Iniciativa Liberal. Rui Rocha "não aceita acordo com PSD", à açoriana, com Chega no pacote
20-01-2023 - 06:49
 • Manuela Pires

Se conquistar a liderança da Iniciativa Liberal, Rui Rocha promete ir para a rua contestar as limitações aos direitos, liberdades e garantias que PS e PSD se preparam para fazer no processo de revisão constitucional, acusa.

Se for eleito líder da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha garante que não fará qualquer acordo com o PSD, se isso implicar o Chega, tal como acontece atualmente nos Açores. Em entrevista à Renascença, o deputado avisa que essa é uma das condições de um caderno de encargos que promete revelar em breve.

Rui Rocha promete que, consigo aos comandos, a Iniciativa Liberal vai para a rua contestar as limitações aos direitos, liberdades e garantias que, diz, PS e PSD se preparam para fazer no processo de revisão constitucional.

Deputado há um ano, é candidato à liderança da Iniciativa Liberal e tem o apoio do atual líder João Cotrim Figueiredo. Rui Rocha tem 52 anos e é licenciado em Direito. Diz que é a alternativa de continuidade na IL.

Tem a ambição de chegar aos 15% de votos nas próximas eleições legislativas. Não está a ser muito otimista?

Não, estou a ser realista. E esse objetivo é no pressuposto que a eleição ocorra no tempo previsto, ou seja, daqui a quatro anos, e com quatro anos de trabalho. É de facto uma meta ambiciosa, mas eu acredito muito no potencial da Iniciativa Liberal e dos seus membros.

A ideia era quase triplicar a votação que tiveram há um ano…

Verdade, mas olhando para o passado, talvez tenha sido mais difícil eleger o primeiro deputado João Cotrim Figueiredo e depois crescer para um grupo parlamentar de oito deputados. Não vale a pena estar aqui para mudar um bocadinho, para ser um partido mais ou menos igual aos outros que fazem um bocadinho melhor. Nós queremos mesmo transformar o país e apresentar aos portugueses um país diferente.

Para além desse objetivo eleitoral, quer também acabar com o bipartidarismo.

O bipartidarismo tem sido muito nefasto para Portugal. E temos vários exemplos das consequências disso em que a direção do país vai sendo repartida entre o PSD e o PS. A ocupação do aparelho de Estado pelas clientelas desses partidos, a questão do aeroporto, que é decidida à porta fechada entre Luís Montenegro e António Costa, o fim dos debates quinzenais, a revisão constitucional que se está a preparar com limitações aos direitos, liberdades e garantias.

E o que é que faz com esses 15%. Podem servir para entrar num Governo do PSD?

Isso não é o mais importante. O que interessa é a ideia de transformar o país. Depois se verá que tipo de solução se apresenta, mas o importante é ter essa expressão eleitoral para conseguir que cinco, seis, dez objetivos fundamentais que fazem parte dessa ideia de transformar o país possam ser alcançados.

Por exemplo, a reforma do Estado, porque temos um Estado ineficiente, instituir um limite à despesa, para que o futuro dos portugueses não esteja comprometido. Um limite à carga fiscal para que as escolhas dos portugueses sejam mais livres também do ponto de vista económico e social e o sistema eleitoral.

São temas com os quais pode haver convergência com o PSD, e das quais a IL não abdica?

Não abdicaremos, porque fazem parte da nossa visão do país. Aliás, eu quero ser muito claro desde o princípio e vou apresentar o caderno de encargos da Iniciativa Liberal para qualquer tipo de solução de governo que possa existir no futuro. Para que o país e eventuais parceiros de um qualquer entendimento saibam qual a posição e as condições que a Iniciativa Liberal apresenta.

Tem acusado o PSD de se ter demitido de fazer oposição ao Governo, que perdeu a energia reformista. É a IL que tem de preencher esse espaço?

Sim, aliás a Iniciativa Liberal já está a preencher esse espaço. Eu recordo que no caso da TAP, por exemplo, foi a Iniciativa Liberal que teve uma posição corajosa desde o início, contestando a nacionalização da companhia aérea e depois mantendo essa posição ao longo do tempo.

É também isso que faremos, por exemplo, no que diz respeito à questão da revisão constitucional que se prepara, e que tem como consequência, aparentemente, o entendimento entre PSD e PS no sentido de limitar direitos, liberdades e garantias, nomeadamente no que respeita aos confinamentos decretados de forma administrativa, sem intervenção prévia, quer da Assembleia da República, quer dos tribunais.

