O feminismo faz o jogo do marialva
22-09-2017 - 06:33

Apesar de toda a conversa sobre feminismo e emancipação das mulheres, o estado actual do romance mostra que as mulheres adaptaram-se às expectativas amorosas e sexuais dos homens.

Dizer que o romance está pelas ruas da amargura é o eufemismo do ano. Elas e eles não se cansam de mostrar o seu descontentamento amoroso. Ninguém parece satisfeito com o amor líquido e pós-moderno que nos apascenta.

Na verdade, os únicos que parecem satisfeitos com a sua vidinha amorosa são os homens e mulheres que permanecem casados, aqueles 30% de casais que resistem ao divórcio. O resto, divorciados e eternos solteiros, vive e demonstra todos os dias um desassossego amoroso que é publicitado no Facebook depois de ter sido alimentado no Tinder e nas relações fugazes que fogem de qualquer noção de sacrifício e de paternidade.

Como é que chegámos a este nevoeiro amoroso? Há dias, na revista americana “American Conservative”, uma autora católica chamada Rachel Lu tentou dar uma resposta - “Sex is Cheap and it’s a buyer’s Market - If You’re a Man”.

Rachel Lu começa por dissecar um livro do sociólogo Mark Regnerus, “Cheap Sex”. A tese do livro está no próprio título: nunca se viveu uma era tão marcada pelo sexo fácil e, sim, barato. Ele não está a falar da bandeirada das prostitutas, mas sim daquilo que uma pessoa (quase sempre um homem) tem de fazer para ter sexo no mercado do engate. O Tinder é de borla e está à distância de um toque, a pornografia é de borla e está à distância de um clique, etc., etc. As causas desta realidade são rebatíveis (Lu nem sempre concorda com Regnerus), mas há um efeito que não é rebatível: esta era de sexo fácil significa que a mulher tem de se adaptar às expectativas do homem. Ou seja, apesar de toda a conversa sobre feminismo e emancipação das mulheres, o estado actual do romance mostra que as mulheres adaptaram-se às expectativas amorosas e sexuais dos homens. A emancipação de Vénus foi conduzida num campo de batalha escolhido por Marte. Não, aqui não há politicamente correcto, ideologia de género ou igualitarismo forçado entre homens e mulheres. Homens e mulheres são diferentes. Para Lu e para Regnerus, é evidente que os homens procuram sexo de forma mais superficial; as mulheres querem sexo no contexto de uma relação séria. O homem dissocia com facilidade as palavras “orgasmo” e “amor”, a mulher não. O investimento emocional da mulher é superior. Neste sentido, esta era de amor líquido, de ausência de sacrifício, de relações que duram um ou dois meses, de permanente rotatividade amorosa e sexual é, na verdade, uma rendição da condição feminina à condição masculina. Nem sequer se pode dizer que existe um equilíbrio entre Marte e Vénus. Pelo contrário, há um esmagamento de Vénus debaixo da bota cardada e pornográfica de Marte. Cito (e traduzo) uma parte reveladora:

“No livro, encontramos homens que esperam que as mulheres tenham sexo logo após uns copos ou uma única refeição. Encontramos mulheres que reconhecem que gostariam de desenvolver as suas relações antes de terem sexo. Porém, é difícil ir contra a maré das expectativas masculinas. Muitas mulheres passam anos saltando de relação desapontante em relação desapontante, enquanto o casamento espera num horizonte que nunca chega.”

Mais dia menos dia, o feminismo terá de reconhecer que boa parte da conversa sobre “emancipação feminina” tem sido uma máscara do machismo. Sexo como pechincha é o sexo do homem, ou melhor, do homem enquanto bom selvagem, enquanto ser incivilizado que recusa qualquer tipo de travão freudiano, do eterno solteirão ou marialva. Como é que saímos deste mundo de cópula, copos e coca, um mundo que, debaixo de uma capa de modernidade ou pós-modernidade, esconde o bom e velho marialvismo? Fica para outra conversa, até porque tenho dúvidas em relação às soluções apresentadas por Rachel Lu.