sua concretização já não é - pelo menos hoje em dia, na cultura anglo-americana - aquela de celebrar os Santos. É a que remonta, sobretudo, ao período celta e bretão, em que era o Samhain, que marcava o fim do inverno e da época de colheitas. Era uma celebração pagã, em que acreditavam que se abria a porta dos mortos, e era preciso apaziguar os espíritos com sacrifícios de animais”.
A dada altura houve uma cristianização dessa festa pagã. “Quando os monges irlandeses chegaram e conheceram estas culturas, a Igreja, que já celebrava os Santos, achou conveniente cristianizar este momento, precisamente porque o Samhain celebrava-se no 1 de novembro. Então começou-se a celebrar o Dia de Todos os Santos nesta altura. O cristianismo ocidental, latino, celebra no 1 de novembro, pelo menos desde o século IX. O cristianismo oriental tende a celebrar no primeiro domingo depois de Pentecostes”, explica.
É neste contexto que surge a tradição muito particular do "Pão por Deus", que para o padre Tiago seria importante os católicos esforçarem-se por manter.
“A cultura portuguesa - e ibérica em geral, mas a portuguesa em particular - tem o ‘Pão por Deus’, que eventualmente se pode estar a perder, pela influência anglo-americana, que chega muito pelas séries, pelos filmes, pela chamada 'Pop Culture'. Mas, o ‘Pão por Deus’ é uma riqueza cultural que temos, muitas vezes associada a ajudar os mais carenciados, o dar o pão aos pobres. Não a devíamos perder.”
“Devíamos incentivar e estimular o ‘Pão por Deus’ e o culto dos Santos, da vida e da alegria, porque uma das coisas que a Festa de Todos os Santos nos transmite sempre é a alegria da esperança. A morte e as trevas não são o fim absoluto”, sublinha ainda
Atualmente, e apesar da pressão cultural ter feito com que a sociedade portuguesa se tenha rendido ao que chega de fora, sem pensar muito no significado, o padre Tiago conta que em alguns locais já há um esforço por fazer diferente e celebrar o "All Hallows Win" (Os Santos Vencem).
“Sei que já há paróquias que o fazem, promovem nas catequeses o vestirem-se (as crianças) de Santos e não de mortos, vampiros, ou de personagens mais desagradáveis que apelem ao culto da morte, mas sim à vida. Vestirem-se como um Santo”.
Para este responsável, no atual contexto de violência e guerras por todo o mundo ainda se justifica mais ir contra a corrente. E diz que celebrar o Dia de Todos os Santos – incluindo os anónimos – a 1 de novembro, e a 2 o Dia dos Fiéis Defuntos, lembrando quem já partiu, é a forma de os católicos “transmitirem esperança”. E a Igreja e os católicos, diz, “até do ponto de vista social” têm a responsabilidade de olhar e viver “esta lógica da esperança e do perdão”.
“O Dia de Todos os Santos é o dia de celebrar a vida que continua, a vida eterna. Além dos Santos que normalmente já conhecemos, e que muitas vezes até são Santos populares - conhecemo-los de nome, dos altares das igrejas -, é lembrar aqueles que muitas vezes não sabemos o nome, mas que viveram uma vida honrada e santa”. E também os “santos ao pé da porta”, como lhes chama o Papa Francisco na Exortação Apostólica ‘Gaudete et Exsultate” (‘Alegrai-vos e Exultai, 2018).”.
“O Santo, mais do que absolutamente perfeito, é aquele que 'nunca desiste de se levantar', como ensinava João Paulo II”, refere ainda o padre Tiago, considerando que faz todo o sentido que estas duas festas - Todos os Santos e Fiéis Defuntos - estejam próximas. “É precisamente para acentuar a comunhão de todas estas coisas”, e lembrar que a Santidade “é possível para todos, não é apenas para alguns privilegiados. É, no fundo, outra palavra para dizer 'felicidade' e bem-aventuranças”.
“Vamos ouvir no Evangelho deste Dia de Todos os Santos, referências aos 'bem-aventurados', os pobres de espírito, etc... A Santidade é um nome que ganhou muitas conotações, de grande heroísmo - e é verdade, tem a ver com isso também-, mas é sobretudo, com a graça de Deus, uma resposta diária, muitas vezes na simplicidade de uma vida justa, honrada, simples, discreta, mas Santa. É viver a fazer o bem