"Em vez de dispararem", os preços do gás diminuíram na União Europeia, em 2022. Caíram para valores abaixo dos que tinham antes da guerra, sublinha em entrevista à Renascença Sampaio Nunes, antigo diretor da Comissão Europeia para as Energias Convencionais, e para as Tecnologias da Energia.
Pedro Sampaio Nunes considera
que o Conselho Europeu fez bem em prolongar a recomendação de poupança no gás,
a 15%, até março de 2024. No ultimo ano, lembra, a meta proposta não só foi
cumprida, como foi ultrapassada.
Noutro plano, este especialista
defende que o hidrogénio de origem nuclear deve ser classificado como energia
renovável não poluente. Sampaio Nunes insiste que é tão sustentável, ou mais,
que o hidrogénio de origem renovável, e sustenta que a resistência de alguns
Estados-membros, incluindo Portugal, resulta de uma "ilusão".
O antigo diretor da Comissão
Europeia para as Energias Convencionais, e para as Tecnologias da Energia, diz
que "Alemanha e Dinamarca, os campeões dessa política, são aqueles que têm
os custos mais elevados de eletricidade do mundo".
A UE fez bem, no último Conselho Europeu, em prolongar a recomendação para poupar 15% no gás até março de 2024?
Fez bem, por um lado, porque é uma recomendação no sentido da maior eficiência na utilização dos recursos, na poupança energética e, por outro lado, está a ser cumprido. Aliás, está a ser ultrapassado. Nós já conseguimos, de uma forma agregada, poupar 19,3% do consumo de energia. Se nós ficássemos aquém desse valor, essa recomendação passaria a ser obrigatória. Neste momento, é uma recomendação. Como está a ser cumprida é apenas uma lembrança de que devemos prosseguir os esforços para poupar energia.
Quais são as vantagens?
A vantagem é obrigar os agentes económicos, e os Estados, a encontrarem formas de atingir maior eficiência ou de terem alternativas para poder abastecer-se de uma outra energia, que não o gás natural. Isso aconteceu. Isso aconteceu com grande sucesso. E, neste ano que passou, não só conseguimos reduzir substancialmente o gás natural, como os preços do gás. Contrariamente ao que era anunciado pelos russos, pelo ex-primeiro-ministro Medvedev, em vez de aumentar e dispararem, diminuíram. Neste momento já estão abaixo dos valores antes da guerra.
Se é possível, porque é que não mantemos para lá de 2024?
Mantém-se o objetivo genérico da redução, mantém-se o objetivo da redução através da penalização com a taxa de carbono de utilização do gás natural e todas os energias fósseis. Por isso, esses objetivos existem, e esses mecanismos existem para irmos abandonando a geração fóssil e passamos a ter uma geração mais limpa. Neste caso foi muito direcionado para uma fonte de energia da qual nós estávamos muito dependentes, e conseguimos libertar-nos dessa dependência.
Qual a situação de Portugal neste momento?
A situação de Portugal é confortável. Temos as nossas reservas praticamente cheias e temos um consumo que também diminuiu. E nó não utilizamos o gás substancialmente para aquecimento. Utilizamos na indústria e utilizamos a produção de energia elétrica, por isso estamos confortáveis.
Se é verdade que é importante poupar, por outro lado a indústria está a ser afetada por esta poupança...
Sem dúvida nenhuma, não é só vantagens. Nas zonas muito dependentes e que não conseguiram encontrar essas alternativas, como é o caso de setores importantes do centro da Europa, nomeadamente na Alemanha, algumas indústrias críticas tiveram que ser encerradas. Foram fechadas, e foram fechadas definitivamente, com o anúncio de que iam migrar para a China, ou para os Estados Unidos. Isso aconteceu com a grupos industriais importantes da Alemanha.
Só por si, isso não é suficiente para fazer repensar esta medida, ponderar eventuais atenuantes no caso da indústria.
Quer dizer, a indústria em princípio decide por si própria quais são as melhores formas de energia para se abastecer, com exceção daquelas decisões estratégicas nacionais que, infelizmente na Alemanha, tomaram de uma forma completamente desastrosa há cerca de 10 anos, quando abandonaram energia nuclear.
A energia nuclear é uma fonte de eletricidade muito interessante, muito segura e muito competitiva, que, depois de Fukushima, a Alemanha decidiu abandonar. Mas veja, o Japão, onde aconteceu Fukushima, neste momento já relançou todos os seus reatores nucleares e está a planear construir mais. Por isso, são decisões em que os industriais estão dependentes dos políticos.
Por falar em nuclear, o hidrogénio de origem nuclear deve, ou não, ser classificado como "energia renovável não poluente", como defendem alguns Estados-membros?
Sem dúvida nenhuma. Quer dizer, o hidrogénio de origem nuclear é tão sustentável, ou mais sustentável, que o hidrogénio de origem renovável. É que para garantir a energia renovável de que precisa para criar o hidrogénio verde, uma vez que são energias intermitentes e pouco densas, necessita de muito mais materiais, muito mais recursos, muito mais aço, muito mais a cimento.
Tem que extrair muito mais materiais, de que necessita para fazer energia nuclear. A meu ver, isso é uma ilusão de alguns países que estão a seguir - infelizmente Portugal também - liderados pela Alemanha, mas que estão a pagar um custo importante por isso. Neste momento a Alemanha e a Dinamarca, os campeões dessa política, são aqueles que têm os custos mais elevados de eletricidade do mundo. Não é da Europa, é do mundo.
Na prática, e para concluir, essas resistências ao hidrogénio de origem nuclear - resistências ao nuclear, mesmo - tem um caráter ideológico?
Absolutamente. São só de caráter ideológico, e completamente anticientífico. Toda a estatística, como o conhecimento científico, apontam no outro sentido. Por isso, abandonar o nuclear é uma medida puramente ideológica, e quem a prossegue paga e pagará um preço ainda mais elevado no futuro.