Eleições nos EUA a menos de um mês. Kamala Harris pode ganhar por apenas dois votos eleitorais
07-10-2024 - 21:04
 • João Pedro Quesado

Kamala Harris ganhou algum espaço depois do debate de setembro, mas a tendência das sondagens não muda praticamente desde o fim de agosto. As margens nos sete estados decisivos são tão reduzidas que qualquer resultado é possível, incluindo uma vitória de Donald Trump por larga margem. Outubro é o mês das surpresas decisivas nos Estados Unidos da América.

A 29 dias do dia das eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos da América (EUA), Kamala Harris tem a mais ligeira das vantagens nas sondagens. Apesar disso, o leque de resultados possíveis significa que tanto a vice-presidente como Donald Trump podem vencer com vantagens perto dos 200 votos no Colégio Eleitoral. A campanha está agora no mês decisivo, que põe todos à espera de uma “surpresa de outubro” com o potencial de mudar o rumo da História.

Desde o final de agosto que as sondagens mostram estabilidade nas intenções de voto, com a exceção de alguns resultados que fogem à tendência. Kamala Harris afastou-se o suficiente para ter uma vantagem de três pontos na votação nacional na maioria das médias de sondagens. Tipicamente, essa vantagem dá alguma segurança aos democratas, mas a tendência dos sete estados decisivos é diferente: em todos eles, ninguém lidera acima da margem de erro, pelo que qualquer resultado é possível.

Esta estabilidade é o contrário da maioria da campanha neste ciclo eleitoral. Donald Trump chegou a ter a presença em boletins de voto em causa por ter provocado o ataque ao Capitólio de 6 de Janeiro de 2021. Trump esteve repetidamente em tribunal devido aos quatro processos em que é acusado de crimes federais. E o primeiro debate entre os principais candidatos, no final de junho, mostrou um Joe Biden enfraquecido e incoerente, atirando Trump para uma liderança saudável nas sondagens.

Depois chegou o mês de julho. A pressão para Joe Biden desistir da recandidatura à Presidência dos EUA antes que fosse tarde demais aumentou dia após dia, com uma campanha sustentada na imprensa. A poucos dias da Convenção Nacional Republicana, Trump foi alvo de uma tentativa de assassinato que acabou por vitimar um dos seus apoiantes.

Na semana seguinte, isolado com covid-19, Joe Biden acaba por anunciar a desistência através da rede social X, apoiando logo de seguida a candidatura de Kamala Harris. A campanha do Partido Democrata transformou-se quase instantaneamente, e a vice-presidente dos EUA conseguiu eliminar a desvantagem dos democratas nas sondagens nacionais e colocar-se numa posição competitiva nos importantes sete estados decisivos.

Sondagens corretas? Kamala vence por pouco

Se as atuais sondagens estiveram corretas, Kamala Harris será a 47.ª Presidente dos Estados Unidos da América. Mas a vitória será magra: o “The New York Times” diz que a vice-presidente conseguiria 276 votos eleitorais no cenário de sondagens corretas, enquanto Trump ficaria com 262 votos no Colégio Eleitoral.

Mas as margens são tão reduzidas que, caso o apoio a Trump esteja outra vez a ser subestimado pelas sondagens, como em 2016 e 2020, o ex-Presidente pode passar para a frente. Se esse problema acontecer apenas no Nevada, Kamala Harris pode vencer com 270 votos contra 268 – um resultado final que se mostra provável. Se acontecer na Pensilvânia, que tem 19 votos eleitorais, Trump volta a ser eleito para a Casa Branca.

É por esta razão que os especialistas do “The Cook Political Report” continuam a considerar o destino de 93 votos eleitoral – da Pensilvânia, Michigan, Wisconsin, Nevada, Arizona, Geórgia e Carolina do Norte – como imprevisível.

No último mês, algumas sondagens têm mostrado resultados que desafiam as normas sobre a vantagem do Partido Republicano no Colégio Eleitoral – sistema em que os votos eleitorais de cada estado são a soma do número de representantes e dos dois senadores, atribuindo um peso algo desproporcional aos pequenos estados que tradicionalmente votam nos republicanos face aos democratas, cuja votação tipicamente está concentrada nos grandes centros urbanos. Apenas dois estados não atribuem todos os votos eleitorais ao vencedor do estado, o Nebraska e o Maine.

Segundo o “The New York Times”, o apoio a Donald Trump está a seguir o padrão das eleições intercalares de 2022 (para a Câmara dos Representantes e parte do Senado), com ganhos onde os republicanos tiveram resultados acima da média nessas eleições, mas poucos ou nenhuns ganhos no resto do país.

