Paris. O que se fez? O que fazer?
15-11-2015 - 14:37
 • José Bastos

“Gostava que os líderes islâmicos moderados estivessem deste lado”, diz Daniel Bessa. “Há um tempo de terror”, afirma Carvalho da Silva. “O problema de cada um é o problema de todos”, sublinha Seixas da Costa.


“Abortamos atentados diariamente”, dizia no Verão o ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve. A última acção terrorista havia sido evitada a 29 de Outubro quando a polícia prendeu, em Toulon, um operacional de 25 anos.

Desde os atentados de Janeiro que a França vivia em alerta. É o país ocidental mais ameaçado pelos jihadistas. Desde os atentados do início do ano (17 mortos) que a polícia terá evitado, por pouco, oito atentados, dois deles programados para serem verdadeiros massacres.

O arsenal de medidas antiterrorismo aumentou. Desde Janeiro que 10 mil militares patrulham as ruas e 25 mil polícias estão em locais sensíveis. Hollande fez passar uma polémica lei que autoriza a recolha de dados informáticos. O orçamento para recrutar novos agentes cresceu 736 milhões de euros.

A polícia relembrou que há 5 mil registos de radicais e que é impossível seguir todos 24 horas por dia. O procurador-geral da república François Molins indicou que 1733 são seguidos permanentemente. Desde 2012, 326 pessoas foram detidas, mas o medo de um novo grande atentado andava no ar. François Molins aludiu “à iminência de um 11 de Setembro à francesa”.

O 11S de Paris chegou sexta à noite. Os atentados surgiram quando a França se preparava para restaurar as fronteiras internas no reforço da segurança da Cimeira do Clima de Paris, de 30 de Novembro a 11 de Dezembro.

Inevitável a falha de eficácia policial? Responde o embaixador Francisco Seixas da Costa, convidado especial, do Conversas Cruzadas desta semana: “Há de facto aqui uma ineficácia na acção. Ineficácia nas medidas preventivas e mesmo na eficácia prática das medidas repressivas nas várias frentes de natureza político-militar em que se actuou".

“Mas temos de fazer uma análise fria no plano efectivo e, quase diria, técnico. A França é manifestamente um país-alvo evidente do Estado Islâmico. A França sabia ser alvo. Aparentemente muitos atentados foram desmantelados preventivamente em Paris, e no território francês, graças a esse cuidado”, reconhece Seixas da Costa.

“Mas, face ao que aconteceu verificamos que, de facto, houve falhas fundamentais nos serviços de informação franceses. Nós percebemos que esta guerra não é uma guerra de fronteiras. Não é uma guerra que tenha apenas fronteiras. A guerra está dentro de nós: dentro da Europa”, afirma.

“Temos de ser fortes e determinados”

É evidente que este tipo de atentados não podia ter ocorrido se não houvesse apoios dentro da comunidade islâmica radical francesa. Como já se tinha visto noutro tipo de atentados parece que há pessoas em França que têm uma lealdade maior relativamente a uma pátria exterior – o autodenominado Estado Islâmico – que em relação a França".

“Isto levanta um problema novo, porque é o 'vizinho' quem pode ser o inimigo. O ponto transporta para uma outra questão: saber em que medida o natural reforço das alíneas securitárias que aí vem pode colocar em causa o que é a pátria das liberdades, a França”, sustenta Francisco Seixas da Costa.

“Sabemos que a dualidade liberdade/segurança tem de ser jogada com muito cuidado. Vimos, por exemplo, o que aconteceu nos Estados Unidos no pós-11 Setembro. Espero que o modo de actuar da França seja ligeiramente diferente tendo em atenção uma filosofia diversa”.

“Dito isto, temos de ser firmes e temos de ser determinados contra o terrorismo. Temos de ter uma acção em particular com uma imensa, total e completa solidariedade entre os vários serviços de informação dos vários países europeus”.

“Este fenómeno do terrorismo não se esgota nas fronteiras, as fronteiras não o travam tendo até em atenção os mecanismos usados até nas redes sociais e de um conjunto de tecnologias que, curiosamente, para uma ideologia retrógrada a transformam numa máquina relativamente eficaz”, alerta o antigo governante.

“Sinto-me cada vez menos seguro”

Já Daniel Bessa defende um maior envolvimento das comunidades islâmicas na denúncia e combate ao terrorismo. “Eu compartilho com o embaixador Seixas da Costa a ideia de que este terrorismo convive connosco. Não dormirá nas nossas camas, mas convive connosco nas ruas. Em França a comunidade islâmica está muito disseminada”, reconhece o economista.

“Claro que a comunidade islâmica é uma coisa e o terrorismo é outra. Mas vem de lá. Não virá de outro lado. Vem de lá. Gostaria que a comunidade islâmica, sobretudo os seus líderes mais moderados estivesse deste lado, e que denuncie essas práticas. Não vejo isso e incomoda-me”, afirma Daniel Bessa.

