Partidos querem valorizar carreira dos professores, mas divergem na solução
20-01-2022 - 13:16
 • Inês Braga Sampaio

Debate da Rádio trouxe algum consenso entre esquerda e direita relativamente à Educação e à saúde mental nos jovens, apesar de algumas picardias.

Os sete líderes partidários que participaram, esta quinta-feira, no Debate da Rádio concordam que é fundamental valorizar a carreira de professor, ainda que divirjam nos métodos.

No debate comandado por Renascença, Antena 1 e TSF, o primeiro-ministro e líder do PS, António Costa, salientou que o investimento na Ciência, Cultura e Educação é a "chave para uma estratégia de desenvolvimento assente nas qualificações e na inovação".

O chefe do Governo reconheceu que é "fundamental" alterar o modelo de contratação de professores e permitir a vinculação mais rápida.

"Não há nenhuma razão para que seja a única carreira em que obrigatoriamente de três em três anos ou de quatro a quatro anos tem de apresentar concurso para andar a mudar de um sítio para o outro", frisou.

António Costa também puxou dos galões, recordando que o Governo promoveu "três alterações fundamentais" nos últimos seis anos:

"A primeira e mais importante de todas: a flexibilização curricular, que é um passo enorme na modernização pedagógica, que envolve todo o corpo docente e que tem permitido ter um enorme sucesso educativo. Nestes anos, conseguimos ultrapassar a meta que tínhamos de redução de abandono escolar precoce. Segunda reforma fundamental, a maioria autonomia das escolas, para que possam organizar-se melhor. Em terceiro lugar, a descentralização, de forma a que autarquias locais, porque estão mais próximas, possam acorrer mais rapidamente e com mais eficácia aos problemas concretos na escola."

IL cede ponto a Costa. BE quer rejuvenescer professores


O líder da Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim de Figueiredo, admitiu que, "de facto, Portugal nos últimos 20 ou 30 anos fez enorme progresso na Educação no sentido mais lato". Contudo, chamou a atenção para o pormenor, em que "a evolução é muito mais real quantitativa do que qualitativamente". Em termos qualitativos, teceu críticas.

"A nível das avaliações, a nível das competências mais importantes para o mercado de trabalho do futuro e a nível da saúde mental, que é um drama que tem de ser tratado, porque em geral há um problema sério e latente de saúde mental nos nossos jovens", salientou.

Catarina Martins, do Bloco de Esquerda (BE), foi mais rápida a apontar defeitos à abordagem do Governo de António Costa à Educação.

"Juntaram-se PSD e PS em 2019 para negar aos professores a contagem de tempo de serviço. Isso foi um erro tremendo. Contar-lhes agora esse tempo de serviço permite que quem queira ir para a reforma possa ir com condições, que a carreira seja valorizada e mais jovens queiram estudar para ser professores, e que muitas pessoas que desistiram de ser professores e de que as escolas precisam que voltem possam ser vinculadas possam ter contratos a sério e salários que valorizem o seu trabalho", assinalou.

A líder bloquista considera que Portugal precisa de um rejuvenescimento do corpo docente e apontou que mais de 50% dos professores já têm mais de 50 anos, metade deverão reformar-se nesta década e "muitos estão a reformar-se numa situação já com demasiados anos de serviço e já com uma grande incapacidade".

"Isto prejudica a escola pública. [Mudar a situação] terá um custo, mas custo maior é termos alunos e alunas sem professores. Tínhamos em novembro 30 mil crianças e jovens em Portugal sem professores. Ao longo dos anos, a carreira dos professores foi sendo desvalorizada e os professores foram sendo atacados. Neste momento, os professores têm carreiras e salários que nos devem envergonhar. Eles não progridem. Pessoas a quem damos a tarefa tão delicada de formação e de qualificação não podem ser tratadas assim", atirou.

Propostas de Livre e PAN para dignificação da profissão


O Livre alinhou-se com o Bloco de Esquerda. Rui Tavares sublinhou que é uma obrigação "dignificar a profissão de professor".

"Ainda hoje [quinta-feira], o 'Diário de Notícias' diz que, na última década, 10 mil pessoas desistiram de ensinar. É preciso remunerar mais, dar mais responsabilização e autonomia, mas também há todo um esforço coletivo que deve ser catalisado pelo Governo e pela Assembleia da República de fazer da profissão de professor uma profissão desejável e mais entusiasmante para os jovens", frisou.

Nesse sentido, a líder do PAN, Inês de Sousa Real, apresentou algumas propostas, nomeadamente o acesso aos quinto e sétimo escalões.

"É fundamental que possa existir esta progressividade na carreira. (...) Defendemos de forma mais profunda a revisão da própria legislação da contratação dos professores, o que tem gerado inequidades e, consequentemente, injustiças", apontou.

