Katherine, a sucessora de Paddy. "A Web Summit não está em crise"
17-11-2023 - 06:30
 • José Pedro Frazão

Katherine Maher quer "reconstruir alguma confiança perdida" e recentrar a Web Summit no trilho das start-ups e de debates sobre a forma como a tecnologia deve servir a sociedade.

A nova CEO da Web Summit apresenta-se com pontualidade no estúdio da Renascença no Pavilhão 4 da FIL. O estilo contrasta muito com o de Paddy Cosgrave. A presidente-executiva que lhe sucedeu vem acompanhada por quatro seguranças e duas assessoras de comunicação vigilantes, num movimento "em bolha", munido de auriculares e microfones emissores.

Entre perguntas incontornáveis, Katherine Maher foi caminhando ao longo da entrevista para uma maior distensão e foi com muitos risos que falou das suas novas rotinas em Lisboa.

No fecho da WebSummit, que impressões constam do seu caderno de notas sobre esta edição?

Fiquei absolutamente impressionada com o tamanho e a escala da Web Summit. Tivemos mais de 70.000 participantes e 2.600 startups. A diversidade geográfica, de fundadores em termos do número de mulheres que lideram startups e a participação no "Women in Tech" tem sido realmente impressionante, bem como a energia no terreno.

Cada vez que tento caminhar na Web Summit é como nadar contra a corrente, acho que é essa sensação. Tem sido uma ótima experiência. Tivemos a sorte de ter um clima incrível. Sinto que a energia está muito elevada.

Já esteve aqui noutra qualidade, como oradora, por exemplo. Agora, o seu ponto de vista é assim tão diferente dos que tinha antes?

Certamente que ser CEO implica um ponto de vista e uma função muito diferente. Gasto o meu tempo a fazer coisas diferentes. Acho que a única coisa que gostaria de poder fazer é passar mais tempo no terreno e encontrar-me com pessoas. Grande parte do meu tempo tem sido nos bastidores, em reuniões individuais com parceiros e outras pessoas. Mas tem sido excitante e acho que a minha coisa favorita sempre foi sair para conhecer os participantes, cumprimentá-los, apresentar-me e perguntar o que é que eles estão a gostar mais na Web Summit.

A CEO da Web Summit também faz negócios na Web Summit?

(risos) Bem, temos 300 parceiros presentes aqui. Temos os nossos parceiros nacionais com quem organizamos os eventos, os nossos anfitriões governamentais e da cidade. E, com certeza, tenho também conversas importantes sobre o futuro do Web Summit.

Falou de um recomeço da Web Summit. Quais são os componentes desse novo começo?

A Web Summit é uma empresa que está a passar por uma transição, de uma empresa liderada pelo fundador para uma com um presidente executivo. E isso é sempre uma oportunidade para alguma clarificação e pensar realmente no propósito da empresa e dos nossos eventos, talvez para uma dissociação da identidade que é um pouco ligada ao nosso fundador e falarmos sobre o objetivo da Web Summit, porque é que isso é importante no mundo, porque é que as pessoas gostam disso e porque tem valor.

Sinto que há duas dimensões desse recomeço. Trata-se de devolver o foco à conversa que está a acontecer nos nossos palcos, ao invés de a Web Summit estar no centro da conversa, que foi o que aconteceu no mês passado. E depois trata-se de pensar um pouco em definir qual é a missão da Web Summit. O que estamos aqui a fazer?

Voltar ao essencial?

Bem, acho que voltar ao fundamental é parte disso. Queremos ter certeza de que para as start-ups, que são o núcleo daquilo que começámos a fazer, esta seja uma experiência fantástica e que obtenham valorização imediata daqui. Representa uma grande parte do seu ano e é algo que eles podem planear na forma como podem encontrar o sucesso.

E depois também pensaria no que vem a seguir. Construímos o nosso nome quando estávamos totalmente focados nas redes de consumo. Mas a tecnologia é muito mais significativa do que isso. Tudo é tecnologia. Todos os setores são impactados pela inovação tecnológica. E acho que há uma questão muito interessante sobre o que queremos ter nos nossos palcos e nas conversas para além da rede.

