A ministra da Justiça, os lapsos no currículo e a escolha de José Guerra
07-01-2021 - 06:59
 • Renascença com Lusa

Ministra da Justiça vai ao Parlamento às 17h00 dar explicações sobre as incorreções no currículo do procurador europeu José Guerra, enviadas ao Conselho Europeu e que já provocaram a demissão do diretor-geral da Política de Justiça.

A ministra da Justiça vai esta quinta-feira ao Parlamento, a pedido de vários partidos, dar explicações sobre os erros que constavam de uma carta enviada por Portugal à União Europeia que sobrevalorizavam o currículo do procurador europeu nacional, o magistrado do Ministério Público José Guerra.

A polémica estalou quando, na semana passada, vários órgãos de comunicação social noticiaram que, numa carta enviada para a União Europeia, o executivo apresenta dados falsos sobre o magistrado preferido do Governo para o cargo de procurador europeu, José Guerra, depois de um comité de peritos ter considerado Ana Carla Almeida a melhor candidata para o cargo.

Na carta, José Guerra é identificado como sendo "procurador-geral-adjunto", categoria que não tem, sendo apenas Procurador da República, e como tendo participado "na liderança investigatória e acusatória" no processo UGT, o que também não é verdade, porque foi o magistrado escolhido pelo Ministério Público para fazer o julgamento e não a acusação.

Além das incorreções no currículo, a designação de José Guerra para o cargo tem estado envolta em polémica, já que a escolha de um júri europeu independente recaiu sobre a procuradora Ana Carla Almeida, tendo o Governo português decidido nomear o primeiro classificado de um painel do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).

A Procuradoria Europeia, que começou a funcionar em outubro de 2020, é um órgão independente e descentralizado da União Europeia, com competência para investigar, instaurar ação penal e levar a julgamento os autores de crimes contra o orçamento da UE, como a fraude, a corrupção ou a fraude transnacional grave em matéria de IVA.


Cronologia dos principais acontecimentos deste caso:

2019

28 de fevereiro:

O procurador José Guerra é nomeado pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) como candidato a designar pelo Estado português para procurador europeu nacional na Procuradoria Europeia, tendo obtido a melhor pontuação entre os três nomes propostos.

14 de março:

O Conselho de Ministros aprova a proposta de lei que executa o regulamento europeu para a criação da Procuradoria Europeia, que visa combater os crimes que lesam os interesses financeiros da União Europeia.

2020

27 de julho:

José Guerra é nomeado procurador europeu nacional para um mandato de três anos. É um dos 22 procuradores (um por cada Estado-membro participante) nomeado para a Procuradoria Europeia.

5 de outubro:

Vários académicos, entre os quais Miguel Poiares Maduro e Rui Tavares, subscrevem uma carta aberta ao Parlamento Europeu com o título "Apelo ao Conselho da UE sobre a sua hipocrisia em relação ao Estado de direito", na qual é questionada a seleção do Conselho Europeu de Justiça para o cargo de procurador europeu.

Em resposta, o Governo refere que foi indicado e nomeado o candidato previamente escolhido pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) que, numa escala de 0 a 100, atribuiu a José Guerra o primeiro lugar, com 95 pontos. Em terceiro lugar, com 81 pontos, ficou a procuradora Ana Carla Almeida, que impugnou a decisão portuguesa, depois de ter sido escolhida por um júri europeu independente.

O Ministério da Justiça (MJ) justificou a escolha de José Guerra – segundo classificado na avaliação do júri europeu – pelo seu percurso profissional ser superior ao dos outros candidatos.

11 de setembro:

O PSD quer ouvir explicações da ministra da Justiça no parlamento sobre a nomeação de José Guerra, considerando "censurável" que o Governo não tenha indicado o candidato mais bem classificado no concurso de seleção.

12 de setembro:

O chefe do grupo parlamentar do PSD no Parlamento Europeu, Paulo Rangel, considera "inaceitável" a interferência do Governo português na nomeação de um magistrado para a Procuradoria Europeia e envia questões ao Conselho da União Europeia.

28 de setembro:

José Guerra toma posse como procurador europeu nacional na Procuradoria da União Europeia, apesar das críticas à sua escolha pelo Governo português.

14 de outubro:

A ministra das Justiça garante no Parlamento que a nomeação do procurador europeu nacional não teve qualquer interferência do Governo e que foi uma opção do CSMP.

31 de dezembro:

O PSD pede a audição urgente no Parlamento da ministra da Justiça para esclarecer notícias que referem que o Governo terá dado informações falsas para justificar a escolha de José Guerra.

Vários órgãos de comunicação social noticiam que, numa carta enviada para a União Europeia, o executivo apresenta dados falsos sobre o magistrado preferido do Governo.

Na carta, José Guerra é identificado com a categoria de "procurador-geral-adjunto", que não tem, sendo apenas procurador, e como tendo tido uma participação na investigação/acusação no processo UGT, o que também não é verdade, porque foi procurador de julgamento.

O presidente do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, exige explicações da ministra da Justiça sobre alegados factos falsos no processo de escolha do magistrado, dizendo que é preciso "limpar este denso nevoeiro".

