​António Horta Osório. "O maior problema de Portugal é o falhanço das elites"
16-10-2015 - 10:53
 • José Pedro Frazão

O banqueiro que recuperou o Lloyds britânico recusa voltar a curto prazo a Portugal e exclui uma carreira na política partidária e no Governo. Em entrevista à Renascença, elogia a capacidade dos trabalhadores portugueses e a flexibilidade dos gestores. Horta Osório compreende que o Banco de Portugal não tenha vendido ainda o Novo Banco e explica as diferenças para a nacionalização do Lloyds.

Trazia um papel com as frases preparadas para o delicado processo politico português. António Horta Osório exclui duas coisas: um Governo que não passe por PSD, CDS e PS; e a sua própria entrada na política portuguesa. No Conselho de Directores da Renascença, o banqueiro respondeu às perguntas de Pedro Santos Guerreiro, Raquel Abecasis, Henrique Monteiro e José Pedro Frazão e passou em revista a qualidade da gestão e do trabalho dos portugueses, os méritos da emigração, as relações com os ingleses, a estratégia para salvar o Lloyds e o estado da banca em Portugal.

Bancos portugueses estão bem capitalizados

"Não sei se são necessários grandes montantes de capital na banca portuguesa.Os bancos portugueses estão, em geral, bem capitalizados. Obviamente que o Novo Banco não teve testes de stress que só vai ter agora e vai ter necessidades de capital. Os bancos portugueses não foram responsáveis pela crise. Foi originada sobretudo nos Estados Unidos com a emissão de dívida 'sub-prime'. Obviamente que os bancos atravessaram um período difícil mas a maioria tem rácios de capital razoáveis em recuperação. O sector bancário português está a recuperar de uma situação muito difícil. Nunca poderá recuperar muito sem ter uma economia saudável. A saúde dos bancos reflecte sempre a saúde da economia."

O falhanço na venda do Novo Banco

"Tenho pena que o Novo Banco não tenha sido vendido, sem dúvida. É muito importante que o Estado não seja dono de bancos que devam estar no sector privado. É importante que esses activos sejam rapidamente devolvidos ao sector privado. O Novo Banco tem que ter um novo dono para ter uma direcção clara de políticas para a frente. E que possam permitir à gestão fazer um plano estratégico com um certo horizonte e as equipas terem uma noção de qual é a direcção do banco. E haver estabilidade para poderem apoiar a economia e as empresas. Enquanto o banco está numa situação de indefinição, é óbvio que se pode fazer muita coisa - e muita coisa tem sido feita. Mas é sempre mais difícil num pedido de transição para voltar a mãos privadas. Tenho pena que isso não tenha acontecido. Compreendo que o Banco de Portugal não tenha querido fazer essa operação a qualquer preço. Mas o resultado é que o banco não foi vendido e é pena que não o tenha sido."

Voto de confiança na supervisão

"Podemos confiar no Banco de Portugal. Mas a supervisão dos seis principais bancos portugueses é feita agora a partir do Banco Central Europeu. Isso é importante na medida em que há homogeneidade de políticas de supervisão a nível europeu. A supervisão do BCE em relação aos maiores bancos de cada país é em si um acto positivo e com o qual o Banco de Portugal está completamente de acordo."

Nacionalização do Lloyds vs Novo Banco

"Os casos não são comparáveis. Não só pela génese do que aconteceu do Novo Banco, mas porque o Lloyds comprou um banco em grandes dificuldades, o HBOS, e foi leviano no que fez. Teve uma factura de imparidades muito maior do que estava à espera. Como a economia piorou muito em 2008, o banco necessitava de um enorme montante de capital que o sector privado não estava disposto a proporcionar. Contrariamente ao caso do Novo Banco, o Lloyds continuou cotado no mercado de capitais com investidores privados. Mas como não havia disponibilidade privada para um investimento de 26 mil milhões de euros, o Governo inglês pôs esse dinheiro, adquirindo 43% do banco. "

Como recuperar um grande banco inglês

"Era preciso fazer uma gestão privada e, como foi meu compromisso na altura, devolver rapidamente o dinheiro aos contribuintes com lucro. A estratégia foi concentrar todos os recursos do Lloyds em Inglaterra. Tínhamos 30 países e abandonámos 24 países em três anos. 95% da actividade do Lloyds está concentrada no Reino Unido. Decidimos fazê-lo apenas no apoio às famílias e às pequenas e médias empresas, para apoiar a economia real. Deixámos a banca de investimentos, 'trading', internacional. Dos 26 mil milhões de euros injectados no banco já devolvemos 20 mil milhões de euros, com lucro para os contribuintes britânicos."

O falhanço das elites portuguesas

"Os portugueses são excelentes trabalhadores. Têm a mesma reputação em França, no Canadá ou em Inglaterra. Em Portugal temos algum défice de gestão, mas também temos óptimos gestores. Devíamos ter mais óptimos gestores.O maior problema de Portugal é o falhanço das elites. Não são simplesmente os gestores. As elites têm vindo a falhar ao longo dos anos, nos valores e no estabelecimento de uma direcção e um exemplo para o país que motive o população a ir na direcção correcta. É o que vejo na Inglaterra, onde vivo actualmente."

Um português na elite financeira britânica

"Confesso que fui o primeiro a ficar surpreendido [com o convite a um português para recuperar o Lloyds]. Acho que isso não teria acontecido na maior parte de outros países europeus. Talvez por termos 'a mais velha aliança' entre Portugal e a Inglaterra, temos uma relação muito boa entre portugueses e ingleses. Sinto-me muito à vontade em Inglaterra e os ingleses apreciam muito Portugal."

Gerir à portuguesa ou à inglesa

"A gestão tem que ser diferente porque as economias e os povos são diferentes. A maior diferença que vejo é que, enquanto nós portugueses somos mais flexíveis e maleáveis para resolver problemas (implica que os gestores estejam mais em cima dos projectos), em Inglaterra são muito metódicos e extremamente organizados. Uma vez decidido um caminho, programa um caminho ao milímetro e seguem-no de maneira feroz. Se a realidade muda, eles seguem talvez o plano e nós talvez pensemos que o plano tem que ser adaptado e ser mais flexível."

Não regressa a curto prazo. E não quer entrar em Governos

"O meu presente e o meu futuro próximo está claramente centrado no Lloyds. Fui para o estrangeiro três vezes, a primeira com 26 anos. Já voltei duas vezes e continuo muito ligado a Portugal. Hei-de voltar cá, em termos permanentes, no futuro. Obviamente que vejo o meu futuro a prazo, mas não a curto prazo, em Portugal. Sou português e gosto deste país. Deixo já claro que não tenho qualquer ambição de me inscrever em qualquer partido politico ou de ter um cargo governativo . Que isso fique absolutamente claro, para que não fique nenhuma dúvida sobre os meus comentários."

A nova emigração

"Os jovens têm que fazer o que é melhor para eles. No curto prazo, o melhor é procurarem as melhores oportunidades para se desenvolverem, nas suas aptidões capacidades e na sua carreira. Posto isto, não tenho duvida nenhuma, uma vez que o pais melhore, eles serão os primeiros a voltar porque, obviamente, os portugueses são os melhores para desenvolverem oportunidades em Portugal."