Sinto realmente que a tecnologia precisa de estar ao serviço da humanidade e da sociedade. Na medida em que podemos conduzir isso através da forma como programamos os palcos, acho que isso também se torna uma conversa realmente emocionante.

Com novos tópicos, provavelmente?

Possivelmente. Sim, absolutamente. Obviamente, conversamos bastante sobre clima e tecnologia nos nossos palcos. Mas existem maneiras de conduzir isso para conversas mais aprofundadas sobre as grandes implicações tecnológicas disso? Quais são os esforços de I&D realmente interessantes em andamento que estão muito além dos limites da tecnologia de consumo ou software ? Ajudariam a mostrar uma indústria emergente, também para que os empreendedores que estão no espaço de software comecem a pensar bem o que pode estar na faixa das aplicações para além disso. Quero voltar atrás e analisar o que tivemos nos nossos palcos no passado e, nas próximas semanas, isso provavelmente vai ajudar-me a entender como programar os nossos palcos para o futuro e como isso molda as conversas que temos aqui.

Além do ambiente das startups, há também as grandes empresas. Aconteceu este revés para a organização , ligado à saída de algumas das maiores companhias. Todas essas feridas que foram feitas aqui já estão curadas para a próxima edição? Tem sinais de que foi algo que apenas aconteceu um ano?

Muitos dos nossos grandes parceiros corporativos estão connosco há muito tempo, alguns com uma década de relação entre nós. Ouvi de forma confidencial que os nossos parceiros estão muito satisfeitos com as escolhas que fizemos, que o conselho agiu rapidamente, que Paddy deixou o cargo de CEO e o conselho de administração e que este agiu rapidamente para nomear um novo CEO. Toda esta capacidade de resposta deu confiança aos nossos parceiros de que estávamos a avançar na direção certa. Certamente também ouvimos parceiros que decidiram renovar os seus compromissos para os nossos próximos eventos, e espero sinceramente que os vejamos de volta no próximo ano.

Agora, também quero reconhecer que alguma confiança foi quebrada e parte do meu papel será como proceder para reconstruir essa confiança.

Levará algum tempo?

Construir confiança leva sempre tempo. Sinto que já fizemos parte do trabalho importante para podermos começar a reconstruir essa confiança. Acho que o sucesso deste evento, o tamanho, a escala, o público, demonstra o valor e fala por si. E também se trata de dar às pessoas a confiança de que somos um parceiro em quem elas podem confiar no longo prazo, com quem elas podem trabalhar. E a realidade é que esta não é uma organização em crise. A equipa da Web Summit é excepcional. Foi um momento que passámos, que precisávamos de "navegar" e do qual estamos já bem a sair.

Tenho certeza que já ouviu dizer que o grupo de oradores deste ano não era tão atrativo como nas edições anteriores. Reconhece que esta edição foi diferente das outras ? E será diferente no próximo ano?

Acho que a energia em cada Web Summit é um pouco diferente de ano para ano. Pessoalmente, quando me sentei na sala próxima do palco principal e ouvi alguns dos nossos oradores na noite de segunda e terça-feira, fiquei muito impressionada com a qualidade dos oradores. Senti que tivemos um debate robusto. Tive depois a oportunidade de conhecer muitos desses oradores e senti que eles representavam algumas das melhores conversas que poderíamos trazer ao palco. Reconheço que não temos este ano algumas celebridades, atores, atrizes e músicos famosos.

Vai mudar isso?

Talvez, talvez. Acho que tudo tem que estar em linha com o que estamos a tentar apresentar na experiência que estamos a tentar criar. E se esse for o tipo de coisa que dá alegria às pessoas, então sim, em absoluto, deveríamos trazer isso de volta ao palco. Mas, insisto, sinto que deve ter um propósito. E se atender ao propósito do nosso momento, então isso é ótimo.