Há dois dias soube-se que o Novo Banco vendeu uma carteira de crédito malparado, inicialmente calculado em 79 milhões de euros, por apenas 37 milhões (o que nem é invulgar). Os contribuintes portugueses encaram o novo ano de 2021 com alguma esperança – a vacinação está a correr bem -, mas esperança toldada pela perspetiva da quantidade de dinheiro que, direta ou indiretamente, lhes sairá do bolso para financiar este banco. O Novo Banco surgiu como o “banco bom” herdado da catástrofe do Banco Espírito Santo (BES). Ou seja, um banco onde ficaram os ativos julgados (?) mais sólidos do BES... E os contribuintes recordam que o nacionalizado e bem mais pequeno BPN já lhes custou uma fortuna.
O “terramoto” da implosão do BES condicionará a nossa vida económica e financeira durante largos anos. A debilidade financeira da banca portuguesa torna-a um alvo fácil para que bancos e fundos estrangeiros tomem conta dela – o que já é um facto.
Há décadas atrás, os bancos e os banqueiros em Portugal transmitiam uma imagem de responsabilidade e seriedade. Só que essa imagem não correspondia inteiramente à realidade. Antes da crise global de 2008 prevalecia em muitos bancos nacionais uma cultura de facilitismo na concessão de crédito e nos cuidados a ter com os riscos de esse crédito não ser pago. Tal cultura permanece uma tradição ainda não plenamente ultrapassada.
Entre 2008 e 2016 o incumprimento do crédito bancário em Portugal foi quatro vezes superior ao da média registada na UE. É o que mostra um livro recentemente publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, com o título “Por onde vai a Banca em Portugal?”, livro que tem como autores Jorge Braga de Macedo, Nuno Cassola e Samuel da Rocha Lopes. O problema de um crédito de risco subavaliado é, aliás, apenas um dos temas desta extensa e esclarecedora obra.
Recorda-se neste livro que já em 2006 e 2007 o Fundo Monetário Internacional tinha chamado a atenção para o risco de crédito nos bancos em Portugal; e também apontara para os desequilíbrios financeiros em várias empresas públicas nacionais. “O grande problema (do crédito malparado) surgiu nas empresas e não tanto nos particulares, no entanto estudos públicos sobre empresas sempre sinalizaram riscos crescentes muitos anos antes dos incumprimentos formais” (pág. 62).
Alguns progressos foram, entretanto, realizados. Infelizmente, alguns deles tarde demais. A Comissão Europeia só em 2016 acordou para o problema da qualidade do crédito na banca portuguesa. E a “troika” dedicou a este problema uma parte modesta do empréstimo de 78 mil milhões de euros concedido a Portugal para evitar a bancarrota.
Depois, a pandemia levou a medidas excepcionais de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social, etc. Medidas socialmente necessárias. Parece que mais de 20% do crédito dos bancos envolve moratórias, num total de 46 mil milhões de euros. É o terceiro nível mais elevado na UE, o que suscita obviamente preocupação quanto à capacidade da banca em Portugal sobreviver a este esforço excecional.
E ainda vislumbramos no horizonte mais um sorvedouro de dinheiro dos contribuintes, a TAP. Mas fico por aqui, para não prejudicar ainda mais a passagem de ano dos leitores.