Inês de Sousa Real defendeu, ainda, a compensação relativamente à deslocação, sempre que num raio superior a 60 quilómetros: "É fundamental para que possa existir, de alguma maneira, uma maior justiça salarial."

PCP e CDS concordam sobre deslocação, mas provocam-se


O representante do PCP, João Oliveira (chamado ao debate face às ausências, por motivos de saúde, de Jerónimo de Sousa e João Ferreira), destacou que o seu partido apresentou, para o Orçamento do Estado para 2021, uma proposta de incentivos de apoios à fixação e à habitação dos professores, para fixação dos docentes em áreas onde mais fazem falta, nomeadamente no interior.

Um tema que gerou atrito com o líder do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, que acusou João Oliveira de achar "que os professores são todos do PCP e que tem tutela para falar em nome dos professores".

"Permita que a Direita também fale de matérias que para nós somos são caras. O CDS sempre defendeu a autonomia dos professores", atirou.

Sobre os apoios à deslocação, em concreto, os dois até estavam em concordância. Francisco Rodrigues dos Santos assinalou que o CDS considera "fundamental" que os professores possam ser apoiados quando estão em situação de deslocamento.

"Ou seja, que possam ter um subsídio que os apoie para custear todas as despesas em virtude de exercerem a sua atividade profissional em situação de deslocados, mas também um apoio ao nível de habitação", sustentou.

De volta ao PCP, João Oliveira salientou que a profissão de professor deve ser valorizada não só no Ensino Básico e Secundário, como no Superior.

"Na Educação, para além das medidas de valorização, resolução dos problemas laborais, da contagem dos pontos do tempo de serviço de forma adequada, da fixação de professores onde há maior carência, redução do número de alunos por turma... Também no Ensino Superior é preciso que estas questões sejam consideradas. Muitas vezes são secundarizadas. Sem valorização dos trabalhadores não há valorização dos serviços públicos", sublinhou.

PAN e Livre em sintonia sobre acesso ao Superior


Falar de Ensino Superior é falar dos custos de acesso, assunto sobre o qual PAN e Livre, respetivamente, se alongaram.

Inês de Sousa Real defendeu que é necessário rever o acesso ao Ensino Superior, para que continue a ser "tendencialmente gratuito".

"Também acabar com estágios precários. Os jovens mais pobres levam cinco gerações até conseguirem acesso a salários médios ou emprego digno", realçou.

Rui Tavares sublinhou a importância de apoiar os estudantes não só no acesso, mas também no decorrer do Ensino Superior.

"Ao invés de receber caloiros com um 'parabéns, entraste na Universidade, toma lá uma dívida para o resto da vida, seja para agora ou para o futuro', criar um fundo de apoio ao estudante do Ensino Superior que possa ser financiado por quem beneficiou do Ensino Superior e tem rendimentos de primeiro decil ou primeiro quartil. Assim, ajudará nas bolsas, refeitórios, residências estudantis dos estudantes do futuro", referiu.

O Livre também pretende que seja criado um fundo estratégico para o Ensino Superior, financiado pela atividade económica, que permita "construir os laboratórios, as bibliotecas, os edifícios que muitas vezes não se compadecem com os custos da governação".

Novo paradigma nas turmas, nas aulas e no currículo


Sobre o ensino no Básico e Secundário, o PAN pediu uma mudança de paradigma, que passa, "necessariamente", por efetuar várias alterações de fundo.

"Reduzir número de alunos por turma, garantir que do ponto de vista da carga horária e da forma como são dadas as aulas aproximamos os alunos da natureza e levamos a natureza para a sala de aula, o que também terá um impacto positivo na própria saúde mental", referiu Inês de Sousa Real.

A líder do PAN recordou que desde 2018 que o seu partido inscreveu no Orçamento do Estado o reforço dos psicólogos a nível escolar: "Isso ainda não se concretizou."

"É essencial para que possamos combater fenómenos de saúde mental transversalmente a toda a sociedade e não apenas aos jovens", assinalou.

Saúde mental nos jovens e a disciplina da controvérsia


Todos os líderes partidários concordaram, aliás, sobre a importância de encontrar soluções para o problema da saúde mental nos jovens.

O primeiro a levantar o tema até foi Francisco Rodrigues dos Santos, para quem deve haver um reforço de psicólogos quer no Serviço Nacional de Saúde, quer nas escolas, para que se encontre "uma solução definitiva para um problema temporário, sobretudo nos mais jovens".

"Uma vez que falamos tantas vezes do acompanhamento psicológico em linhas de Saúde 24 que se abrem por via telefónica, era importante também segmentar uma direcionada para este tema e criar sistemas de monitorização e controlo dentro dentro das salas de aula, de modo a que se veicule este tipo de informações, porque normalmente a ajuda não parte do doente e é preciso integração e sinalização de quem precisa de ajuda para ser acompanhado de forma especializada", explicou.