Outra evidência, na moção de censura, que recentemente apresentamos, fomos nós que lideramos esse combate ao PS. Neste caso, houve um entendimento comum quer do senhor Presidente da República quer do próprio PSD, de que o PSD não estava preparado. O que quero dizer, quer aos membros da Iniciativa Liberal, quer ao país, é que a Iniciativa Liberal estará a partir do dia 23 de janeiro, preparada para qualquer cenário, que possa surgir do ponto de vista do contexto político.

Nos Açores a IL assinou um acordo com o PSD, mas onde entra também o Chega para viabilizar o Governo. Se for eleito líder da IL, esse acordo é para continuar?

Para ser claro, a Iniciativa Liberal tem, nos Açores, um acordo com o PSD e depois o PSD tem, de facto um acordo com o Chega, do qual a Iniciativa Liberal não faz parte. Esse acordo é para cumprir, a Iniciativa Liberal tem cumprido a sua parte e tem conseguido o acordado, a redução da carga fiscal, uma redução do endividamento e colocar em cima da mesa a privatização da SATA. Esse acordo é para cumprir a Iniciativa Liberal respeita os seus compromissos.

E no futuro?

O que eu defendo é que a Iniciativa Liberal, no futuro, seja a nível regional, a nível nacional, não deve fazer parte de acordos onde os Chega esteja, ainda que de forma indireta. Obviamente que nunca estaremos num acordo em que o Chega está presente de forma direta. Mas mesmo nesse modelo dos Açores em que há um partido, tenho um acordo bilateral paralelo indireto com o Chega e eu também não aceitarei esse tipo de soluções.

Se essa solução for transposta para o continente…

A Iniciativa Liberal não fará parte de um acordo dessa natureza. Aliás, falando do PSD, o caderno de encargos que eu apresentarei terá também uma condição, de que não haja um acordo paralelo do PSD com partidos extremistas. E se eu tinha convicção relativamente a este ponto um episódio que aconteceu no Parlamento, em que a deputada da Iniciativa Liberal Patrícia Gilvaz foi atacada de forma miserável por um deputado do Chega, mais reforça a minha convicção, se necessário fosse. O Chega não é solução para o país, nem é um parceiro que, de forma direta ou indireta, a Iniciativa Liberal possa considerar em qualquer tipo de solução.

Na moção, não poupa as críticas ao Governo, e aos outros partidos, o PCP, o BE e o Chega são extremistas. E o Presidente da República “tem sido conivente com a degradação das instituições democráticas”. Quer dar exemplos?

Sim, já dou exemplos, mas em todo o caso nos últimos dias o senhor Presidente da República alterou a sua posição. Temos tido o Presidente da República mais ativo e mais exigente para o Governo, mas também podemos discutir se essa intervenção está a ser feita da forma, enfim, institucionalmente mais adequada.

O Presidente praticamente demitiu uma secretária de Estado e ao mesmo tempo desautorizou o primeiro-ministro. No estilo, continuo crítico, porque entendo que essa intervenção deve ser feita de forma mais reservada e não sob os holofotes da comunicação social.

E os exemplos?

A questão dos pensionistas, em que claramente foram enganados pelo Governo. O PS e o Governo avançaram com uma medida que , diziam, ia ser o maior aumento de pensões, quando na verdade se verificou que havia um corte na base de cálculo das pensões. Um Presidente da República deve, se forma reservada, marcar linhas vermelhas ao Governo quando está a enganar milhões de portugueses, como é o caso dos pensionistas. É um exemplo daquilo que eu creio que devia ter sido uma intervenção pedagógica do senhor Presidente da República, feita no momento certo e feita na forma certa.

Diz, na moção, que a IL tem de liderar a oposição ao Governo e que é o único partido que apresenta ideias diferentes para o país. Acha que até agora têm sido eficazes?

Eu acho que a eficácia da Iniciativa Liberal é evidente, tendo em conta o percurso de sucesso eleitoral. Eu acho que há dois momentos determinantes para esse sucesso e na eficácia da passagem das nossas mensagens. Um primeiro, com Carlos Guimarães Pinto. Eu recordo que as ideias liberais estavam praticamente proscritas do debate político e o Carlos Guimarães Pinto trouxe essas ideias para o centro do debate político, desafiando o status quo político.

E, depois, com João Cotrim Figueiredo. Nas últimas eleições legislativas os debates centraram-se muito na questão do crescimento económico e esse tema foi levantado por nós.

Se for eleito líder no próximo domingo, qual é que vai ser a sua primeira medida? Que prioridades e que vai apresentar para o país?

