Recuos no mercado único
12-10-2019 - 10:30
 • Francisco Sarsfield Cabral

O mercado único foi um dos mais importantes avanços da integração europeia. Mas nos últimos anos não só estagnou na área dos serviços como registou recuos.

Um dos prejuízos para a União Europeia (UE) decorrentes da saída do Reino Unido está em perder um convicto defensor do chamado mercado único, onde vigoram as quatro liberdades – livre circulação de pessoas, serviços, mercadorias e capitais. Além disso, o mercado da UE fica mais pequeno sem o mercado britânico.

O mercado único europeu foi lançado há 26 anos. A eliminação de direitos alfandegários nas trocas comerciais entre os Estados membros e a criação de uma pauta exterior comum (as importações do exterior da Europa comunitária pagam os mesmos direitos qualquer que seja o Estado membro importador) concretizou, mais depressa do que se previa, a chamada união aduaneira.

Mas a realidade mostrou que persistiam numerosos obstáculos não pautais à livre circulação de bens e serviços. Por exemplo, se cada país da UE tiver regras próprias em matéria de segurança, de sanidade, de defesa do consumidor, de habilitações profissionais para certas atividades, etc. podem surgir impedimentos sérios à importação de bens e serviços de outro país da UE e até da circulação de pessoas. Frequentemente tais regras eram uma forma disfarçada de protecionismo, afastando dos mercados nacionais concorrentes externos.

Um regime de confiança mútua

Primeiro pensou-se em criar, nessas e noutras áreas, regras europeias, portanto comuns a todos os membros da UE. Mas tal implicaria longuíssimas e complicadas negociações entre todos os países da Europa comunitária para cada caso – e são imensos. Prevaleceu uma outra solução, mais prática: concluiu-se que, se um Estado membro dá luz verde à importação de determinado bem ou serviço de outro Estado membro, essa regulação e essa decisão seriam aceites como boas por todos os outros países comunitários.

Este regime implica um alto grau de confiança na capacidade reguladora dos outros países membros. E permitiu avançar significativamente na livre circulação de bens e serviços. Além dos membros da UE, a Suíça e a Noruega integram o mercado único, porque este lhes traz benefícios.

Por exemplo, a Europa precisa de economias de escala, que são travadas por obstáculos às quatro liberdades acima referidas. Nem os maiores países da UE conseguem suficientes economias de escala operando apenas no interior dos seus mercados nacionais. Economias de escala são os fatores que conduzem à redução do custo médio de produção de um determinado bem ou serviço, à medida que a quantidade produzida aumenta. Ou seja, só mercados de grande dimensão permitem baixos custos de produção por unidade. Veja-se o caso dos EUA.

Protecionismo na UE

Mas o mercado único está longe de ter sido completado. Pior do que isso, tem havido alguns recuos, como alertou em setembro o semanário britânico “The Economist”. Numa altura em que as tendências protecionistas regressam em força, a economia europeia perde dinamismo face a grandes espaços como o mercado americano e o mercado chinês.

O que está, então, a correr mal? Desde logo, a arquitetura do euro está incompleta. Esta semana foi dado um passo positivo, quando o Eurogrupo logrou um acordo sobre o novo instrumento orçamental para a competitividade e a convergência na zona euro. O Conselho Europeu ainda terá de fixar o montante global desse fundo.

Mas a uma verdadeira união bancária falta um seguro europeu dos depósitos bancários. A Alemanha diz não estar ainda preparada para dar esse passo. E também não eliminou obstáculos à liberdade de circulação nos serviços, que é, decerto, bem mais difícil de concretizar do que na área das mercadorias. Ora a economia atual envolve uma percentagem crescente de serviços em relação aos bens físicos.

No sector bancário o recuo é notório. Segundo o “Economist”, entre 1997 e 2007 a emissão de ações e obrigações por bancos no mercado europeu ultrapassou a emissão de títulos dentro do mercado nacional. Agora, os bancos europeus concedem 85% dos seus empréstimos a empresas situadas nos respetivos países. Outro indicador é o facto de muitos preços de bens e serviços não se haverem unificado, apesar do mercado único. E são muitos os obstáculos nacionais ao exercício por europeus de outros países de profissões como a advocacia, a medicina, etc.,

Assim, na UE existem três vezes mais empresas de serviços do que nos EUA, mas viradas sobretudo para o mercado nacional. E o mercado europeu é dominado por gigantes informáticos americanos. Tendências preocupantes que devem merecer séria atenção da nova Comissão Europeia.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus