Governo quer investigação aos “autores morais” dos incêndios. MNE admite interesses económicos, "eventualmente" do setor da madeira
19-09-2024 - 07:00
 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Helena Pereira (Público), Marta Pedreira Mixão (gravação vídeo) e Beatriz Garcia (gravação áudio)

Na sequência do Conselho de Ministros extraordinário desta semana sobre os incêndios, o número dois do Governo explica a medida de “perseguição criminal” anunciada pelo primeiro-ministro. Paulo Rangel diz que é preciso investigar os “autores morais” de fogos postos e os potenciais interesses económicos por trás disso, afastando o agravamento das molduras penais.

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O Governo quer que a investigação aos incêndios florestais passe a ser alargada aos potenciais “autores morais” do fogo posto. Paulo Rangel explica assim a medida anunciada pelo primeiro-ministro, que no Conselho de Ministros extraordinário falou de “interesses” em torno dos recentes fogos florestais. Questionado sobre se do universo desses “interesses” pode fazer parte o setor madeireiro, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros responde que “eventualmente”, mas é preciso que se investigue.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, o número dois na orgânica do Governo diz desejar “profundamente” o “sucesso” do diálogo com o PS sobre o Orçamento do Estado. Paulo Rangel nota que quer os socialistas, quer o Chega já têm “uma parte importante de autoria ou de assinatura” no Orçamento e diz ter a “convicção” que o diploma será aprovado. “Os portugueses querem estabilidade e não querem eleições”, afirma.

Tivemos um Conselho de Ministros extraordinário esta semana e o primeiro-ministro anunciou que o Governo vai atrás de eventuais criminosos por fogo posto. Isto quer dizer exatamente o quê?

A primeira coisa que é preciso dizer é, naturalmente, lamentar a perda de vidas. Depois lamentar a perda de danos, que é enorme e que tem desta feita uma característica diferente de outros: há imensas empresas afetadas.

A perseguição criminal tem sido sempre feita, e bem, junto daqueles que são os autores materiais, as pessoas que vão fazer as ignições. Umas vezes sabemos que isto até está ligado a um quadro psicológico, de piromania, noutros casos, não se percebe exatamente quais são os interesses que estão por trás disto. E, portanto, o patamar para o qual o primeiro-ministro subiu é que a investigação criminal deve centrar-se não apenas nos autores materiais.

Há interesses particulares, chamou-lhe o primeiro-ministro. Que interesses particulares é que são esses? Estão identificados?

Não. Se se pede que haja investigação, é para saber porque é que surgem às vezes tantas ignições ao mesmo tempo. Portanto, parece que há um interesse objetivo em provocar incêndios de alto calibre. Aquilo que se pretende é fazer também investigação nesse plano, isto é, se há autores morais, se há interesses, económicos, outros...

De madeireiros?

Eventualmente, não sei, não faço ideia. Isso cabe à investigação criminal, não cabe ao executivo determinar isso.

É que isto lança suspeitas, sobre, por exemplo, empresários ligados à madeira.

Não, isto não lança suspeitas sobre ninguém. Se nós todos temos a perceção de que existe um número anormal de incêndios, tem que ver com o quê? Temos de fazer essa investigação.

Aquela declaração do primeiro-ministro parecia um pouco para rivalizar com um certo discurso populista do Chega.

Isso é injusto, sinceramente. Por exemplo, não se falou no aumento das penas, que é normalmente a retórica populista. Sinceramente, isto não é nenhum populismo. A firmeza não é populismo. Isto é um pouco como defender a imigração regulada. É a mesma coisa. Isto não é populismo nenhum. Uma coisa são aqueles que comentam o discurso de ódio, xenofobia e que são contra as migrações e que fazem perceções erradas. Outra coisa totalmente diferente dessa é dizer, por exemplo, nós precisamos de imigração regulada, nós precisamos de caminhos legais para a migração.

Este discurso firme não é um discurso populista. É um discurso que é um discurso correto e adequado, pelo menos do ponto de vista daquele que é o programa do Governo. Nesta questão da perseguição criminal, estamos a falar da mesma coisa. O que nós não podemos ficar é parados.

Acha que o PS está de boa-fé nas negociações do Orçamento ou está à procura de pretextos para não viabilizar o Orçamento?

Não vou fazer qualificações sobre o PS. As forças que apoiam o Governo, o PSD e o CDS, estão de boa-fé, de certeza. Queremos, com todas as nossas forças, que Portugal tenha um Orçamento aprovado. Se nós pensarmos que temos o PRR num ano crucial da sua execução, que será 2025, ter um quadro orçamental estabilizado e aprovado é algo muito, muito importante. Todo o nosso esforço será posto nisso sempre com abertura para dialogar com todos, sempre de boa-fé, de modo que se encontrem pontos de convergência.

E acha que isso tem existido do outro lado, do Partido Socialista?

Como desejo profundamente que tenhamos sucesso neste diálogo, fazer qualificações ou adjetivar esta ou aquela reação só para fazer mais uma pequena manchete é uma coisa que eu não vou fazer.

Houve intransigência da parte do líder do PS, por exemplo, na questão da política fiscal, do IRS jovem e do IRC?

Não vamos desvirtuar o OE. Repare que o PS e o Chega têm sido aliados objetivos em matéria com impacto orçamental. Os dois procuram fazer de conta que não têm nada a ver um com o outro, mas os dois, objetivamente, têm-se aliado e já influenciaram bastante o Orçamento. Já têm lá uma parte importante de autoria ou de assinatura no Orçamento. O objetivo do Governo é aprovar o OE. Vai trabalhar em boa-fé, mas vai trabalhar também com um rumo. O Governo tem determinação e tem uma linha. O Governo não é um governo mole.

O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, tem dito muitas vezes que está perfeitamente convicto que o Orçamento vai ser aprovado e que o PS e o Chega vão aprovar ou viabilizar o Orçamento. Também acha o mesmo?

Também tenho essa convicção. Os portugueses querem estabilidade e não querem eleições. E, portanto, acho que os partidos vão chegar ao momento em que, conscientes dessa sua responsabilidade para com os portugueses, vão ter o entendimento de deixar o Governo governar sem deixar de dar a sua contribuição no plano parlamentar.

É preciso pensar nos interesses de médio prazo e isso exige negociações que sejam feitas com calma e com algum recato e temos ainda tempo para elas.

E se o Orçamento for chumbado, é possível governar o país com duodécimos ou não?

Não vou tecer outros cenários alternativos.

Mas em 2021 houve um Orçamento que foi chumbado e houve uma dissolução do Parlamento e, na altura, o seu partido era favorável a eleições antecipadas. A situação mantém-se ou não?

Na dinâmica política, cada conjuntura política é diferente. Mas volto a dizer, o nosso desiderato é ter o Orçamento aprovado. E é tê-lo em condições que sejam condições de o Governo poder executar aquele que é o seu programa.