Bispo de Pemba. “Ainda há aldeias a serem queimadas e pessoas a serem mortas”
18-03-2022 - 15:38
 • Henrique Cunha

Em entrevista à Renascença, D. António Juliasse alerta que o número de deslocados continua a aumentar e pede ao mundo que não se esqueça da crise humanitária em Moçambique.

“Ainda há aldeias a serem queimadas e pessoas a serem mortas”. Bispo de Pemba confirma em entrevista à Renascença que prosseguem os ataques terroristas na região de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique.

D. António Juliasse revela que, na quinta-feira, “foram encontradas oitos pessoas mortas” nas proximidades de Pemba, que provavelmente “morreram de fome”.

O bispo admite que ainda “ninguém sabe como aconteceu, mas provavelmente são pessoas que estavam a fugir de algum lugar e que tendo feito a caminhada pelas matas não conseguiram chegar até ao ponto de ajuda”. “E provavelmente morreram de fome ou de alguma outra situação”, lamenta.

Nesta entrevista à Renascença a partir da cidade de Pemba, o bispo garante que o número de deslocados continua a aumentar e assegura que as notícias dos ataques continuam a chegar.

D. Juliasse afirma que continua a receber notícias “através dos nossos cristãos que estão nas comunidades e que vão reportando que os ataques ainda continuam”.

O bispo refere que “são ataques esporádicos”, mas “há aldeias ainda a serem queimadas, pessoas a serem mortas”.

“E temos novos deslocados que estão a chegar sobretudo quando foram atacadas as aldeias de Miluko, e mais de 1.500 deslocados novos foram chegando às zonas que são ou menos seguras, na zona centro e sul da diocese”, acrescenta.

Guerra na Ucrânia e a necessidade de a solidariedade continuar em Cabo Delgado

Nesta entrevista à Renascença, o bispo de Pemba reforça o apelo à solidariedade, lembrando que “na província de Cabo Delgado ainda estamos com mais de 800 mil deslocados” e que “agora que o período das chuvas chegou há riscos muitos grandes de surgimento de doenças ligadas à falta de condições”.

O prelado, que no dia em que o Papa confirmou a sua nomeação como titular da Diocese de Pemba pediu para “que o mundo não esqueça Cabo Delgado”, diz à Renascença que “parece que a guerra na Ucrânia polarizou toda a comunicação e toda a atenção em termos de solidariedade do mundo está ligado à guerra, à Ucrânia”. D. Juliasse lembra que existe “o grande risco de o mundo esquecer o que está a acontecer em outras partes, onde também o sofrimento é grande como é aqui em Cabo Delgado, no norte de Moçambique”.

E um dos efeitos da guerra na Ucrânia mais temido pelo bispo de Pemba está relacionado com o Programa Alimentar Mundial (PAM) que, em junho do ano passado, já foi obrigado a reduzir a ajuda aos deslocados.

As dificuldades do PAM, relata, levaram a que “um kit que era para um mês passasse a partir de junho do ano passado para dois meses”.

“Com a atenção do mundo centrada na Ucrânia, nós podemos sofrer muito mais aqui em Cabo Delgado dos efeitos desta guerra no campo da alimentação”, alerta.

Por isso, D. António Juliasse renova o apelo: “Temos de ser solidários. Sim para o povo da Ucrânia e condenarmos a guerra e todo o tipo de ação que vai contra o sentido da vida, mas ao mesmo tempo apelo à solidariedade do mundo para com Cabo Delgado, para com 800 mil pessoas deslocadas que estão nos campos de reassentamento em Cabo Delgado”. “Estão crianças, estão mulheres, estão os idosos. Estão todos com o rosto de sofrimento e com um certo desespero em relação ao futuro que vai ser e sem culpa”, reforça.

Marcelo amigo de Moçambique

Nesta entrevista à Renascença, o bispo de Pemba não deixa passar em claro a presença do Presidente da República em Moçambique, para enaltecer a ajuda de Marcelo Rebelo de Sousa à população moçambicana.

O Presidente da República doou o valor de um prémio aos deslocados, o que permitiu equipar um posto de saúde que foi construído graças a uma outra doação, neste caso do Papa Francisco.

D. Juliasse diz que receberam “através da Cáritas moçambicana o valor que ele (Marcelo Rebelo de Sousa) ofereceu” e adianta que “em Cabo Delgado estamos a usar este valor para equipar um posto de saúde que foi construído com o dinheiro também doado pelo Santo Padre, o Papa Francisco”.

“Teremos um hospital onde temos a construção da infraestrutura através da doação do Papa Francisco e a mobília do centro de saúde é do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Então nós ligamos duas pessoas simples muito atentas à realidade de sofrimento do mundo e em particular também atentas ao sofrimento de Cabo Delgado”, enfatiza.

D. António Juliasse, que era administrador diocesano, acabou por ser nomeado bispo de Pemba pelo Papa Francisco e diz que recebeu a nomeação com "muita serenidade e com muita tranquilidade, sobretudo por perceber que a Igreja de Cabo Delgado é necessitada de um pastor". “Recebi com sentido de gratidão apesar de ter consciência que o contexto que se vive em Cabo Delgado não é fácil", remata.