Sindicato e FPF preparam paridade salarial entre seleções feminina e masculina de futebol
07-07-2022 - 12:50
 • Carlos Dias

O presidente do Sindicato dos Jogadores adianta que o processo deverá ficar concluído antes do início da nova época feminina de futebol. Em entrevista à Renascença, Joaquim Evangelista também fala sobre a educação dos jogadores, a valorização da mulher no futebol, a sobrecarga do calendário e a regra de deferimento salarial.

O Sindicato dos Jogadores e a Federação Portuguesa de Futebol prepara um novo contrato coletivo de trabalho que contempla paridade de remunerações para as seleções principais masculina e feminina.

Quem o revela é o presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, em entrevista exclusiva à Renascença.

"Estamos arduamente a trabalhar com a Federação nesse sentido e eu espero concluir esse processo ainda antes do início da época feminina", conta.

O dirigente alerta, contudo, que não basta um contrato: "O mais importante é haver uma consciencialização, porque até agora aquilo que eu constato é que a Federação foi a locomotiva do futebol feminino."

Nesta entrevista a Bola Branca, Joaquim Evangelista também fala do novo estágio dos jogadores desempregados, critica a sobrecarga do calendário das competições e fala sobre a regra de deferimento de pagamento de salários nos campeonatos profissionais. Uma norma que demonstra "boa vontade" por parte da Liga, mas que tem problemas: "Coloca competidores em desigualdade e a verdade desportiva é afetada."

Qual é a importância de mais um estágio dos jogadores desempregados, que começou na segunda-feira?

É já uma referência na pré-época desportiva este estágio para os jogadores que decorre entre julho e agosto. É a 20.ª edição, é um marco histórico. Nas 19 edições anteriores, participaram 1.106 jogadores, foram contratados 674. Estamos a falar de uma taxa de empregabilidade de 61%. Acho que é única nos diversos setores. Portanto, orgulha-nos que possamos garantir aos jogadores estas condições.

Condições que se traduzem na vertente desportiva, com treinos e jogos de exibição - este ano vamos ter também um torneio internacional, com participação de Espanha, Suíça e Holanda -, e a vertente formativa. Ou seja, nós insistimos muito na transição de carreira, no conceito de carreira dual, garantindo aos jogadores que tenham mais dificuldades em continuar nesta atividade que o possam fazer noutra, com mecanismos que facilitem essa integração.

Que importância tem Tarantini no desenvolvimento dos projetos do Sindicato relacionados com a educação?

As centenas de jogadores que de facto já se preparam e investem na sua educação porque têm consciência dos problemas que vão ter a seguir. O exemplo maior no futebol português é o Tarantini, que acabou de se doutorar por unanimidade. O Tarantini é um exemplo e foi, aliás, por isso que o convidei para ser meu vice-presidente e assumir a direção da formação do Sindicato que nós vamos denominar, a partir de agora, como Player Education School. Ou seja, a ideia é ter, dentro de um departamento, toda a a área da educação, porque a educação não se resume ao que eu referi.

Outra das grandes apostas foi a educação financeira. Constatámos que há muitas lacunas, os jogadores têm características próprias, que decorrem das características da profissão, de desgaste rápido e de curta duração, ganham muito dinheiro em muito pouco tempo. Portanto, a educação financeira é também uma prioridade. Com o Conselho de Supervisores Financeiros, temos um programa que é o todos contam e no futebol também, onde procuramos, de facto, educar os jogadores.

Para quando a paridade nas condições financeiras para homens e mulheres nas seleções portuguesas de futebol?

Acho que brevemente - muito brevemente, mesmo - vai haver novidades sobre esse tema e sobre a celebração de um contrato coletivo de trabalho para as mulheres. Estamos arduamente a trabalhar com a Federação nesse sentido e eu espero concluir esse processo ainda antes do início da época feminina.

Nesta fase de Campeonato da Europa - a fase final está a começar em Inglaterra - acredita que muito em breve as jogadoras da seleção feminina, em termos de remunerações, condições a esse nível, estejam ao nível da seleção masculina?

Estarão em grau de paridade.

Isso será no fundo um sinal, também?

É verdade. Mas eu acho que o mais importante é haver uma consciencialização, porque até agora aquilo que eu constato é que a Federação foi a locomotiva do futebol feminino. Foi a Federação que fez o grande investimento, que foi bater à porta dos clubes e os chamou para este desígnio nacional, que estava a acontecer em toda a Europa e em Portugal não. E ainda há muita resistência, ainda há clubes que não têm futebol feminino e fazem pouco investimento. Portanto, é preciso que os clubes percebam a mudança da sociedade, da importância das mulheres e da importância das mulheres no futebol.

A saúde mental é uma área a que o Sindicato está atento?

Celebrámos um protocolo com a Ordem dos Psicólogos, que disponibilizou mais de 400 psicólogos em todo o país, incluindo ilhas, e o Sindicato garante quatro consultas gratuitas aos jogadores que solicitem apoio especializado.

E têm solicitado?

E têm solicitado. Desde a I Liga até aos campeonatos distritais, jogadoras e jogadoras estão a ser acompanhados por psicólogos e o Sindicato garante esse apoio, pagando as primeiras quatro consultas. Já houve, até, casos em que, atendendo a que os jogadores precisavam de mais apoio, suportou mais. Mas é um tema tabu, é uma doença silenciosa.

Qual a posição do Sindicato em relação à sobrecarga do calendário competitivo devido ao Mundial do Qatar?

É preciso que se ouça o jogador e se percebam as suas limitações e que os clubes façam essa gestão. É verdade que muitas das vezes os próprios jogadores querem fazer os jogos, mas não têm essa capacidade. Os treinadores de referência de todo o mundo já falaram desse tema. Os treinadores têm falado sobre o tema, os jogadoras de referência têm falado sobre o tema. É fundamental que as organizações responsáveis saibam encontrar soluções equilibradas.

Eu tenho um plantel que posso e devo gerir, salvaguardando os limites humanos que alguns estejam a atingir. É preciso que os clubes e os treinadores também façam essa gestão, que compreendam os limites e vão salvaguardando a saúde do atleta, porque é isso que garante, depois, a melhor performance da própria equipa.

No seguimento da polémica entre o Varzim e o Leixões, que posicionamento tem perante a possibilidade de deferimento dos salários nos campeonatos profissionais?

Apesar de haver boa vontade no sentido de repor essa norma, a verdade é que ela tem causado um dano ao futebol português. Veja-se o que aconteceu agora com o Leixões e o Varzim, em que um dos argumentos foi esse, que um dos clubes não cumpria, que tinha deferido os salários. Ao abrigo da lei isso é aceitável, mas coloca problemas à comopetição, omeadamente de desigualdade e verdade desportiva. Portanto, não é aceitável que um clube defira o pagamento para daqui a três, quatro, cinco meses, que é o que acontece em muitos casos.

A Liga já me transmitiu que pretende fazer um esforço no sentido de revogar essa norma ou minimizá-la, definindo um prazo temporal para o deferimento que não fosse excessivo. De facto, aceitar que se receba mais tarde é danoso. Coloca na competição um anátema, porque coloca competidores em desigualdade e a verdade desportiva é afetada.