“Temos organizações diferentes, mas o evangelho une-nos”
28-01-2020 - 07:37
 • Filipe d'Avillez

O arcebispo de Lahore, no Paquistão, fala dos desafios e dos frutos do diálogo ecuménico e inter-religioso, num país onde os cristãos são apenas 1,2%.

O arcebispo Sebastian Shaw esteve recentemente em Portugal para dar testemunho sobre como se vive o diálogo ecuménico no Paquistão, um país onde os cristãos são apenas uma pequena minoria.

O arcebispo de Lahore encerrou a semana de oração pela unidade dos cristãos, que se realizou entre os dias 18 e 25 de janeiro. O prelado fala de uma união fundada no Evangelho e na importância de se apostar no diálogo com o Islão.

Como é que se vive o ecumenismo num país onde os cristãos são apenas 1,2% da população?

Existem muitas denominações cristãs no Paquistão, tal como no mundo, mas esta semana de oração pela unidade dos cristãos tem sido uma ótima experiência.

No dia 18 reunimos as igrejas na Catedral do Sagrado Coração, em Lahore. Esteve lá a Igreja do Paquistão (anglicana), o Exército de Salvação e os presbiterianos. Foi muito bonito e partilhamos que embora sejamos diferentes ao nível da organização, temos a mesma missão de proclamar o Evangelho, de partilhar com as pessoas o Evangelho de Cristo.

O evangelho une-nos, Jesus une-nos e adoramos o mesmo Deus.

Tem havido casos de raparigas raptadas e sujeitas a casamentos e conversões forçadas. Mas recentemente houve notícias encorajadoras, com o Supremo tribunal de Karachi a convocar uma das vítimas para testemunhar, algo que nunca tinha acontecido. Como está a situação?

Estes raptos e conversões forçadas acontecem a todos os grupos cristãos e também aos hindus. Tem havido muitos casos por isso o ano passado começámos a levar os casos a tribunal e a nossa voz chegou ao Parlamento. Desde o primeiro-ministro ao chefe das forças armadas e o ministério público, todos têm estado a pensar em como resolver estas situações.

Formou-se uma comissão e pela primeira vez participou o Conselho de Ideologia Islâmica. O próprio líder participou, juntamente comigo. Alguns jovens imãs fizeram discursos sobre como impedir este flagelo.

Um dos juízes reformados que falou disse que temos de compreender que o rapto é um crime e se punirmos os raptores podemos controlar o fenómeno. Já foram propostas novas leis. Vai levar tempo, mas o processo já começou.

Estas são mudanças ao nível de topo. E no terreno, também sentem mudanças de mentalidade?

Quando começam a acontecer coisas positivas, e as pessoas o vêem, então começam a mudar-se as mentalidades. Somos paquistaneses, vivemos aqui desde antes da criação do Paquistão. Ainda antes da partição muçulmanos, sikhs, hindus e cristãos viviam na mesma região. A partição veio depois, mas as pessoas já tinham uma experiência de viver em conjunto, de forma pacífica.

Foi só entre os anos 70 e 90 que o presidente e general Muhammad Zia-ul-Haq introduziu leis que dividiram o país em grupos sectários. Agora a própria sociedade já percebeu que temos de trabalhar em conjunto, que o Paquistão está em primeiro lugar e que a religião é com cada um. Agora as pessoas começam a pensar que temos de trabalhar em conjunto pelo progresso do Paquistão. É um bom avanço.

Como é a vossa relação com os muçulmanos? Conseguem conciliar as boas relações com a missão de evangelizar?

Há uma coisa muito importante para os cristãos. Nós dizemos que a salvação vem através de Cristo, é nisso que cremos, é a nossa fé, mas isso não significa que devamos rejeitar os outros.

No Paquistão somos 200 milhões de habitantes, e 96% são muçulmanos. Digo sempre aos nossos fiéis que nós não escolhemos nascer no Paquistão, se nascemos aqui é porque Deus tem uma missão especial para nós. Com o diálogo inter-religioso reunimos muitas pessoas à mesa. Temos académicos e imãs islâmicos, líderes sikhs e hindus e achamos que temos a responsabilidade de partilhar a nossa fé cristã.

No Paquistão, por exemplo, não ninguém se ofende por termos crucifixos nas nossas escolas ou casas. Só na Europa é que pensam que é preciso remover crucifixos, porque isso ofende alguém. Da mesma forma há restaurantes que só servem comida halal, e ninguém se ofende, só lá vai quem quer. O ano passado o Papa foi a Abu Dhabi, onde se encontrou com o grande imã da Universidade de Al-Azhar, bem como outros líderes, e assinaram um documento sobre fraternidade universal e paz.

Nós traduzimos essa carta para urdu e temos estado a partilhá-la com os membros do nosso grupo inter-religioso ao longo do ano. As pessoas gostam muito de o ler.

O Papa tem apostado no diálogo com o Islão, em vez da controvérsia e do confronto, apesar de haver vários países em que os cristãos são perseguidos por muçulmanos radicais. Este é o caminho certo?

Sinto que é o caminho correto. Se começarmos a odiar as pessoas, então não haverá diálogo e cada um irá pelo seu caminho. Mas se encontrarmos um caminho comum, de compreensão mútua, é melhor.

Esta é a forma de evangelizar o mundo, porque Jesus nos disse para nos amarmos uns aos outros.