"É preciso ajudar a matar a fome das crianças e idosos da ilha do Príncípe"
13-07-2018 - 17:31
 • Ângela Roque

O apelo é do frei Fernando Ventura, que há oito anos criou o Banco de Leite para São Tomé e que agora se depara com uma situação muito grave na outra ilha do arquipélago. Está já em curso uma campanha de solidariedade.

É mesmo uma situação de emergência, diz frei Fernando Ventura. O franciscano Capuchinho, que regressou há dias de uma viagem a São Tomé e Príncipe, diz à Renascença que ficou surpreendido com o que encontrou e que não esperava ver. “Foi mais grave do que eu pensava. Eu nunca tinha visto crianças com a barriga grande por causa da fome e, neste momento, há muitas no Príncipe.”

A situação agravou-se depois de uma ONG portuguesa ter abandonado a ilha há uns meses, devido a problemas com a Justiça em Portugal.

“Era a ONG ‘Ligar à Vida’, da paróquia da Ramada. Deixaram os idosos e as crianças à sua sorte”, conta, sublinhando que o que tem valido à população local é “o trabalho gigantesco e a abnegação fabulosa da irmã Eufrosina e da irmã Maria da Conceição, das irmãs Servas da Sagrada Família”.

As duas religiosas, de 75 e quase 80 anos respetivamente, que ali vivem há décadas, fazem o que podem. Mas podem cada vez menos, porque não há comida. “O mais urgente neste momento é a alimentação, é urgente ajudar a matar a fome. Mas, a curto prazo também é preciso intervir no lar de idosos”.

O Lar Casa Betânia foi uma das estruturas que ficou ao abandono, tal como a que acolhe crianças. Mas os utentes permaneceram, assim como as despesas, que são muitas. “As irmãs dizem-me que são precisos 2.500 euros para gerir os consumíveis e a alimentação dos idosos e crianças. E, no caso do lar, estamos a falar de consumíveis para idosos acamados, as coisas são muito caras.” Os preços estão inflacionados porque “qualquer coisa no Príncipe custa duas ou três vezes mais do que em São Tomé”, revela.

Frei Fernando Ventura lamenta que a presença de cada vez mais empresas turísticas na ilha não se traduza em mais desenvolvimento para a população, porque “o desemprego aumentou” e “os terrenos onde se iam buscar livremente alimentos, como bananas e a fruta pão, estão agora inacessíveis, porque são privados”.

Para ajudar os locais foi lançada a campanha ‘Emergência Príncipe – operação Daniel’, o nome de um menino de 10 anos cujo corpo não aparenta mais de seis devido à subnutrição.

“Foi uma criança que me marcou. As irmãs dizem que a primeira vez que o viram sorrir foi quando lhe entreguei uma caixa de Nestum”, contra o frade Capuchinho, que deposita agora toda a esperança no novo projeto solidário.

“Toda a logística está a ser gerida pela associação ‘Amparo da Criança - Banco de Leite’. Os interessados em associarem-se à iniciativa podem aceder ao site da campanha, onde se encontram as informações todas, incluindo o número da conta bancária. Pedimos sempre às pessoas que nos informem para podermos passar recibo. Todo o dinheiro que chegue à conta será sempre transformado 100% em comida e em sabão e nas coisas básicas e práticas de que as irmãs precisem, quer para os idosos quer para as crianças”, garante.

Em São Tomé, a ajuda continua assegurada através do ‘Banco de Leite’, um projeto criado há oito anos. “Todo o leite do orfanato é garantido a 100% por três empresas leiteiras dos Açores. Enviamos para lá todos os meses cerca de uma tonelada, entre leite, papas e outros produtos.”

Essa ajuda é gerida no local pelo próprio bispo de São Tomé, D. Manuel dos Santos, e por uma religiosa que tem a seu cargo o Projeto de Desenvolvimento Integrado de Lembá – PDIL, no norte de São Tomé. “É uma estrutura gigantesca de economia social que de facto funciona: temos um dispensário, uma escola com mil 250 alunos, na cozinha comunitária servem-se duas mil refeições por dia. Temos uma carpintaria, uma alfaiataria, um centro de artesanato e um centro formação. E este ano construímos a primeira estufa de hortícolas e uma casa de acolhimento para adolescentes grávidas”, conta. “Temos condições para manter este apoio a São Tomé, não precisamos de mais. O que precisamos agora é para o Príncipe”, reafirma.

A alimentação é o mais urgente, mas tudo faz falta, incluindo voluntários. E também empresas de construção civil que ajudem a reconstruir o lar de idosos no Príncipe. No próximo ano, se tudo correr bem, frei Fernando Ventura quer começar a trabalhar com os frades Capuchinhos de Cabo Verde que estão em duas paróquias do sul de São Tomé, onde uma das prioridades será arranjar o centro de acolhimento para jovens estudantes.