Terreno, assessoria e transportes. As despesas da JMJ além do altar-palco
31-01-2023 - 19:55
 • Salomé Esteves Renascença

Altar-palco é um terço do valor total já contratualizado para a JMJ 2023. Câmara de Lisboa já gastou 23% do valor orçamentado.

É previsível que o custo total da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de Lisboa 2023 ascenda a, pelo menos, 154 milhões de euros, tendo em conta os orçamentos já divulgados pelo Governo e pelas autarquias de Loures e Lisboa, assim como a estimativa da Igreja.

A Câmara de Lisboa vai investir 35 milhões de euros; a de Loures nove milhões de euros, o Governo reviu em baixa o orçamento para 30 milhões de euros e a Igreja faz uma previsão de 80 milhões de euros de investimento. O autarca da capital, Carlos Moedas, reforçou que Lisboa nunca recebeu um evento desta dimensão.

A seis meses JMJ, que irá decorrer entre 1 e 6 de agosto, foram celebrados 28 contratos, disponíveis no Portal dos Contratos Públicos (BASE). Dos 14,1 milhões de euros totalizados nos 28 contratos realizados até agora, cerca de 13,8 milhões correspondem a contratos celebrados pelo município de Lisboa ou pela Lisboa Ocidental. Em que foi gasto este dinheiro? E por que entidades?

Até à data, a Câmara Municipal de Lisboa já gastou aproximadamente 23% do seu orçamento, o que corresponde a cerca de oito milhões de euros.

Despesas com terreno são mais de metade do dinheiro já gasto

Os primeiros contratos a ser celebrados no âmbito da JMJ estão relacionados com o espaço em que o evento vai decorrer. Estas despesas cobrem análises geográficas e geotécnicas, levantamentos topográficos, avaliações ambientais, a construção do aterro sanitário, entre outros. As câmaras municipais de Loures e de Lisboa partilham, até à data, uma despesa de mais de oito milhões de euros, desde agosto de 2021.

A Câmara de Lisboa adjudicou, por ajuste direto, a construção do altar-palco por 4,24 milhões de euros, a que se soma mais 1,06 milhões para as fundações, o que eleva para mais de cinco milhões a despesa. O valor espoletou a discussão sobre o custo total do evento. E este é o segundo maior valor da despesa gasta. A difícil adequação do palco para eventos futuros e a reutilização do palco trazem preocupações sobre despesas acrescidas.

Admitindo que este é um número que "magoa", D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ, anunciou para esta semana uma reunião entre todos os envolvidos na organização da Jornada, com a promessa de rever o projeto ponto por ponto.

“Nós temos que ver o que é que tem que ser mesmo feito face a uma estrutura que tem a altura de três andares. Na próxima semana vamos ter uma reunião com os vários intervenientes de maneira a ver o que se pode eliminar", afirmou D. Américo Aguiar.

Nove dos 21 contratos de Lisboa são para comunicação

As despesas da Câmara de Lisboa para a JMJ com assessoria, comunicação e design totalizam, até à data, 338.024,11 €, divididos por oito contratos, sete dos quais foram celebrados em ajuste direto. A Câmara de Loures celebrou um único contrato nesta área, com o valor de 72.000 € (distribuídos por quase quatro anos). Desde 2021, o município de Lisboa integrou seis assessores para prestar apoio exclusivo à JMJ, em diferentes valências. Um dos assessores contratados acabou por abanonar funções no verão de 2021.

João Maia Abreu, que exerceu funções na TVI durante 17 anos, foi contratado pela CML em dezembro de 2022, para coordenar as atividades de comunicação e de relação com os media, no contexto da Jornada. O valor total do contrato (37,525.00 €) para os nove meses seguintes, traduz-se num salário de 4.169,9€.

Outro dos contratos celebrados foi com Tiago Abreu, antigo assessor da vereação do CDS-PP na Câmara Municipal de Lisboa, em dezembro de 2022 assumiu funções como membro da Unidade de Missão do Município de Lisboa para a JMJ. Durante os nove meses de contrato, Tiago Abreu vai receber um salário de 2.750€ por mês, num total de 24.750,00 €.

Nesta área, o contrato de maior valor foi feito entre o município de Lisboa e Francisco Guimarães. O assessor foi contratado em agosto de 2021 para integrar o gabinete da vereadora Laurinda Alves e prestar serviços de assessoria relacionados com a área da Juventude e, em particular, da JMJ. O valor do contrato inicial era de 91.686,04 € por 730 dias (2 anos), o que equivale, aproximadamente a 3.820€ por mês.