O líder do CDS vincou, contudo, que a Educação "não pode ser programada mediante diretrizes ideológicas". No entender de Rodrigues dos Santos, "quem concorda com teorias de género" deve ter acesso a conteúdos programados, inclusive no âmbito da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento". Porém, ressalvou, deve haver liberdade de escolha:

"Quem não quer deve ter a liberdade, também, de escolher, para não se repetirem casos de perseguição de alunos, como os da escola de Vila Nova de Famalicão, serem obrigados a ter conteúdos diferentes dos valores que a sua família quer para si. A escola deve ser um espaço impoluto e não o acampamento de verão do BE."

Uma provocação que não ficou sem resposta de Catarina Martins, que salientou a importância de fomentar nos jovens o "respeito por todas as pessoas".

"Registo que o CDS resolveu trazer para esta campanha uma expressão de Bolsonaro para humilhar pessoas e tentar que não se discute o que é fundamental: que todas as pessoas se respeitem. Acho de uma extraordinária hipocrisia alguém dizer que se preocupa com a saúde mental dos nossos jovens ao mesmo tempo que ataca os instrumentos da nossa Constituição, para que aprendamos todos a respeitar-nos uns aos outros com as diferentes características que temos. É verdadeiramente lamentável", atirou.

O PAN tomou o partido do Bloco de Esquerda. Inês Sousa Real distanciou-se de CDS e Chega, "forças extremistas no que diz respeito ao respeito pela igualdade e pela dignidade da pessoa humana".

"Devemos defender uma escola plural e a cidadania ensina-nos o respeito pelo próximo, a educação inclusiva e a pluralidade do ponto de vista da ideologia, sem qualquer tipo de conotação política. Deve haver um reforço e dignificação de todas estas matérias, uma humanização do próprio ensino, que privilegie os conteúdos a adaptação dos conteúdos em detrimento de apenas decorar e da avaliação excessiva, para que possamos ter uma educação mais próxima do progresso civilizacional", vincou.

Nesse sentido, Inês de Sousa Real também propôs a integração da Cultura e do Desporto na pasta da Educação, em virtude de uma Economia "de felicidade e bem-estar".

Já João Cotrim de Figueiredo sublinhou referiu que o programa da IL está "sempre sujeito ao tema da liberdade e da autonomia quer das famílias, quer das escolas, quer das instituições de Ensino Superior".

Investimento nas escolas e os planos de António Costa


No tema da liberdade de escolha, Francisco Rodrigues dos Santos defendeu a existência do cheque-ensino, para que "cada família, sobretudo as mais pobres", possam escolher a escola dos filhos.

"É um apoio que deve ser dado. O próprio ministro da Educação disse que uma mensalidade na escola pública ficava mais cara do que nas principais escolas mais bem classificadas no acesso ao Ensino Superior. Fica mais barato o que o Estado gasta por mensalidade. A própria ministra da Educação tem os filhos a estudar numa escola particular. Quem não tem ordenado de ministro também deve poder ter os filhos a estudar numa escola particular", assinalou o líder do CDS.

Investimento foi uma palavra usada tanto por Rodrigues dos Santos, como por Catarina Martins, para quem é essencial investir nas escoas:

"Portugal gasta menos de 10% do PIB nas áreas de conhecimento, se somarmos Educação, Ciência e Cultura. Se queremos ter futuro e olhar para a frente, temos de fazer escolha sobre onde investimos os nossos recursos."

Apesar dos confrontos entre ambos, António Costa concordou com a líder do Bloco de Esquerda sobre a necessidade de investimento nas diferentes área de conhecimento. O primeiro-ministro aproveitou para destacar obra feita no Executivo.

"O investimento na Cultura é crítico. (...) Aprovámos pela primeira vez um estatuto de profissional da cultura. Dotámos o Plano de Recuperação e Resiliência dos recursos necessários para um investimento histórico no nosso património cultural, para a criação e financiamento das redes culturais e para a digitalização dos conteúdos", enumerou.

O líder do PS espera conseguir a meta de destinar 2% da margem livre do Orçamento à Cultura. Também definiu como meta para 2026 que 2,2% do PIB sejam alocados à Ciência.

"A Educação para nós é absolutamente central, a par da ciência e da cultura, para termos um modelo de crescimento económico que permita pagar mais e melhores salários, fixar a geração de talento que temos, e podermos crescer com base no valor do produto e dos serviços que produzimos. Para isso é preciso qualificação e inovação, e para haver qualificação e inovação é preciso educação, ciência e cultura", concluiu António Costa.