A corrupção em Portugal
04-03-2020 - 06:47

Nos últimos anos, ou meses, a PJ já investigou e fez detenções em áreas tão díspares como a administração da Saúde, as messes militares, as autarquias ou a banca, dando origem a mega processos cujas ramificações não são ainda claras e o desfecho é incerto.

Segundo o índice de perceção da corrupção apurado anualmente pela «Transparency International», Portugal ocupou, em 2019, o 30.º lugar numa lista de 180 países. Olhando para a cartografia da corrupção em todo o mundo, dir-se-á que Portugal não faz má figura. Tem, atrás de si, (muito) mais corruptos, praticamente todos os países de África, Médio Oriente, Ásia e América Latina, embora tenha à sua frente, como pouco ou nada corruptos, a Nova Zelândia e a Austrália, o Japão e o Canadá, os países nórdicos, e mesmo os EUA e a grande maioria das nações do ocidente europeu, com exceção para a Espanha, onde o índice de corrupção é maior. Todavia, e de acordo com o mesmo observatório internacional, a situação portuguesa tem vindo a agravar-se.

Haver mais corrupção visível, em Portugal, ou falar-se mais dela não será um mal em si mesmo. O crime está a montante da sua revelação, e o maior fluxo de notícias sobre o tema poderá querer dizer que a justiça portuguesa está a funcionar melhor, arrancando à impunidade e trazendo a julgamento um maior número de prevaricadores. Acontece que haver mais corrupção visível pode significar também que há, de facto, mais corrupção a acontecer. A atualidade mediática vai e vem, ao sabor de causas momentâneas; mas a corrupção parece endémica, jamais saindo dos temas noticiáveis. Nos últimos anos, ou meses, a Polícia Judiciária já investigou e fez detenções em áreas tão díspares como a administração da Saúde, as messes militares, o caso de Tancos, as escolas de condução, os Serviços Secretos, as autarquias, a Segurança Social, os clubes de Futebol, os esquemas vários de fuga aos impostos ou a Banca, dando origem a mega processos cujas ramificações não são ainda claras e o desfecho é incerto, como a Operação Monte Branco ou a Operação Marquês.

Este rol já seria mau. O caso torna-se pior quando entre os corruptos ou os corrompidos estão aqueles mesmos que deveriam ser o garante da limpidez da vida nacional e os guardiões supremos da legalidade – os juízes. Os casos que envolvem o coração da magistratura, seja no Ministério Público seja, ainda mais grave, nos tribunais de Relação, são devastadores para a credibilidade nacional e para o sentimento do português comum. O que sucede com os juízes Orlando Figueira, Rui Rangel e, muito recentemente, Luís Vaz das Neves é inacreditável num estado de direito democrático: alegadamente, esquemas de corrupção dentro dos tribunais permitiam viciar as escolhas dos juízes para determinados processos, assim se conseguindo magistrados mais “simpáticos” para a causa “a” ou “b” e, portanto, promessas de sentenças talvez mais suaves, se não mesmo de absolvições. Foi isso que Rangel terá pedido a Vaz das Neves, no que, a ser provado, demonstrará como um juiz corrupto corrompe outro juiz que se deixa corromper – posto que parece que Vaz das Neves também se dedicava a acumular rendimentos chorudos, realizando julgamentos privados em local público, a troco de largos milhares de euros.

Portugal não é um país (muito) corrupto? Nem pensar. Há, e muita, corrupção por aí, da mais grave àquela mais pequena, tão típica de sociedades civicamente imperfeitas como a nossa, onde a lei e a lisura éticas são muitas vezes preteridas em favor do compadrio, do amiguismo, da cunha, do tráfico de influências, da troca de favores, das solidariedades secretas ou discretas – enfim, de um autêntico submundo, ou mundo paralelo, que mina o mérito, a concorrência leal e a confiança de cada um nos outros e nas instituições.