Estudante procura quarto no Porto. "Passa recibo?", pergunta-se. "Isso, depois, falamos pessoalmente..."
14-09-2018 - 16:00
 • Mariana Salazar

A Renascença "vestiu" o traje académico, ou seja, vestiu e pele de estudante deslocado e tentou arrendar um quarto na cidade do Porto, procedendo a contactos, obtidos através de plataformas de arrendamento "online".

Um novo ano letivo está a começar e, no mercado do arrendamento, os principais clientes são os estudantes do ensino superior. A busca aos quartos já começou e o esbarrar em dificuldades também. E em ilegalidades

Para perceber como funciona o mercado de arrendamento na cidade do Porto, a Renascença "vestiu" o traje académico, ou seja, vestiu e pele de estudante deslocado e tentou arrendar um quarto na cidade do Porto, procedendo a contactos, obtidos através de plataformas de arrendamento "online".

Ficam alguns exemplos de diálogos travados com anunciantes de quartos:

Exemplo 1 - quarto por 330€/mês, em zona próxima do pólo da Asprela

Anunciado está um T2, que se destina apenas a estudantes.

(...)

Anunciante "A casa é grande e tem dois quartos duplos mobilados.”

Estudante: “E como funciona, em termos de pagamento? Passa recibos?”

Anunciante: "Isso é um caso que só pessoalmente”

Estudante: “É que eu preciso do recibo...”

Anunciante: Terá que arranjar noutro lado, está bem?"

Final de chamada

Exemplo 2 - quarto por 300€/mês, na zona da Constituição/Marquês

Depois de falarmos com o proprietário, conseguimos perceber que se tratava de uma residência com cinco quartos, apenas para estudantes do sexo feminino. Apenas três continuavam disponíveis. “São 300 euros por mês, sem despesas. Divide-se a eletricidade e a água pelas residentes.”

Com o decurso do diálogo, percebe-se que o preço do quarto de maior dimensão é de 380 euros mensais.

(...)

Estudante: “E como funciona em termos de pagamento? Passa recibos?”

Anunciante: "Normalmente, não se passa"

Estudante: “Mas eu preciso. Dá para passar?...”

Anunciante: “Se for muito questão, dá. Tenho de ver, porque tenho sempre aquela taxa no IRS”

Estudante: “Mas não altera o preço… Ou altera?”

Anunciante: “Como normalmente é sem, não se mexe. Mas, nesse caso, tenho de mexer, tenho... A taxa é 28%... Seria à volta disso”

Feitas as contas, o quarto de 380€ passaria a custar 486,40€. Uma diferença de 106,40€, que, inicialmente, não está descrita no anúncio.

Exemplo 3 - quarto na Baixa por 400€/mês

Um apartamento "bem localizado" e que, de acordo com o dono “tem tudo a menos de um minuto”. Há apenas um quarto disponível, já mobilado e com a opção de ser partilhado.

Estudante: E passa recibo?

Anunciante: Isso nós, depois, falamos pessoalmente. Eu passo recibos. Vemos depois é o valor total. Fazemos aí um acerto entre nós… Eu quero estar dentro da legalidade, mas, dentro da legalidade, quero poupar o máximo que puder e ajudar quem recebo.

Final da chamada.

"Negócio clandestino"

O presidente da da Associação Nacional de Proprietários, António Frias Marques, acusa que no universo do arrendamento a estudantes há "negócio clandestino".

"O negócio não é feito, na generalidade dos casos, pelos senhorios, mas sim pelos inquilinos, é um negócio que é feito livre de imposto, porque é um negócio clandestino. Não é declarado às finanças e, portanto, é dinheiro limpo”, acusa

A Associação Nacional de Proprietários responsabiliza o Governo pelo facto de não disponibilizar “residências estudantis, como devia disponibilizar”. Ao não fazê-lo, "os valores das rendas sobem muito".

“Aparece sempre alguém disposto a pagar esses preços elevados, que são pedidos pelo inquilinos, e, enquanto houver pessoas dispostas a pagar esse preço elevado, é evidente que não há nada a faze”, lamenta António Frias Marques.

Testemunhos

Pedro [nome fictício] tem 22 anos e estuda na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. No ano passado, ele e mais dois colegas estavam alojados num T2+1, a troce de 500 euros mensais.

Findo o ano letivo, os amigos acabaram por sair e Pedro teve de encontrar dois novos colegas para dividir o apartamento. “Esses dois colegas entraram, mas o senhorio pôs um entrave no preço. Como está tudo mais caro, ele queria mais. O contrato já tinha o nome de Pedro, pelo que o senhorio propôs 'ficava só eu no contrato e os meus dois colegas, ao entrarem, não teriam recibo. Aí, ele pedia mais 50 euros. A alternativa seria fazer um contrato novo e totalmente legal, no propósito de os meus colegas também entravam nesse contrato. Para isso, ele queria mais 150 euros”, conta.

Eduardo e Tiago vieram da Madeira para o Porto para estudar Engenharia Mecânica na FEUP. Eduardo tem 17 anos e é de Porto Santo. As coisas tornaram-se supreendentemente fáceis: “Os meus pais mexeram-se e conseguiram encontrar uma casa não muito longe daqui. Estava a um preço razoável. Tivemos a sorte que encontramos um senhor simpático.”

"Fiquei surpreendido porque no Porto os preços estão a ficar um pedaço mais altos”, acrescenta.

Já Tiago, de 18 anos, veio ao Porto em julho para procurar casa e "foi difícil, porque estive uma semana à procura”. Acabou por encontrar casa perto do Hospital de S. João, a 800 euros. Divide-a com um colega.

Jason sonha em ser psicólogo. Também é madeirense, tem 18 anos, entrou na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e ainda está à procura de casa. “Já vi imensas. Pela internet. E já visitei muitas”. Entre um suspiro,desabafa: “Já perdi a conta.”

José Rafael Matias passou para o 2.º ano de Engenharia Informática, na FEUP, e teve de mudar de casa. “O processo foi muito complicado porque as casas que haviam disponíveis não eram muitas e as poucas que haviam tinhas preços bastante elevados”. Começou à procura na segunda quinzena de agosto e, na pesquisa que fez, os quartos “andavam à volta dos 300 euros”, sendo que, quando os valores eram inferiores, as habitações tinham “condições inaceitáveis”.