O ambiente controlado não é favorável a um Presidente como Marcelo Rebelo de Sousa. A curta passagem por Nova Deli é prova disso.
Estava um tempo perfeito, nem demasiado quente nem demasiado calor, o céu mais azul do que a poluição severa da capital indiana fazia prever, sol a iluminar a parada militar e honras de Estado no Rashtrapati Bhavan, a casa do Presidente.
A apertada segurança indiana impedia quebras do protocolo, mas também não havia por perto a quem dar abraços ou com quem tirar “selfies” numa cidade com milhões de habitantes, quase todos para lá dos portões com guardas armados até aos dentes.
Colorido só mesmo o da Índia, porque tudo o resto foram salas fechadas, reuniões, almoços, audiências, jantares. Um de cada, já agora, que 24 horas em Deli não dão para mais.
A exceção foi a inauguração de uma obra da portuguesa Joana Vasconcelos no Museu Nacional da Índia: Chá-Chai, nome da exposição que une Portugal e Índia, embora a peça não tenha sido criada a pensar no chá que os portugueses introduziram em Inglaterra e daí para o mundo.
Foi uma escala do bule da Alice no País das Maravilhas (quando Alice come um bolinho e encolhe) feito para o “Portugal dos pequenitos”. Mas, enfim, chegou a Nova Deli, empreitada patrocinada por uma empresa indiana, um bule em ferro forjado, onde se pode entrar e tomar um chá das cinco, sentados nos bancos que a cultura indiana enfeitou de flores muito amarelas e de outras cores. São pontes entre duas culturas e a cultura também pode ser “ponte para negócios”, acredita a autora.
Nem só de política vivem os encontros ao mais alto nível, diz o Presidente português que, na primeira vez de sempre” na Índia, gastou quase todo o tempo em Nova Deli a falar de “concretização” de acordos, da “concretização” de projetos. Mais concretamente, a cada passo, Marcelo repetiu o mesmo exemplo, a assinatura de um contrato da Águas de Portugal para construir equipamentos de saneamento em Goa, que será um dos últimos pontos da agenda oficial. E repetiu todas as vezes que a expectativa é que se multiplique. Expectativa. Nada de muito concreto, portanto.
Sem declarações depois do demorado encontro com Narendra Modi, o primeiro-ministro indiano, onde só houve “imagens para o boneco”, à noite a comitiva regressou ao palácio presidencial e para voltar a ouvir falar de entendimentos. Foram 14 ao todo, entre memorandos e acordos, em áreas que vão das políticas sociais.
Mas um deixou o presidente indiano particularmente agradado: a hipótese de todas as escolas portuguesas passarem a contar nos seus currículos com aulas de yoga. Ram Nath Kovind até sabia que já há 10 mil alunos com aulas de yoga em Portugal. E deixou um “boa tarde” e um elogio rasgado à gestão de Marcelo da “robusta democracia portuguesa”. O chefe de Estado português preferiu falar sobre a calorosa receção e de como se sente “profundamente emocionado”.
Mais uma vez, não houve direito a perguntas.
Na “primeira vez de sempre” de Marcelo Rebelo de Sousa na Índia, a terceira de um Presidente português, não houve para já nem sinais das viagens cheias de folclore, multidões e até passeios de elefante. Nem sequer uma visita ao Taj Mahal, símbolo máximo da cultura indiana.
Não é disso que tratam as viagens presidenciais destes tempos onde todo o deslize pode tornar-se viral e ninguém arrisca um movimento em falso que possa ser levado à fogueira das redes sociais. “Namasté!”