Capoulas Santos. Tirar o Ministério da Agricultura de Lisboa faria sentido
30-11-2017 - 00:02
 • Graça Franco (Renascença) e Ana Fernandes (Público)

Capoulas Santos diz que uma das medidas mais importantes da reforma das florestas é a que cria as entidades de gestão florestal. E fala da renovada aposta nos regadios.

Foi secretário de Estado da Agricultura e depois ministro no executivo de Guterres. Luís Capoulas Santos é agora novamente ministro da Agricultura. Admite que tem a sua quota de responsabilidade no que se passou este Verão mas está confiante que a reforma que foi aprovada irá mudar o estado das coisas. Prepara novos apoios para os pequenos agricultores, cuja presença é fundamental no território e não acha descabida a saída do ministério para o interior. Quanto a meios para todas estas promessas, mostra-se tranquilo — além dos fundos europeus, também o Orçamento do Estado pode ser redireccionado para as novas prioridades.

Nos últimos 22 anos, desempenhou funções no Ministério da Agricultura durante quase metade desse tempo. O que aconteceu este Verão não foi também uma derrota sua?

Naturalmente que não sendo responsabilidade minha, terei alguma responsabilidade nisso. Mas também tenho muita honra na minha experiência. Aquilo que mais me orgulha é ter participado na decisão do Alqueva e ter ajudado a lançar aquele grande empreendimento. E gostaria de acabar a minha carreira política deixando a mesma herança na floresta. Estou convicto que aqueles que hoje criticam a reforma da floresta são aqueles que tanto criticaram o Alqueva e que entretanto, em pouco menos de duas décadas, desapareceram.

Não houve consenso na reforma, concretamente no banco de terras que contou com a oposição do PCP.

O banco de terras foi o único dos 12 diplomas sobre a reforma da floresta que não passou. E o banco de terras tem a ver, não só com a floresta, mas também com a agricultura já que visava disponibilizar também terras para exploração agrícola. A proposta estava associada a um fundo de mobilização de terras que permitia que, com a venda de património e com o dinheiro proveniente do arrendamento, se comprassem novas terras para voltar a instalar mais jovens. Por outro lado, permitia que, no caso da floresta, os terrenos que vierem a ser identificados como sem dono conhecido pudessem ser também disponibilizados para exploração.

O governo anterior tinha criado um banco de terras.

Não. O governo anterior criou uma bolsa de terras, que é como uma agência imobiliária. No banco de terras era imediatamente integrado todo o património rústico do Estado, esteja em que ministério estiver. Estas terras eram postas a concurso para arrendamento, preferencialmente a jovens agricultores. Ao fim de sete anos, período mínimo de comprovada boa gestão, poderiam ser vendidas e o dinheiro dessa venda era canalizado para um fundo de mobilização de terras, que visava comprar novas terras para que este banco continuasse indefinidamente. O Estado agora pode fazer o mesmo com as terras do Estado. Só que quando for entregue o último metro quadrado, acaba o banco de terras.

Entre a multiplicidade de problemas que explicam os incêndios, um é o despovoamento do interior. O Ministério da Agricultura não seria uma das estruturas de Estado que faria sentido sair de Lisboa?

Sim, faria sentido. Fiz toda a minha carreira como funcionário do Ministério da Agricultura e aquilo que mais me entristeceu nos últimos anos, fruto de vários governos, foi ter visto o sucessivo desmantelamento do ministério e particularmente nas zonas onde mais devia estar, que era nos territórios rurais. Retirou os seus balcões concelhios onde estava o apoio aos agricultores e concentrou-os nas sedes distritais e nas sedes regionais.

Há intenção de reverter?

Nós temos vindo a reverter essa situação e a compensar de uma forma que se tem revelado bastante positiva, que é através das associações agrícolas que foram ocupando esse espaço.

O outro lado dessa questão é que também a fiscalização desapareceu do terreno.

Não creio que possa haver algum dado objectivo que o possa confirmar. No que diz respeito aos apoios comunitários — o Ministério da Agricultura paga todos os anos aos agricultores, só de apoios comunitários e nacionais, mais de 1200-1300 milhões de euros — há um sistema de controlo por amostragem.

Mas uma das questões de que se falou foi o fim dos guardas florestais por exemplo.

Os guardas Florestais não acabaram porque eles estão na GNR, que criou, há pouco mais de dez anos, um serviço próprio da natureza — o SEPNA. Na altura, os guardas florestais eram cerca de 600. Neste momento existem cerca de 600 SEPNA e 300 guardas Florestais. Portanto, existem mais 300 do que existiam nessa altura.

Mas também integrou os vigilantes da natureza.

Sim, existem mais umas centenas de vigilantes da natureza que estavam no Ministério do Ambiente. Portanto, o número de efectivos a cumprir essa função é hoje o dobro do que era há 12 anos.

Mas com tutelas diferentes.

