​“Fazemos investigação criminal quase arqueológica” com “falência de resultados”
09-12-2021 - 16:28
 • Celso Paiva Sol

Ministra da Justiça responde às queixas de falta de meios do Ministério Público e sugere mudança de métodos que tornem o trabalho mais eficaz.

O Governo admite que os meios parecem nunca ser suficientes para acompanhar a sofisticação do crime económico-financeiro, mas também pede ao Ministério Público (MP) que se esforce por encontrar métodos de trabalho mais eficazes.

Num tom muito assertivo, e com um destinatário muito concreto, Francisca Van Dunem diz mesmo que alguns processos acabam em conclusões “socialmente incompreensíveis”.

Na cerimónia que assinalou o Dia Internacional do Combate à Corrupção, a ministra da Justiça pediu “respostas que aderiam à realidade”.

“Não podemos continuar a dizer que temos um agente que praticou um milhão de crimes ao longo de toda a sua vida, e enquanto naquele processo não exaurirmos toda a atividade criminosa não acabamos aquela investigação. Isto é um erro que estamos hoje a pagar caro”, adverte.

Francisca Van Dunem critica “a extensão de algumas investigações, a forma como são feitas, que é quase arqueológica, mesmo excessiva” que, na prática, acabam por conduzir “à falência em termos de resultados”.

No discurso que proferiu esta quinta-feira na cerimónia que decorreu na sede da Polícia Judiciária, a ministra da Justiça não poupou elogios à sua própria produção legislativa nesta matéria, sublinhando a importância da nova estratégia nacional de combate à corrupção.

Mas as leis não fazem tudo, e Francisca Van Dunem considera que a justiça portuguesa tem o problema de “chegar ao fim”.

“Temos investigações que implicam um grande esforço humano e, sejamos claros, um enorme investimento financeiro – qualquer dia temos que fazer contas sobre aquilo que gastamos nas nossas investigações – e em muitos casos a investigação chega ao final sem um resultado que seja socialmente compreensível”.

Para além disso, a justiça corre o risco de parecer influenciável consoante os investigados: “não é possível concebermos que os tribunais continuem a ser fragilizados pela ideia que os resultados que têm, e que as decisões que tomam, que podem ser influenciáveis pela condição social, económica ou política dos justiçáveis”, afirma Francisca Van Dunem.

PGR insiste que “sem meios não há eficácia”

Na mesma cerimónia, a procuradora-geral da República, Lucília Gago, reafirmou todas as dificuldades que tem para obter resultados no combate ao crime económico.

“Tão ou mais importante do que a existência de leis apropriadas, é a garantia de que elas serão efetivamente aplicadas. Sem os meios e instrumentos necessários e adequados, especialmente na investigação criminal, não será possível garantir a almejada eficácia na prevenção e corrupção dos fenómenos corruptivos.”

Lucília Gago diz que é preciso adequar a investigação criminal aos novos desafios, porque “os tempos mudaram, e a criminalidade mudou com os tempos. Não é possível dimensionar os recursos necessários à investigação da criminalidade económico-financeira com base em critérios do passado. A sofisticação do crime, exige a sofisticação da investigação, sob pena do Estado, os cidadãos e a sociedade em geral serem ultrapassados nesta guerra”.

A procuradora-geral sublinha a importância da investigação se especializar e ter “conhecimentos técnicos em áreas diversas, sujeitas a regimes legais e procedimentos administrativos muito específicos, de que é exemplo a área da contratação pública, do urbanismo, do ambiente, ou dos mercados financeiros e da atividade bancária”.

E isso, garante Lucília Gago, torna a investigação cada vez mais complexa, e necessitada de recursos adequados.

“É profundamente falacioso considerar-se que os meios ou recursos ao dispor do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal, podem ser aferidos por referência a uma mera análise estatística dos inquéritos pendentes num determinado momento. Tradicionalmente cada inquérito correspondia apenas a uma investigação criminal. Neste momento cada inquérito determina uma investigação criminal, e uma investigação direcionada à recuperação de ativos e ao branqueamento de vantagens por cada um dos visados no processo. Um único processo pode ter dezenas de suspeitos ou arguidos, que por sua vez praticaram dezenas de comportamentos tipicamente relevantes.”


A procuradora-geral revelou que, nos primeiros seis meses deste ano, foram abertos dois mil inquéritos a crimes económico-financeiros, 394 (25%) relacionados com corrupção e 617 como crimes de branqueamento.

Lucília Gago também revelou dados relativos às operações bancárias suspeitas, no âmbito da prevenção de branqueamento e financiamento de terrorismo, que na primeira metade do ano foram mais de cinco mil.

Igualmente presentes na cerimónia que assinalou o Dia Internacional do Combate à Corrupção estiveram o primeiro-ministro e o diretor nacional da Polícia Judiciária.

António Costa recordou as leis produzidas e o investimento feito por este Governo nas diversas entidades que previnem e combatem os crimes económicos, lembrando que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) prevê 21 milhões euros para dotar a Judiciária de mais tecnologia.

Terminou o discurso agradecendo publicamente o trabalho de Francisca Van Dunen, garantindo que por sua vontade a magistrada não deixaria já a política.

Já o diretor nacional da Polícia Judiciária agradeceu ao Governo o reforço de meios humanos que tem recebido, e vai continuar a receber até 2023, mas lembrou que, para um eficaz combate ao crime económico, também precisa de mais tecnologia. Luís Neves identificou essa carência, como o principal obstáculo.