É urgente repensar a desigualdade
14-05-2018 - 11:48

Os Estados e as entidades supra-nacionais (como a União Europeia) cederam, durante décadas, à pressão de um discurso extremista e foram-se afastando, gradualmente, de compromissos que garantiam o bem comum.

Um relatório recente da Oxfam, em França, indica que, entre 2009 e 2016, quase 70 por cento dos ganhos das empresas cotadas em bolsa naquele país foram para dividendos aos acionistas; apenas 27 por cento serviram para investir nas empresas e pouco mais de cinco por cento foram gastos em incrementos salariais. Um trabalho desenvolvido pelo Dinheiro Vivo, com base na realidade portuguesa, indica-nos que os principais dirigentes das maiores empresas nacionais aumentaram, em média, as suas remunerações em 40 por cento nos últimos três anos, ao mesmo tempo que mantinham praticamente estagnados os salários dos funcionários.

Parece agora evidente a cada vez mais pessoas de bom senso que o pêndulo da desregulação social - posto em movimento em meados dos anos 1980 por Reagan e Thatcher - foi longe demais. Não é verdade que permitir a uns poucos que enriqueçam sem limite traga benefícios para todos e não é igualmente verdade que este comportamento ‘sem freio’ tenha um qualquer fim natural. Não é verdade que o simples facto de se reduzirem os impostos sobre as empresas redunde em benefício da sua competitividade e do entorno social em que se inserem e não é igualmente verdade que os gestores de topo – quando postos perante opções simples como ‘ganho mais eu ou ganham mais os funcionários’ – tenham comportamentos socialmente sensatos.

Os Estados e as entidades supra-nacionais (como a União Europeia) cederam, durante décadas, à pressão de um discurso extremista e foram-se afastando, gradualmente, de compromissos que garantiam o bem comum. Como todas as ideologias extremistas, esta trouxe-nos um programa de privatizações tendencialmente ruinoso – iniciado na década de 1990 e com episódios recentes, como os CTT ou a quase doação da EDP a um país estrangeiro – e deu-nos também as pesadas PPP; à escala global, permitiu a roda livre dos mercados financeiros que redundou na crise de 2008.

Percebe-se que a espiral de ganância não tem fim e que terá sido, no melhor dos cenários, ingénuo pensar que um qualquer apelo a um sentido de moralidade fosse alguma vez suficiente para a controlar.

Há pelo menos 30 anos que Amartya Sen, prémio Nobel da Economia em 1998, escreve em detalhe sobre este tema, sendo também um dos promotores de campanhas para alterar a forma como se avalia o desenvolvimento humano e a riqueza dos países (muito para lá dos PIB’s), mas a sua voz ganha agora cada vez mais volume e câmaras de eco, com apoios surgidos, às vezes, de lugares improváveis. Num livro muito interessante, publicado recentemente, um dos fundadores do Facebook, Chris Hughes (que admite ter ganho mais de 500 milhões de dólares em três anos de trabalho), diz que as mesmas condições que lhe permitiram enriquecer de forma quase indescritível impedem milhões de pessoas de ter uma vida aceitável. Tomando por referência a realidade norte-americana (que é, apesar de tudo, bem mais marcada por exageros do que a de muitos países da União Europeia), Hughes diz que a redução das desigualdades é vital para evitar uma completa desagregação social e que ela pode passar por medidas como a garantia de um rendimento mínimo a todos os cidadãos (uma medida que, pelas suas contas, custaria mais ou menos o mesmo que a reforma fiscal aprovada por Donald Trump para beneficiar as empresas e os indivíduos mais ricos do país).

A solução de Hughes pode não ser ‘a solução’, mas pode e deve ser pensada como parte de um esforço para alterar, com urgência, o estado de ‘mal social’ (como descreve o Papa Francisco) que temos.