Hospitais "de consciência tranquila" quanto à aprovação de tratamentos da fibrose quística
23-03-2021 - 21:20
 • Lusa

Os deputados quiseram saber, entre outras questões, se os médicos são impedidos pelo Conselho de Administração de prescrever o novo medicamento inovador Kaftrio por razões orçamentais e se isso interfere nos critérios de elegibilidade dos doentes para receber a terapêutica, algo que foi perentoriamente negado por ambos os inquiridos.

O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN) está "de consciência tranquila" relativamente aos pedidos de Autorização de Utilização Especial (AUE) do medicamento para tratamento da fibrose quística, garantiram esta terça-feira dois representantes do Conselho de Administração.

A afirmação do presidente, Joaquim Ferro, e do diretor clínico, Luís Pinheiro, foi feita em sede de Comissão Parlamentar da Saúde sobre os "procedimentos de autorização de administração de novos fármacos para tratamento da fibrose quística". .

Os deputados quiseram saber, entre outras questões, se os médicos são impedidos pelo Conselho de Administração de prescrever o novo medicamento inovador Kaftrio por razões orçamentais e se isso interfere nos critérios de elegibilidade dos doentes para receber a terapêutica, algo que foi perentoriamente negado por ambos os inquiridos.

"O critério que utilizamos como hospital de referência nesta e noutras áreas para a utilização desta e de outras terapêuticas é o critério clínico, de evidência de segurança e de eficácia dos medicamentos. Os médicos têm liberdade para identificar doentes que beneficiam destas e de outras terapêuticas e nem de outra forma poderia ser", garantiu Luís Pinheiro.

"Estamos de consciência tranquila relativamente ao financiamento de terapêuticas inovadoras, mesmo sabendo que o seu custo é muito elevado. Sabemos da importância destas terapêuticas na qualidade e no prolongamento da vida dos nossos doentes, mas é evidente que há mecanismos reguladores com os quais temos de compatibilizar a nossa ação", frisou Joaquim Nobre Ferro.

Durante a audição, o diretor clínico chamou a si a maioria das intervenções, lembrou que o tratamento em questão custa "dois milhões de euros por indivíduo" e ainda que o CHULN tem "cerca de seis doentes a serem tratados neste contexto" para demonstrar que a política da instituição "é centrada no benefício clínico e não nas vertentes financeiras ou orçamentais".

"O nosso Centro Hospitalar e eu próprio, enquanto diretor clínico, está de consciência completamente tranquila sobre aquilo que é a utilização [do Kaftrio] independentemente do seu custo", prosseguiu o diretor clínico do Centro que engloba o Hospital de Santa Maria e o Hospital Pulido Valente.

Em causa estava o momento em que foi feito o pedido de AUE para uma jovem que publicou nas redes sociais um vídeo que se tornou viral e que levou o Infarmed a esclarecer que ainda não tinha recebido do CHULN qualquer pedido de utilização especial para essa doente.

Luís Pinheiro referiu, quanto a essa questão, que por serem processos excecionais "devem ser avaliados caso a caso" e admitiu ser verdade que o Infarmed "ainda não tinha recebido nenhum pedido de utilização especial", mas sublinhou que o CHULN e os restantes cinco centros hospitalares do país já tinham identificado "pelo menos mais 19 doentes elegíveis" além dos 10 que integraram a primeira fase do Programa de Acesso Precoce (PAP).

Por outro lado, sublinhou que o facto de a política do CHULN ser centrada no benefício clínico não quer dizer que não existam preocupações nas vertentes financeiras e orçamentais.

"Somos cidadãos e todos devemos pensar no bem comum, que significa gerir da melhor forma o orçamento que os senhores deputados disponibilizam a todos nós através do Orçamento do Estado, para que chegue a todos os que precisam", justificou.

Porque, acrescentou, uma coisa é utilizar um medicamento em contexto de AUE, em que "não há preço regulado" e o custo é "aquele que a farmacêutica entende cobrar", outra é utilizá-lo fora desse contexto, "depois de o processo regulamentar estar terminado" e de a negociação ter feito o preço baixar para "metade, um terço ou um quarto".

"Isso é relevante para a sociedade, nomeadamente em patologias como esta que, apesar de rara, tem um conjunto relativamente alargado de doentes. Mas não é isso que nos impede [de prescrever o tratamento]", concluiu.

A mesma ideia já tinha sido defendida por Joaquim Ferro, que sublinhou que o CHULN "tem vindo a suportar o custo destas terapêuticas inovadoras de forma crescente".

"Em 2020 duplicámos a despesa com tratamentos inovadores e temos previsto este ano, provavelmente, uma nova duplicação dessa despesa. [Digo] isto para provar que não existe qualquer restrição a não ser a observância da necessidade clínica dessas terapêuticas", afirmou.

Joaquim Ferro e Luís Pinheiro foram ouvidos em audição da Comissão de Saúde, a pedido do PSD, pelos deputados Cláudia Bento (PSD), Hortense Martins (PS), José Manuel Pureza (BE), João Dias (PCP), Ana Rita Bessa (CDS-PP) e Bebiana Cunha (PAN).

A fibrose quística é uma doença degenerativa e hereditária grave, cujo principal efeito é a perda de capacidade respiratória dos doentes.

Em Portugal existem cerca de 375 casos identificados de fibrose quística. Desses, 120 terão características para receber o novo medicamento, 30 dos quais são acompanhados no CHULN, segundo o diretor clínico.