As sondagens estão ainda afetadas por uma opção metodológica das empresas que as levam a cabo. A ponderação dos resultados conforme o voto numa eleição anterior está a criar dois grupos: quando a ponderação é de acordo com a eleição de 2020, Kamala Harris tem uma liderança estreita a nível nacional; quando é de acordo com a eleição de 2022, a liderança nacional é clara e a margem nos estados decisivos é mínima.

Como ninguém sabe com total exatidão quem vai mesmo votar nas eleições de 2024, quer presencialmente, quer de forma antecipada, é impossível perceber - para já - quem está a tomar a melhor opção. Mas a mudança no método é uma resposta à subestimação do apoio de Trump nas sondagens de 2016 e 2020.

À espera de uma “surpresa de outubro”

No folclore da política norte-americana, outubro é um mês de surpresas decisivas – principalmente por ser o mês anterior à eleição, que este ano acontece a 5 de novembro, não dando tempo para recuperar de qualquer revés.

As duas eleições presidenciais mais recentes foram repletas de surpresas em outubro. Em 2020, o “The New York Times” publicou, ainda em setembro, uma investigação aos impostos não-pagos por Donald Trump – que, dias depois, anunciou um diagnóstico positivo de covid-19. E, a meio do mês, o “New York Post” publicou uma notícia sobre emails num computador do filho de Joe Biden, Hunter. Mas nenhuma pareceu ter efeito nas eleições.

A história de 2016 foi diferente. No início de outubro, a “NBC News” divulgou uma gravação em que Donald Trump fazia comentários vulgares sobre mulheres. No mesmo dia, a WikiLeaks começou a divulgar emails de John Podesta, o diretor da campanha de Hillary Clinton, incluindo excertos de discursos para bancos da então-candidata e uma opinião sobre tratados comerciais diferente da defendida publicamente.

A grande surpresa de outubro de 2016 ficou guardada para o fim. A pouco mais de uma semana das eleições, o diretor do FBI anunciou a reabertura da longa investigação aos emails de Clinton, depois da descoberta de novas mensagens. Dois dias antes das eleições, o FBI anunciou que praticamente todas as mensagens que tinham surgido não eram novas, e fechou de novo o caso. O episódio foi amplamente criticado pelos democratas, que repudiaram James Comey por não fazer anúncios públicos sobre a investigação ao apoio da Rússia a Donald Trump.

Uma possível surpresa de outubro em 2024 pode estar nas consequências do furacão Helena, a tempestade mais forte e mortífera a atingir os 48 estados continentais dos EUA desde o furacão Katrina. Os republicanos têm tentado criticar a resposta federal aos danos provocados pelo furacão em vários estados do sudeste do país, principalmente no oeste da Carolina do Norte. A destruição pode ainda ter impactos nos locais de votação e em quem consegue votar.

Segue-se ainda outro furacão, o Milton, que está a ganhar força no Golfo do México, e deve atingir a costa oeste da Flórida na quarta-feira, na zona de Tampa, como furacão de categoria três.

Tudo o resto depende dos candidatos. Kamala Harris começou agora uma série de entrevistas, incluindo o popular podcast norte-americano “Call Her Daddy”, o programa “The Late Show” com Stephen Colbert, e ainda uma edição especial do programa “60 Minutos”. Donald Trump também foi convidado para a habitual edição do programa sobre os candidatos à Casa Branca, mas recusou o convite, depois de inicialmente ter aceite.

Depois disso ficam os gastos das campanhas em anúncios, nas estruturas locais para aumentar a afluência às urnas, e em comícios e outros eventos. Sem mais debates agendados, as campanhas têm agora poucas hipóteses de alcançar e convencer indecisos – aumentando a importância de cada uma, numa eleição de margem de manobra muito reduzida.

Neste altura, a eleição já decorre em 35 estados, incluindo os cinco dos sete estados decisivos - Pensilvânia, Wisconsin, Michigan, Carolina do Norte e Geórgia. A votação antecipada é possível tanto por carta como presencialmente, e os dados sobre esta já começam a ser esmiuçados à procura de pistas sobre os resultados de 2024. Mas a única coisa que se sabe é que, em 2020, 60% dos democratas votaram por correspondência, contra 32% dos republicanos, e que, em 2024, os democratas e independentes continuam a pedir mais boletins que os eleitores registados como republicanos. Os resultados só surgem depois de 5 de novembro.