A geringonça sueca quer acabar com as escolas religiosas
10-08-2018 - 07:30
 • Filipe d'Avillez

Ultrapassado nas sondagens pelos Democratas Suecos, um partido anti-imigração, o Partido Social Democrata da Suécia, tem como bandeira eleitoral o fecho de todas as escolas religiosas no país.

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A maior escola católica da Suécia educa cerca de 400 alunos, a esmagadora maioria dos quais são filhos de imigrantes. Muitos são oriundos de comunidades cristãs de origem árabe, mas também os há da América do Sul, da Europa de Leste e de África.

Num país em que cresce a preocupação com o surgimento de guetos para as comunidades imigrantes, Daniel Szirányi, que faz parte da administração, diz que a escola de Notre Dame, em Gotemburgo, é um caso de sucesso.

“Estamos a ajudar uma grande parte da comunidade imigrante cristã a integrar-se na sociedade sueca. Esta é uma forma perfeita de se perceber como funciona a sociedade sueca e ajudá-los a caminho da educação superior”, explica.

A maioria dos alunos são católicos, com uma significativa minoria de ortodoxos, mas a escola também educa vários alunos muçulmanos. “Temos excelentes relações com eles. Em muitos dos países muçulmanos existem escolas cristãs, que têm fama de serem boas escolas e nós temos muito gosto em tê-los connosco. Temos uma população estudantil muito diversa”.

Mas o Partido Social Democrata - que é de centro esquerda e filiado na Internacional Socialista - discorda. Segundo aquele partido, a existência de escolas religiosas é uma fonte de segregação e, por isso, apresentou como medida eleitoral o encerramento de todas as escolas confessionais no país.

“A nossa escola é no meio da cidade, numa zona rica, e recebemos pessoas de toda a parte. É o contrário de segregação, na verdade estamos a ajudar a sociedade a diminuir a segregação”, insiste Szirányi.

Seriam afetadas 71 escolas, de um universo de cerca de 800. Das que teriam de fechar portas, caso a medida seja aprovada, 59 são cristãs, de diversas confissões, 11 são muçulmanas e uma é judaica. Três das cristãs são católicas, incluindo a escola representada por Daniel Szirányi, que é de origem húngara.

Vítimas de eleitoralismo

O Partido Social Democrata está no poder na Suécia, mas sem maioria. Conta, assim, com o apoio parlamentar dos Verdes e do Partido de Esquerda, que é o antigo Partido Comunista.

A ideia será aprovar a proposta depois das eleições de 9 de setembro, mas a ameaça é mais latente no imediato, considera Szirányi, uma vez que as sondagens não dão vitória aos social-democratas. O dirigente da escola católica está convencido, aliás, de que esta medida radical é apenas uma resposta ao facto de os Democratas Suecos, um novo partido populista com uma base anti-imigração, estar a liderar as intenções de votos.

Os próprios Democratas Suecos não defendem o encerramento de escolas confessionais. “Quando os Social-Democratas decidiram isto começámos a convidar políticos para vir conhecer a nossa escola, para mostrar que somos uma escola normal, com cerca de 450 alunos, que não representamos qualquer ameaça. Infelizmente, disseram-nos que ainda assim querem fechar a escola. Então falámos com todos os partidos, para perceber quais são as suas posições. Os Democratas Suecos não estão a planear fechar qualquer escola religiosa, o que nos disseram foi que queriam ver se havia uma forma de limitar a criação de novas escolas confessionais. É uma coisa vaga, mas que não afetaria as escolas existentes.”

A Renascença tentou contactar o Ministério da Educação da Suécia, mas não obteve qualquer resposta.

Não obstante a baixa probabilidade de os Social Democratas vencerem as eleições, os responsáveis pelas escolas confessionais estão preocupados pela hipótese estar sequer a ser discutida com seriedade. “Fizemos alguma pesquisa. Poucos países têm estas limitações, e são todos ditaduras. Nenhum país europeu proíbe inteiramente a existência de escolas cristãs ou religiosas. É importante que o público sueco compreenda que, independentemente da sua opinião sobre religião, esta seria uma medida muito radical, ao nível da Coreia do Norte. Não sei se as pessoas se apercebem disso”, diz Szirányi.

Até porque, de resto, a legislação está claramente do lado da escola. “A Convenção Europeia garante a liberdade de cada família escolher a escola e a educação a dar aos seus filhos, com base nas suas crenças. E a Suécia é signatária da convenção, por isso é válida cá”.

Mas a escola preferia nem chegar a esse ponto e, para além disso, há sempre o risco de que, não podendo acabar com as próprias escolas, o Governo opte por retirar o financiamento público, o que seria também dramático para o futuro das instituições.


Sociedade ateia com igreja oficial

Talvez um dos maiores paradoxos da lei é que a Suécia tem uma Igreja de Estado, a Igreja Luterana, cujas escolas também seriam afetadas. “Temos estado a colaborar. Muitas destas escolas são muito boas escolas, das melhores na Suécia, e é difícil mostrar porque é que deveriam fechar, uma vez que têm excelentes registos de educação. O clero tem estado a trabalhar em conjunto e nós, nas próprias escolas, temo-nos ajudado uns aos outros também”.

Apesar de ser a Igreja oficial do Estado, a verdade é que a Igreja Luterana, e o Cristianismo em geral, têm cada vez menos influência na sociedade sueca, que é crescentemente ateia. Mas é precisamente por isso, insiste o administrador, que é tão importante as famílias religiosas continuarem a ter uma escola para onde possam enviar os seus filhos à vontade.

“A legislação sueca já é muito dura a este respeito. É uma sociedade muito secularizada. Não podemos ter qualquer atividade religiosa durante o horário letivo. Se queremos ter uma missa, por exemplo, tem de ser antes ou depois das aulas”, explica.

“Não é fácil ser religioso na Suécia, porque é um país fortemente secularizado e até ateu, apesar de termos uma religião oficial do Estado. É difícil defender a fé, mas é assim que vivemos, e é por isso que é tão importante ter escolas confessionais que dão uma alternativa às famílias que não querem uma educação ateia”, conclui Szirányi.