São duas prioridades. A primeira, está relacionada com o ciclo eleitoral, com as regionais na Madeira este ano, e o objetivo da Iniciativa Liberal é eleger, pela primeira vez, para o Parlamento Regional da Madeira. Por isso, logo na segunda-feira vou reunir com o Nuno Morna e a sua equipa para começarmos a traçar a estratégia eleitoral.

A segunda prioridade é a revisão constitucional, cujo processo está a iniciar-se na Assembleia da República. A Iniciativa Liberal vai liderar a oposição a essa tentativa de limitação dos direitos, liberdades e garantias, e vai fazê-lo de forma muito intensa, quer contra o PS, quer contra o PSD. Vamos lutar contra isso por todos os meios, no parlamento, na rua, onde quer que seja.

Na moção diz que a IL deve fazer manifestações de rua sempre que for politicamente oportuno, como poderá vir a ser brevemente por causa da revisão constitucional?

Exatamente, se o caminho for o que se perspetiva, nós iremos para a rua.

E esse é o ponto mais crítico da revisão da Constituição, os confinamentos?

Mas há também a questão dos metadados e, aparentemente, PS e PSD estão de acordo. Nós não estamos, nem no que respeita aos confinamentos nem aos metadados. É óbvio que esta não é a Constituição que a Iniciativa Liberal defende, queremos uma Constituição adequada a uma democracia liberal, que é aquilo que o país é e, portanto, esta Constituição está perfeitamente datada.

Nós apresentamos uma proposta de revisão constitucional sucinta, porque não quisemos alimentar um contexto de oportunismo, de aproveitamento deste processo, mas quisemos manifestar a nossa posição. Essencialmente, alterações relacionadas com as liberdades de escolha na educação, na saúde, a questão do limite à despesa.

É a primeira vez na história do partido que há mais do que um candidato. Esta eleição está a desgastar o partido?

É obvio que as eleições são sempre um momento de alguma tensão, de competição. Mas nós, na Iniciativa Liberal, gostamos de competição e gostamos de concorrência. E, portanto, o balanço que eu faço é que foi uma ótima oportunidade e está a ser uma ótima oportunidade para se apresentarem visões alternativas para a Iniciativa Liberal.

Eu defendi sempre um calendário eleitoral alargado para dar oportunidade a outros candidatos. Houve uma terceira candidatura que se apresentou já quase no fim do prazo. Isso tem a ver com a possibilidade de haver calendário eleitoral alargado. Está a ser um período enriquecedor para o partido, com disputa de ideias, com debates, com exposição pública daquilo que são as visões possíveis para a Iniciativa Liberal.

Vamos ter uma convenção plenária agora no fim de semana, que será um grande momento para a Iniciativa Liberal, com mais de 1.000 pessoas presenciais ou outro tanto de forma remota, todos a participarem, todos a poderem decidir o futuro do partido. Eu acho que é muito enriquecedor para nós.

Mas quando Carla Castro diz na moção que as decisões são tomadas de forma autocrática e centralizada, já disse que “estamos a assistir a uma tentativa de ataque ao património do partido”.

Eu só posso fazer essa interpretação. Eu entrei para a comissão executiva, agora cessante, há um ano, a Carla Castro já está há duas comissões executivas, primeiro em 2019 e a de 2021. É uma crítica grave quer à liderança, quer, ao próprio partido. E, portanto, quem tem um dissenso tão pronunciado relativamente à condução do partido, parece-me que o que deveria fazer era não continuar na comissão executiva. Mas não foi isso que aconteceu, e por isso surpreende-me que só agora haja essa verbalização desse dissenso tão pronunciado.

E parece-me que não corresponde, de facto, àquilo que é a gestão do partido. Eu nunca vi nenhuma evidência de gestão autocrática, se não é algo que se o tivesse feito e se tivesse visto, seguramente que não continuaria numa comissão executiva que tivesse essa visão do partido e da gestão do partido.

Carla Castro, sua adversária nesta corrida interna, defende que a Iniciativa Liberal deve candidatar-se de novo a uma das vice-presidências da Assembleia da República. Concorda?

Antes demais é uma competência do grupo parlamentar. A minha opinião pessoal, agora enquanto deputado, é que não há nenhuma alteração de circunstâncias face à posição que foi tomada quando o João Cotrim Figueiredo não foi eleito para a vice-presidência, que justifique uma mudança da visão que temos relativamente a isso. E, em segundo lugar, não vejo nenhuma razão, no atual cenário, para mudar essa apreciação que doi feita na altura.