Algo falhou em Pedrógão porque "todos os incêndios começam pequenos"
19-06-2017 - 16:31

Paulo Fernandes, especialista em incêndios e gestão de floresta, não assina a tese de que se fez tudo o que foi possível fazer em Pedrógão Grande.

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O professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Paulo Fernandes, especialista em incêndios e gestão florestal, discorda da tese de que tudo o que havia para fazer no combate ao fogo em Pedrógão Grande foi feito.

Em entrevista à Renascença, Paulo Fernandes diz que, depois de um incêndio ganhar uma certa dimensão, não há mesmo nada a fazer, mas lembra que "todos os incêndios começam pequenos".

"A resposta inicial é crucial e, neste tipo de ambiente de fogo, desta meteorologia, tudo se joga nessa resposta inicial", enfatiza Paulo Fernandes.

Partilha da opinião de que era impossível evitar esta tragédia, pelo menos uma tragédia desta dimensão?

Não partilho dessa ideia, a não ser que haja, realmente, evidência de que não era possível. Mas, até que essa evidência apareça…

É verdade que se trata de um incêndio especial. É um tipo de fogo que não costuma ocorrer muito em Portugal. Tivemos, talvez, em alguns dias em Agosto de 2013, este tipo de incêndios que se designam por fogos convectivos, fogos que interagem muito com a atmosfera, que criam o seu próprio ambiente. No entanto, apesar disso, todos os incêndios começam pequenos. Portanto, a resposta inicial é crucial e, neste tipo de ambiente de fogo, desta meteorologia, tudo se joga nessa resposta inicial.

Do seu ponto de vista, houve falhas e atraso no combate inicial a este incêndio?

Não tenho informação sobre isso, mas, nas condições em que este fogo decorreu, se o combate não for imediato, é muito difícil de fazer seja o que for. Aliás, estes tipos de fogos, normalmente, são considerados fogos incombatíveis. Nos fogos de convecção, o mais sensato a fazer é nem sequer tentar combate-los, devido aos problemas de segurança e também de muito pouca efectividade de tudo aquilo que se pode fazer. É imediatamente após a deflagração que está a chave. A partir daí, vamos ter de esperar que as condições se vão modificando ao longo do tempo.

O país fala da prevenção há várias décadas. Identifica sinais de que continua a falhar essa prevenção?

Não lhe chamaria uma falha, porque o trabalho de prevenção é um trabalho contínuo e que tem de ser mantido ao longo do tempo. Demora décadas a dar frutos. Aliás, este tipo de fogo requer, obviamente, uma certa acumulação de combustível pronto a arder e essas condições existem em grande parte do território português.

Não há, praticamente, nenhum sítio do mundo onde essa prevenção seja feita. Este trabalho que é necessário fazer é um trabalho hercúleo e caro. Há muito poucos exemplos desse trabalho. Talvez só em algumas regiões na Austrália ou na Florida.

São bons exemplos que Portugal pode seguir?

Pode seguir, mas esses exemplos requerem que a floresta seja do Estado e que as entidades responsáveis do Estado, responsáveis pela floresta tenham os recursos disponíveis. Em Portugal, nem temos floresta do Estado e o nosso Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas tem cada vez menos recursos. Ao longo do tempo, foi ficando cada vez mais com tarefas de controlo e burocráticas do que de intervenção na gestão florestal.