A vitória eleitoral de Donald Trump poderá não ser uma boa notícia para a Europa e o mundo. Mas se são os norte-americanos que elegem o seu presidente, por que razões os não americanos hão-de julgar o eleito para a Casa Branca de acordo com o que daria mais jeito em Bruxelas ou Berlim, Paris ou Lisboa, Kiev ou Telavive, Moscovo ou Pequim? Virá aí o nativismo, o protecionismo, a desglobalização, o fim da NATO e o escárnio sobre a ONU? E que fizeram a Europa e outras democracias no mundo para se precaverem contra acidentes de percurso e para que o eleitor americano trumpista não se sentisse incompreendido pelos estrangeiros, além de desprezado em casa?
A acreditarmos na elite bem-pensante das esquerdas, cheia de superioridade moral, os homens e mulheres, brancos, negros e latinos, naturais ou imigrantes dos EUA, velhos ou novos, pobres ou ricos que votaram em Trump são uma cáfila de “deploráveis”, extremistas, fascistas, racistas, negacionistas, machistas, homofóbicos, xenófobos, broncos e muitas coisas mais; e à presidência vai regressar o pior deles todos, um Hitler de boné ou um Nero que tudo porá a arder! E, no entanto, todavia, porém, contudo e não obstante, 74 milhões de cidadãos deram o voto a Trump, ligeiramente mais do que em 2020, bastante mais do que em 2016, conferindo ao Partido Republicano a primeira vitória no sufrágio popular para a presidência desde 2004.
Ora, o que há que compreender - e é isso que o autismo do Partido Democrata (ou o basismo dos despojos da “geringonça” em Portugal) recusa ver - é que esses 74 milhões são gente como nós, ou seja, cidadãos normais, cansados do iliberalismo woke, dos iluminados para quem as redes sociais, os media, a democracia e o voto só são bons quando são deles. Donald Trump e os trumpismos não são a causa dos putativos males do mundo; são a consequência de reais males do mundo - em particular do “cocktail Molotov” sociomoral dos ativismos racializados, das bizarrias da identidade de género, dos notórios exageros da “liberdade reprodutiva”, dos ataques a valores (a família), a convenções (o patriotismo) ou a autoridades (a polícia). O que ganhou na América foi a ânsia de uma maioria silenciosa, que os media desprezam porque lhe falta glamour hollywoodesco, que quer o “back to basics” de um certo senso comum: a nação, a religião, uma pertença, um emprego e a liberdade de pensar e viver a sua vida sem um pseudomoralista a soprar-lhe por cima do ombro. Era bom que quem perdeu – e se diz democrata – respeitasse a vontade democrática expressa pela maioria. Mas duvido que façam ato de contrição: quem os derrota só pode ser “fascista”, e já há “marchas” e “manifestações” de protesto convocadas para janeiro de 2025.
A esquerda americana não fez o suficiente para que o Papão não voltasse. Deixou derrapar a inflação em casa e antepôs a especiosa batalha do aborto (livre) à economia e à emigração. E depois, já em 2024, descartou o velho Joe Biden, de quem não se podia dizer que era…velho, e procurou fabricar um perfil presidenciável numa vice-presidente que até os próprios democratas achavam ter tido um desempenho fraco.
Estas e outras contradições do Partido Democrata produziram o milagre de tornar o regresso de Trump possível – entregando a presidência ao mentor do 6 de janeiro de 2021, condenado por 34 crimes, egocêntrico e revanchista. Numa América funcional, um tal registo teria liquidado qualquer pretensão presidenciável. Na América da “geração floco-de-neve”, dos “safe spaces” e do wokismo, que é quase tudo o que os europeus dela conhecem, entregaram o poder a Donald Trump, porque entregaram a maioria a quem, sentindo já ter perdido muito, acredita ter tudo a ganhar com uma guinada à direita. Agora – e por mais quatro anos – contemplem o que produziram.