O assessor e treinador desportivo abandonou a função em julho de 2022, poupando 60.000€ ao valor inicialmente contratualizado. Desde então, a responsabilidade da organização da JMJ dentro da CML passou para o vice-presidente do executivo, Filipe Anacoreta Correia, mas nos últimos dias o presidente da Câmara, Carlos Moedas, anunciou que liderará todas as negociações.

O Governo não celebrou, à data, contratos de assessoria e comunicação para a JMJ.

Orçamento do Governo não incluía transportes, mas o primeiro e único contrato feito é para mobilidade

Em outubro, o Governo reforçou o orçamento para a JMJ em 20 milhões, aumentando o total para os 36,5 milhões, sem IVA. Esta despesa, disse a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, não incluía custos com saúde, mobilidade e segurança. Mas, a 26 de dezembro, foi adjudicado um contrato de cerca de 90.000€ entre a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros e a VTM, para a elaboração de um plano de mobilidade e de transportes.

No último sábado, 28 de janeiro, o gabinete da ministra reviu em baixa o orçamento do Governo, para 30 milhões de euros.

Lisboa contratualizou mais de 400 mil euros em 2021. Fundação JMJ não fez investimentos nesse ano

No relatório de contas da Fundação JMJ, documento público e auditado pela Deloitte, pode ler-se que, durante 2021, registou-se um saldo positivo de mais de 300 mil euros, principalmente provenientes de doações. O mesmo documento afirma que “não ocorreu qualquer atividade de investimento ou financiamento.”

No ano anterior, a Fundação tinha acumulado rendimentos aproximados de meio milhão de euros, também principalmente a partir de doações. O que quer dizer que, desde a sua formação, a fundação acumula 800 mil euros em donativos. Um dos donativos recebidos pela Fundação, em 2021, foi da Caixa Geral de Depósitos, no valor de 100 mil euros.

É no mesmo relatório que a Fundação prevê um gasto de 2,9 milhões de euros em atividades relacionadas com a Jornada. Este valor é dez vezes inferior aos investimentos do Município de Lisboa e do Governo, à data. Mas o presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 anunciou, a 26 de janeiro, que a igreja previa um investimento de 80 milhões de euros, apesar de o orçamento ainda não estar fechado. Deste valor, 30 milhões devem ser alocados exclusivamente à alimentação dos 420 mil peregrinos pré-inscritos.

Apesar desse investimento ser maior do que o inicialmente previsto, ele é menor do que o retorno expectável da venda das inscrições dos participantes e dos voluntários.

Segundo a própria organização, um bilhete pode custar entre 50€ e 235€. Tendo em conta o 1,5 milhão de participantes esperados, a receita dos bilhetes pode gerar entre 75 e 382,5 milhões de euros. Contudo, a inscrição é voluntária e a participação nas atividades gratuita, o que não garante a concretização destes valores.

Na mesma lógica, os voluntários podem, em quatro regimes diferentes, pagar entre 30€ e 145€, dependendo dos serviços de que usufruirem durante o seu serviço, que pode ser mais ou menos prolongado. A organização da JMJ prevê a inscrição de 20 000 a 30 000 voluntários, o que pode significar uma receita entre 600 000€ e 4 350 000€.

Até à data, a lista de donativos de empresas e famílias ainda não foi tornada pública.


Carlos Moedas garante que este evento não tem paralelo em Lisboa, o investimento reflete-o

Em eventos de grande dimensão, sejam recorrentes ou não, a Câmara Municipal de Lisboa tem sempre algum tipo de investimento.

O Festival Eurovisão da Canção, que se realizou em Portugal em 2018, teve um custo total de 20 milhões de euros, 5 dos quais forma assumidos pela Câmara Municipal de Lisboa. O evento foi o mais barato do género desde 2008.

Na edição da Web Summit de 2022, o Município de Lisboa investiu 6 milhões de euros, através da Associação de Turismo de Lisboa (ATL).

No país, o único evento recente que excede o investimento do Estado e a dimensão da JMJ é o Europeu de Futebol. No Euro 2004, o Estado teve uma comparticipação de 650 milhões de euros, depois de fazer uma previsão de 426 milhões de euros de investimento.