É por isso que uma das decisões do Conselho de Ministros de 21 de Outubro é criar um sistema integrado de prevenção de incêndios rurais, para o qual foi criada uma unidade de missão. O trabalho que está a ser desenvolvido pela Unidade de Missão em colaboração com os ministérios. A intenção é criar um modelo que permita integrar todas estas componentes do sistema. Há um conjunto de meios que o Governo reconheceu que carecem de melhor coordenação e está a trabalhar num novo sistema que os integre e que torne mais eficaz a sua acção.

Outra das questões mais referidas durante os incêndios foi a das monoculturas. Só que o pinheiro e o eucalipto são espécies que dão rápido retorno ao proprietário. Como é que se consegue convencer estas pessoas a apostar em outras espécies?

É natural que quem investe pretenda ter um retorno e esse retorno implica a plantação de espécies que tenham valor comercial. As outras [como as autóctones] têm sobretudo valor ambiental, o que sendo muito bom para o conjunto dos cidadãos, não induz ninguém a investir em algo para a qual não tem retorno. A única forma de garantir que há investimento nessas espécies é integrando-as em projectos de florestação.

Funcionariam como complementares das outras e como sistemas de protecção das demais. E é por isso que a reforma da floresta criou um diploma — para mim o mais importante de todos — que cria as entidades de gestão florestal que visam criar condições para que o minifúndio possa ter dimensão, integrado em cooperativas ou empresas, que beneficiarão de um generoso regime de incentivos fiscais e que irão florestar de acordo com planos de gestão florestal, onde esse conjunto de espécies têm o seu espaço.

O que deve plantar agora quem perdeu tudo?

Criámos as entidades de gestão florestal e o Estado vai avançar com uma empresa pública. Para que essas entidades geridas profissionalmente possam apresentar a essas pessoas, por exemplo, a hipótese do arrendamento dessa sua pequena parcela, que passa a ter um rendimento anual garantido. Um exemplo: avançámos com o cadastro nos 10 municípios de Pedrógão que foram atingidos pela tragédia. Há 600 mil prédios rústicos nesses 10 municípios. Ora, é impossível executar um plano florestal numa superfície equivalente a um T0. Só é possível de forma agrupada e isso ou se faz por iniciativa dos privados, que formam cooperativas ou empresas, ou por empresas que vão comprar ou arrendar esse património. A empresa pública que o Estado vai criar vai avançar de imediato para tentar demonstrar como é possível.

O que é que já está a ser feito quanto à erosão?

Aprovei em Julho apoios para a estabilização de emergência na ordem dos 50 milhões de euros, que estão em execução nas zonas mais vulneráveis do país.

De onde é que vem o dinheiro para todas estas medidas?

Estamos a executar o programa de desenvolvimento rural (PDR), que tem 4 mil milhões de euros para o período de 2014 a 2020. Temos neste momento 70% do envelope financeiro comprometido. Só nas medidas florestais, que têm no seu conjunto 540 milhões de euros, estão a pagamento 240 milhões.

Mas é possível reprogramar?

Claro que é, dentro da margem que a regulamentação comunitária permite.

Mas os agricultores queixam-se do tempo que demora até saber se os projectos são aprovados.

Quando o Governo tomou posse, o PDR estava em vigor há dois anos e estavam zero projectos contratados. Eu aprovei, entretanto, 15 mil e já temos pagamentos efectuados, neste momento, equivalente a mais de 1300 milhões de euros de investimento.

Há pedidos em atraso desde o mês de Maio deste ano.

Mas havia milhares de projectos candidatos. E essa é outra das questões que eu vou alterar. Até agora, abria-se um concurso nacional para investimento nas explorações agrícolas em que todos os candidatos convergiam, entravam milhares de candidaturas. Uma das coisas que alterei foi abrir concursos sectoriais. Vou também abrir concursos regionais para corrigir outro aspecto: é que havia regiões que estavam hiper beneficiadas em detrimento de outras.

Voltando aos fundos para a reforma da floresta.

Uma parte do dinheiro vem, portanto, do PDR, outra vem do Orçamento do Estado (OE). Por exemplo, as medidas com que estamos agora a acudir aos pequenos agricultores na região dos incêndios vêm todas do OE. Até segunda-feira, o número de candidaturas, de cerca de 15 mil agricultores, correspondia a cerca de 40 milhões de euros.

No dia 15 vai ser anunciado um novo estatuto para a agricultura familiar. O que é que nos pode já adiantar sobre isso?

Normalmente as políticas da União Europeia são mais orientadas para o sector mais competitivo e mais empresarial da agricultura, deixando de lado muitas vezes os pequenos agricultores, que têm um papel muito importante na ocupação do território. Para que eles continuem a existir, há já um conjunto de medidas de apoio como as medidas para as zonas desfavorecidas, as indemnizações compensatórias e algumas medidas agro-ambientais. Mas é preciso ir mais longe. O estatuto que vamos criar é uma carta de direitos, que está a ser trabalhada entre mim e mais oito ministros. Espero ter esse estatuto em discussão pública antes do fim do ano.

Mas o Orçamento do Estado já foi aprovado.

Há muitas medidas e muitos benefícios que não têm uma expressão orçamental imediata, há outros cujos meios já existem e há meios financeiros nos diversos ministérios que podem ser reorientados de outra forma.