O eurodeputado Nuno Melo (CDS-PP) questiona a Comissão Europeia e o Conselho da UE sobre o processo de nomeação do procurador europeu, à luz das notícias sobre alegados factos falsos no processo de escolha de José Guerra.

O MJ admite "dois lapsos" no currículo que divulgou de José Guerra, considerando que estes não foram determinantes para a sua escolha, e disse que vai diligenciar para que sejam corrigidos.

O presidente do PSD, Rui Rio, considera que a ministra da Justiça assumiu as "falsidades da carta" e ironiza ao dizer que "a culpa parece ter sido do porteiro".

2021

1 de janeiro:

A coordenadora do BE, Catarina Martins, lamenta que informações falsas em currículos sejam situações "comuns demais em Portugal", aguardando por mais explicações do Governo.

O Chega pede a demissão da ministra da Justiça, Francisca van Dunem.

2 de janeiro:

O Livre quer explicações do Governo e da Assembleia da República, defendendo que o cargo não pode servir interesses nacionais e que está em causa a credibilidade da Procuradoria Europeia.

A ministra da Justiça assume que tem condições para continuar no Governo, considerando que foi feito um "empolamento profundamente injusto" de uma situação "rigorosamente transparente".

Rui Rio afirma que o empenho do Governo em defender o procurador José Guerra parece ser maior do que o da ministra da Justiça "em defender a sua dignidade no exercício do cargo".

O Presidente da República e recandidato ao cargo, Marcelo Rebelo de Sousa, considera que houve um desleixo lamentável na questão da escolha do procurador europeu, "matéria que tem projeção internacional", deixando claro que quer "ainda mais informação".

Na perspetiva de Marcelo Rebelo de Sousa "há três ou quatro pontos que são lamentáveis" neste caso, o primeiro dos quais "atribuir uma qualidade que uma pessoa não tem" e ainda dizer que dirigiu uma determinada investigação quando a representou em tribunal, o que é diferente.

3 de janeiro:

A Iniciativa Liberal acusa o Governo de ter tido uma "gestão sinistra" no processo de nomeação do procurador europeu, considerando que não só "atropelou o princípio do mérito" como fundamentou a candidatura em "factos falsos".

4 de janeiro:

O primeiro-ministro manifesta "total confiança política" na ministra da Justiça e refere que os "lapsos" no tiveram origem numa nota da Direção-geral de Política de Justiça, sublinhando que "compete ao Governo escolher os candidatos a representante de Portugal na Procuradoria Europeia".

Rui Rio acusa a ministra da Justiça de "falsidade" nas declarações que prestou sobre a polémica em torno da nomeação do procurador europeu, considerando que o Governo "vai enfraquecendo".

O responsável máximo da Direção-geral de Política de Justiça, Miguel Romão, demite-se do cargo e diz que a informação foi "preparada na sequência de instruções recebidas" e o seu teor era do conhecimento do gabinete da ministra da Justiça.

O secretário-geral do PCP considera "ajustada" a audição da ministra da Justiça, no parlamento, para esclarecer a polémica e critica um "processo mal cuidado".

A ministra da Justiça envia ao representante português junto da União Europeia uma correção aos erros que constam do currículo, admitindo que a nota enviada a 29 de novembro de 2019 tinha "dois lapsos evidentes" na categoria profissional de José Guerra, que não é procurador-geral adjunto, e sobre a sua participação no processo UGT, que acompanhou no julgamento e não na fase de investigação/acusação.

O MJ informa que está em curso uma averiguação para apurar as circunstâncias em que foi elaborada a nota que continha lapsos que valorizavam o percurso profissional de José Guerra.

5 de janeiro:

A procuradora Ana Carla Almeida, preterida para o cargo de procurador europeu, considera que as informações sobre a forma como decorreu o processo de seleção "em nada contribuem" para o regular funcionamento do Estado de Direito e para a independência da Procuradoria Europeia

O primeiro-ministro considera "irrelevante" para a presidência portuguesa da União Europeia a polémica em torno da nomeação de José Guerra, enquanto o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, manifesta confiança em Portugal.

O presidente do PSD considera que Francisca van Dunem não tem condições para se manter como ministra da Justiça, afirmando que, se fosse num Governo por ele liderado, já teria saído.

6 de janeiro:

O parlamento aprova os requerimentos de quatro partidos (PS, PSD, CDS-PP e BE) para ouvir a ministra da Justiça "com caráter de urgência", numa audiência agendada para hoje.

A Ordem dos Advogados vai apresentar ao Ministério Público uma participação criminal contra incertos, considerando que este é um assunto de extrema gravidade que não pode ficar encerrado com a simples declaração de que se tratou de lapso dos serviços do MJ.

O juiz José Rodrigues da Cunha avança com uma ação no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o Ministério da Justiça, a pedir a anulação do processo que o excluiu do concurso ao cargo de procurador europeu.

No Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, o juiz apresentou uma intimação contra o Ministério da Justiça (...) para prestação de informações e passagem de certidão de todos os atos praticados desde 22 de março de 2019 até à nomeação do procurador europeu.