“Depois, devo confessar que me sinto cada vez menos seguro. Porque, se, os ‘generais’, quem comanda esta à escala global, têm a capacidade de determinar estes acontecimentos, também é verdade que, com o grau de disseminação atingido, qualquer um de nós na rua está sujeito a ser vítima de uma acção desta”, receia.

“Não tem a mesma visibilidade, mas posso ser vítima de um pequeno ‘cabo’ operacional a promover-se. Devo confessar que me sinto muito pouco seguro em relação a tudo isto. Sei pouco do que os serviços de segurança podem fazer para me proteger de um risco deste face à magnitude que tudo isto atingiu”, indica.

“Seguramente face a acções de grande envergadura, mas quanto a acções mais pontuais e disseminadas que podem ocorrer começo a sentir-me muito pouco tranquilo”, confessa Daniel Bessa.

“O problema de cada um é o problema de todos”

Francisco Seixas da Costa alude também “ao falhanço dos modelos de integração” das sociedades europeias.

“Passa-se em outros países europeus onde há também dificuldades neste modelo de integração. Tem consequências no próprio tecido político interno e no modo com os migrantes são vistos nas sociedades. Cada país europeu tem o seu modelo diferenciado, uns similares a outros e cada um, seguramente, tem o seu problema diferente”, refere.

“Dito isto, numa Europa sem fronteiras o problema de cada um acaba por se transformar no problema de todos. Não poderemos evitar que este tipo de 'malha sentimental' relativamente a esta imagem do Estado Islâmico não acabe por vir a captar jovens gerações que estão longe, estão sem uma agenda de ideais. Enfim, há um conjunto de determinantes, as chamadas ‘root causes’, como se costuma dizer”, indica o embaixador Seixas da Costa.

“Não temos um cancro. Temos metástases”

Da complexidade das causas fala Manuel Carvalho da Silva neste Conversas Cruzadas. “Partilho de vários alertas aqui colocados. Acho que vivemos tempos de medos, tempos de receios vários. Agora a França é o alvo, mas nada de ilusões: o alvo somos todos nós."

“Há um imenso combustível que está disseminado e que continua a acumular-se. É uma questão de chegar um fósforo aqui ou chegar um fósforo ali. Temos de ter cuidados”, afirma Manuel Carvalho da Silva.

“Em relação à comunidade islâmica, como referia o professor Daniel Bessa, concordo com a sua observação em relação ao que se está a passar neste momento, mas também no sentido do que podemos todos fazer. Isto é: nós - que não somos da comunidade islâmica - o que podemos fazer para que a comunidade se envolva neste processo? Ter também a consciência de que os fósforos podem vir de outro lado”.

“Ainda ontem vi declarações que arrepiam do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Quando se refere à pretensa maquinação que estará por detrás da crise migratória na Europa. Uma crise que considera um plano da esquerda para ganhar votos. Acho que estamos contaminados com estas questões”, diz o sociólogo, professor da Universidade de Coimbra.

“E o que é isto do autodenominado Estado Islâmico? Estamos a criar uma entidade que julgo que se situa exactamente numa imagem colocada pelo embaixador Seixas da Costa. Nós não temos um cancro localizado. Nós temos metástases”, sustenta.

“Estas metástases – de certa forma Daniel Bessa também o disse – estão disseminadas e situam-se muito na transferência de lealdades. Há aqui um desapego. Há um tempo de terror.

“Talvez as observações, as expressões, do Papa Francisco caibam aqui. É que estamos perante uma guerra mundial. Estamos sensibilizados. Passei grande parte da noite a ver as notícias e impressiona muito”, diz.

“Mas tivemos nestes últimos dias vários acontecimentos trágicos. Dezenas de mortos no Líbano. Centenas de mortos no avião russo. Portanto, há aqui o tal combustível complicado. Erros cometidos. O que está por detrás deste processo todo tem de ser profundamente debatido”, defende Manuel Carvalho da Silva.

“Aparentemente há quem saiba tudo”

Apertar a malha securitária será uma solução? Daniel Bessa alerta para os perigos das soluções "a quente".

“Face a situações destas ficamos chocados e indignados. Somos levados a reacções imediatas. Não sei se é a melhor solução. Por exemplo, as reacções que vejo das autoridades: vão fechar as fronteiras para quê? Para quê se o terrorismo está cá dentro?”, é a perplexidade do antigo ministro.

“Quanto à troca de informações receio que as informações já estejam todas partilhadas. Toda a gente sabe tudo de todos. Por exemplo, há dois dias atrás vim a saber do que se pode saber da minha vida pessoal através do telemóvel que uso, do computador que uso e dos e-mails que envio”, diz Daniel Bessa.

“Aparentemente há por aí quem saiba tudo. Esta devassa está constituída. Eu não gosto, mas a devassa é total. Se depois os serviços de segurança utilizam essa informação ou não, sinceramente, não sei”, conclui