A batalha da produtividade
27-04-2019 - 10:09

A prazo, a melhoria do nosso nível de vida depende de uma maior produtividade. Que é historicamente baixa.

A baixa produtividade da economia portuguesa é motivo de lamentações há muitas décadas. Com razão: a prazo, o nosso nível de vida depende do grau de produtividade que formos capazes de atingir e esse grau tem sido historicamente baixo.

O Programa de Estabilidade apresentado em Bruxelas há uma semana aposta num aumento da produtividade a partir do corrente ano. O que, a confirmar-se, permitirá uma recuperação do crescimento económico, que tem vindo a desacelerar nos últimos tempos. É uma aposta otimista.

A produtividade é um conceito ainda insuficientemente estudado pelos economistas. E leva a ideias erradas por parte dos que não estão familiarizados com a teoria ou com práticas económicas e empresariais.

Por exemplo, não tem sentido a ideia de que a produtividade depende sobretudo do maior ou menor esforço do trabalhador. Se assim fosse, como se compreenderia que os inúmeros trabalhadores portugueses que emigraram se mostrassem, lá fora, bem mais produtivos do que em Portugal?

Comparação com empresas estrangeiras

O mesmo se diga da comparação entre as empresas nacionais e as filiais estrangeiras instaladas no nosso país. Estas últimas apresentam níveis de produtividade muito superiores à média das empresas existentes em Portugal.

Segundo o Eurostat, no último ano para o qual existem dados comparáveis, 2016, o valor acrescentado bruto por pessoa empregada numa filial estrangeira em Portugal era de 45,4 mil euros, em média, bem acima dos 25 mil euros para o conjunto do tecido empresarial do país. O Instituto Nacional de Estatística publicou valores provisórios para 2017, que basicamente confirmam essa diferença.

As empresas estrangeiras instaladas em Portugal têm, em geral, maior dimensão do que as portuguesas. O que lhes permite superiores

economias de escala – isto é, custos unitários mais baixos graças a uma muito maior produção.

Qualidade da gestão

Essas empresas ou filiais também dispõem, em regra, de mais capital do que as portuguesas e recorrem mais intensamente a tecnologias modernas, nomeadamente às informáticas, bem como à robotização. Ainda mais importante, as empresas estrangeiras em Portugal são melhor geridas, em média, do que as portuguesas – veja-se o caso exemplar da Autoeuropa, mesmo quando o seu chefe é um português (mas que absorveu as exigências da cultura empresarial predominante em países como a Alemanha).

Uma gestão frequentemente pouco eficaz é um travão sério à melhoria da produtividade em Portugal, em particular no sector das PME (pequenas e médias empresas) e sobretudo quanto às microempresas (menos de dez trabalhadores). Ora as microempresas empregam, entre nós, 45% da população ativa, um valor muito acima da média europeia.

Uma das consequências das deficiências da gestão empresarial encontra-se no facto de muitos gestores nacionais não mostrarem grande interesse em contratar trabalhadores com altos graus académicos, nem olharem com simpatia as inovações tecnológicas, com as quais se sentem pouco à vontade.

Felizmente, esta situação está a mudar, com a melhoria progressiva do nível de escolaridade de gestores e trabalhadores. Mas levará tempo a nossa aproximação aos níveis europeus.

Uma questão cultural

Quanto à comparação com a produtividade dos portugueses no estrangeiro, outros fatores entram em jogo. Desde logo, uma cultura de rigor e de pontualidade, cultura que entre nós é débil, apesar da generalização do uso dos telemóveis. Perdemos demasiado tempo quando, por exemplo, um pedreiro tem de esperar a chegada de um eletricista para trabalhar numa obra, e este último se atrasa.

Também no estrangeiro os portugueses encontram uma burocracia menos pesada e lenta do que na pátria, permitindo ganhar muito tempo na vida pessoal e empresarial. Por cá, inúmeras empresas se queixam do tempo que são forçadas a dedicar ao cumprimento das suas obrigações fiscais e outras.

Partimos de uma situação negativa. Na zona euro, Portugal é o terceiro pior país quanto ao crescimento da produtividade. Entre os 36 países da OCDE somos o quarto pior nesta área. A produtividade do trabalho subiu em Portugal 2,9% entre 1990 e 1998, mas apenas 0,1% (isto é, praticamente estagnou) na década de 2007-2017.

Faltam reformas e investimento

Essa década ficou marcada pela grave crise que levou Portugal a pedir assistência financeira do exterior. A “troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) concedeu-nos um apoio financeiro de emergência, acompanhado de fortes restrições à despesa pública.

O investimento público e ainda mais o privado retraíram-se durante a crise. Recentemente, o investimento empresarial reanimou um pouco. Mas o investimento do Estado nem tanto. Ora um dos fatores da nossa baixa produtividade está num fraco “stock” de capital por trabalhador – cerca de metade da média da UE.

Outros fatores evoluíram mais positivamente. É o caso dos progressos registados na qualificação dos mais novos, embora nem sempre seja devidamente aproveitada, o que levou muitos a emigrarem.

A adesão ao euro, logo no primeiro grupo, impediu naturalmente a prática, por demais repetida até quase ao fim do séc. XX, de desvalorizar a moeda, o escudo, como forma de manter a competitividade. Daí que muitas empresas se tenham refugiado no mercado interno, onde sofriam menos concorrência. Ora essa tendência inverteu-se, felizmente. Nos últimos anos as exportações portuguesas deram um grande salto, conquistando quotas de mercado. É um caso inesperadamente positivo, mas não chega.

Para que a aposta do governo de colocar a economia portuguesa a crescer mais depende em larga medida de uma clara melhoria da produtividade. O que será muito difícil de conseguir sem algumas reformas estruturais, nomeadamente na organização do Estado.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus