Abusos na Igreja. Bento XVI pede “perdão” e admite sentir “grande culpa” por não se ter enfrentado casos com decisão
08-02-2022 - 12:04
 • Ângela Roque

Numa carta divulgada esta terça-feira, o Papa Emérito fala da “dor” que sente pelos abusos que se verificaram quando foi arcebispo de Munique, e pede “perdão” pelos erros de avaliação que possa ter cometido.

“A cada dia me questiono se não devo, também hoje, falar de ‘tão grande culpa’ ”, escreve Bento XVI na carta divulgada esta terça-feira a propósito do recente relatório sobre abusos sexuais cometidos na diocese de Munique e Freising entre 1945 e 2019.

Esse documento, conhecido em janeiro, acusou-o de ter encoberto casos de abuso e não os ter reportado ao Vaticano quando foi responsável por aquela diocese, entre 1977 e 1981.

O relatório foi analisado em detalhe pelo Papa Emérito, com ajuda de vários colaboradores – a quem agradece na carta divulgada hoje. Bento XVI admite que possa ter cometido “erros” de avaliação, e fala da dor que sente, porque sabe que cada caso de abuso “é terrível e irreparável”. E refere-se aos encontros que ao longo dos anos manteve com vítimas de abuso, e que o ajudaram a compreender o seu sofrimento.

“Em todos os meus encontros, sobretudo durante as numerosas viagens apostólicas, com as vítimas de abusos, aprendi a compreender que nós mesmos somos arrastados por esta tão grande culpa quando a negligenciamos ou não a enfrentamos com a necessária decisão e responsabilidade, como aconteceu e acontece com muita frequência”, escreve Bento XVI, expressando a sua “profunda vergonha” e o seu “sincero pedido de perdão”, porque teve “grandes responsabilidades na Igreja”.

Na carta o Papa Emérito refere-se, ainda, ao “lapso” que houve na informação prestada sobre a sua participação numa reunião, em 1980, em que se discutiu um caso de pedofilia – inicialmente garantiu não ter participado, mas esteve afinal presente no encontro.

“Este erro, que infelizmente ocorreu, não foi intencional e espero seja desculpável”, escreve Bento XVI, que não esconde a sua mágoa por ter havido quem se aproveitasse disso para o atacar. “Tocou-me profundamente que a distração tivesse sido utilizada para pôr em dúvida a minha veracidade e até mesmo para me fazer aparecer como mentiroso.”

Na carta, o Papa Emérito agradece toda a ajuda e mensagens de encorajamento que recebeu desde que foi divulgado o relatório dos abusos, e em particular a “confiança, apoio e oração” que o Papa Francisco lhe expressou pessoalmente.

“Em breve me encontrarei perante o último Juiz da minha vida”, escreve ainda o Papa Emérito, concluindo: “embora ao olhar retrospetivamente a minha longa vida possa ter tantos motivos de susto e medo, estou com o coração feliz porque confio firmemente que o Senhor não é só justo juiz, mas simultaneamente é o amigo e o irmão”.

De acordo com o site Vatican News, junto com a carta foi publicado um anexo de três páginas, no qual os quatro especialistas em direito Stefan Mückl, Helmuth Pree, Stefan Korta e Carsten Brennecke - que anteriormente já tinham colaborado na resposta às perguntas enviada pela Comissão Independente – reiteram a inocência do então cardeal Ratzinger, garantindo que o Papa Emérito “em nenhum dos casos analisados pelo relatório teve conhecimento de qualquer abuso sexual cometido, ou suspeito de ter sido cometido por padres”.